Cientista ou inovador? Dr. Jekyll or Mr. Hyde? Empreendedorismo Inovador

quarta-feira, 17 junho 2020

Ou de outra forma, quando habilitar um destes dois modos!

Muitos de vocês já devem ter visto ou ouvido falar de alguma versão do filme estadunidense O Médico e o Monstro de 1941. Recorro aqui à uma sinopse, extraída da Wikipedia:

“O filme é baseado no romance Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde (O Estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde) de Robert Louis Stevenson, publicado em 1886. A história se passa em Londres, no século XIX. O médico e pesquisador Henry Jekyll crê que bem e mal existam em todas as pessoas. Jekyll tem muita determinação para provar sua teoria, que é criticada por quase todos que conhece, inclusive por Charles Emery, o pai de sua noiva Beatrix. Após trabalhar incansavelmente em seu laboratório, Jekyll elabora uma fórmula. Não querendo colocar em risco a vida de ninguém, ele mesmo a bebe. Como resultado, seu lado demoníaco é revelado, que ele chama de Mr. Hyde. Mas o pior ainda estava por vir, pois, inicialmente, Jekyll acreditava poder controlar as aparições de Hyde, mas logo ele veria que estava totalmente enganado”.

Evidentemente, o leitor que nos acompanha saberia que GBB-San não poderia deixar passar um belo conto destes sem tentar uma comparação empreendedora-metafórica, como fiz para exemplicar a Transmutação Digital (TmD) com o Barco de Teseu, tentar entender o ecossistema baseado em stand up da província de “Natalino”  por meio da Alegoria da Caverna ou querer acordar o povo pré-COVID para a realidade pós-COVID no artigo de um ano atrás Acorde Neo… Saia da Matrix. Não há mais empregos! .

Metáforas à parte, gostamos de paralelismos, pois nosso cérebro ama mais o padrão do que a lógica, como evidencio em Quer que eu desenhe? . Usarei então a dupla médico-monstro para mostrar que precisamos de ambos, se quisermos reconstruir o próximo – talvez novo – mundo melhor. Um reset já foi dado.

Eu, Dr. Jekyll!

Em meu artigo zero para a coluna Empreendedorismo Inovador, conto brevemente minha trajetória científica, a qual teve por mote a série de 1973, O Homem de Seis Milhões de Dólares, quando meu pai e eu aguardávamos ansiosos a noite do sábado para assistir as aventuras de Steve Austin, que após um acidente aéreo teve partes do corpo substituídas. Foi meu primeiro acesso à palavra ciborgue.

Enveredar na eletrônica na antiga ETFPE e construir meu primeiro computador com processador Z80 aos 14 anos, deu-me a certeza de que seria um cientista. Mais à frente, a Engenharia Eletrônica construiria uma ponte para o mestrado em Biofísica e Radiobiologia. O doutorado na Engenharia Elétrica – o qual seria o ratificador de minhas habilidades em desenvolver coisas no domínio do “Estado da Arte” -, foi conseguido graças aos resultados do mestrado e à implementação de equipamentos médicos para a TMED, empresa que forjou meu lado empreendedor.

Mantendo a vibe em construir o primeiro Six Million Dollar Man, pouco depois de ingressar na UFRN, tive a chance de criar o Depto. Engenharia Biomédica, no qual fiquei à frente por cinco anos. Sempre avesso a artigos acadêmico-científico, tinha que mostrar alguma produção minimamente acadêmica, o que foi conseguido com a dedicação à extensão universitária, através da criação das incubadoras da UFRN e, mais tarde, na ajuda à aprovação e implantação do PPgCTI, primeiro mestrado em inovação pura em universidade pública no Brasil. Não consegui avançar mais cientificamente como queria. Só para registrar, não me considero e não sou cientista; apenas um engenheiro. Fim do ciclo Dr. Jekyll. A dream it’s over! Porém, apenas um.

Eu, Mr. Hyde!

Ser cientista stricto sensu aqui no Brasil, definitivamente, é para poucos. Conheço quase nenhum. Como falei uma vez em palestra – o que levantou um coro danado (acho que não positivo) -, muitos aqui se autodenominam sê-lo, quando, na verdade, não passam de meros “juntadores” de tecnologias ou de ciências já validadas. 

Sério isso, GBB-San? Então prove! Vou provar pela ausência: conte nossos prêmios Nobel ou outras modalidades, royalties que recebemos, nossos laboratórios de ponta, o ranking de nossas universidades, nosso score PISA, e compare com o mundo afora. O impacto de uma nação tem por termômetro sua Ciência. Nossa temperatura está baixa.

Então, “Mestre dos Magos”, quais os requisitos para sermos ou termos cientistas? Ser cientista no modo stricto, não é ter doutorado ou mestrado ou especialização ou até mesmo uma graduação. É, claro, utilizar o método científico – observar, conjecturar, experimentar e generalizar – e ter o mais importante, o quinto elemento, o qual eu chamo de fail fast. Trazido do design thinking, o fail fast diz que temos de errar rápido, abandonar o desnecessário, reforçar os pontos positivos e recomeçar a abordagem aprendendo com isso, de modo a não refazer o mesmo caminho. A consequência desse trajeto será, irremediavelmente, a criação. Diria então que na bagagem do cientista moderno nacional, faltam os termos “feedback” e “coragem” em não manchar a biografia, muito em moda por estes tempos, que está registrada numa tal de Plataforma Lattes.

Você conhece alguém que utiliza observar-conjecturar-experimentar-generalizar-falhar-ouvir-corrigir-retornar e ao final conjugar  o verbo “criar” de modo sistemático? Se sim, chame-o de cientista. Do contrário, diga que esse vivente está apenas juntando o que alguém já fez e, que nesse caso, não agregamos valor a muita coisa, viveremos de commodities e dependentes dos avanços alheios, o que refletirá diretamente em nossa liberdade econômica. Esse é nosso status quo, resumo da ciência brasileira. Há exceções, só não as conheço.

Colocando uma segunda “jaca na cabeça”

Não há vergonha em não ser reconhecido cientista; vergonha há em não tentar. O único problema que ocorre nisso tudo é a auto proclamação. Só poderemos corrigir essa nossa falha científica se admitirmos que ela existe. Enquanto isso, percebi que podemos utilizar outro caminho, o da inovação. Em Ciência, tecnologia e inovação: ordem errada! , sugiro que tomemos exatamente o caminho inverso, se quisermos dar um sentido à Ciência brasileira, para que volte a florescer. Lá eu escrevo:

  • Primeirão. Procuraríamos o que resolver. A ONU cita 17 broncas grandes. A isso daríamos o nome de INOVAR! “Os maiores problemas do mundo são os maiores mercado do mundo”.
  • Segundão. Vasculharíamos as tecnologias que já temos disponíveis. Temos um bocado de patentes e registros sem uso. Seria um bom lugar e começo para procurar. Vamos chamar esta etapa de TECNOLOGIAR (hoje eu tô criativo!).
  • E, finalmente… Se o balde de patentes não cobrisse nossas expectativas, criaríamos a ciência para aprimorar a tecnologia “capenga” sem uso ou iniciaríamos novas ciências. Essa etapa a gente já sabe o nome: UNIVERSIDADE!

Depois que escrevi este artigo em setembro de 2019, revi minha carreira. Como naqueles filmes em que o protagonista vê sua vida passar durante uma experiência de quase-morte, me vi entrando no Depto. de Eng. Computação da UFRN e saindo; criando o Depto. Eng. Biomédica e saindo; ajudando a criar o IMD (Instituto Metrópole Digital) e saindo; criando a Inova Metrópole, gerenciando-a e saindo; ajudando a aprovar o Mestrado de Inovação, coordenando-o e saindo. Por último, me vi criando a inPACTA e também saindo. A única coisa que não saiu de mim foi o espírito empreendedor-inovador. Percebi que todos os checks out aconteceram porque tentei inovar em um meio que não suporta isso. Desta forma, devo mirar para o outro lado, o Mercado, e tentar a extensão inovadora. Pelo menos será um outro caminho.

Comecei a “trabalhar incansavelmente em meu laboratório mental”, produzi um fórmula e “não querendo colocar em risco a vida de ninguém”, eu mesmo a bebi. Entrei então em um Estado da Inovação e, ao contrário do Mr. Hyde, transformei-me em Mr. Light: vou tocar minha própria startup! A IncaaS é essa consequência, minha mais nova Jaca na Cabeça

Já finalizando, quando utilizar um ou outro modo?

Estar como o Dr. Jekyll ou o Mr. Light exige estratégia. Costumo utilizar a abordagem do futebol americano. Para o ataque, habilite o modo Inovador. Para defesa, o Cientista! Arrisque-se com segurança. Se a dúvida começar a “cutucar sua micuca”, dê ré e volte à prancheta. Dê uma chance ao seu lado cientista.

Neste texto, em alguns momentos fui Jekyll, em outros Hyde. Aparentemente bipolares, estas faces pertencem a um mesmo problema: a falta de definição científica, de um modelo claro. Adianto dizendo que não vejo onde pedi desculpas. Afinal, de médico e louco, todos temos um pouco!

Referências:

O Homem de Seis Milhões de Dólares (https://www.youtube.com/watch?v=5XT_0A_7pZ8)

TMED (http://www.tmed.com.br/)

IncaaS (incaas.com.br)

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Cara, onde é que você tava?

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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