Cargos comissionados e o voto Diversidades

segunda-feira, 14 outubro 2024
O voto de cargos comissionados terá independência em relação ao responsável por sua nomeação?(Foto: Bruno Perez / Agência Brasil)

Uma história de dependência e manipulação no Brasil

Como o controle dos cargos comissionados no Brasil condiciona a decisão do voto e interfere na democracia?

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Com a independência do Brasil e a instituição do Império, Portugal estabeleceu uma organização política central com o único objetivo de atender, inicialmente de forma irrestrita, aos interesses da coroa. Essa formação em Portugal retardava o sentimento de nacionalismo dos estudantes brasileiros, que mais tarde contribuiriam diretamente para a formação política do país. 

O imperador distribuía os cargos políticos, a partir de seus próprios critérios. Historiadores, entre eles Eul-Soo Pang e Ron L. Seckinger, estudaram estes casos no Brasil e descreveram esses detentores de cargos políticos, como “mandarins do império”. O termo faz alusão aos mandarins chineses, pois na China, também ocorreu esse sistema de recrutamento. Aqui no Brasil, esses “mandarins do império brasileiro” visavam, pela própria formação ideológica realizada em Portugal, a unificação nacional. A elite intelectual, que, também, era a elite econômica do país e, consequentemente, a elite política formava esse mandarinato.

O mandarinato foi concebido em duas fases. A primeira com a formação acadêmica na faculdade de Coimbra, geralmente na área jurídica, pela tutela da coroa portuguesa. A segunda com a circulação geográfica, quando o bacharel recebia o cargo e começava a exercer a sua função.

Como consequência do mandarinato e a influência direta da coroa portuguesa no Brasil, mesmo após a Independência, foi constituído na constituição de 1824, a garantia do Poder Moderador. Ou seja, participação direta da coroa portuguesa na administração do Brasil.

Dependência hoje

Agora, se voltarmos para o nosso tempo, o que vemos atualmente, é uma briga desmedida pelos cargos comissionados, na política atual do nosso país. Não se faz política sem essa dependência de votos, atrelados ao cargo de comissão. Sendo rotativo, quando na maioria das vezes, retira destes funcionários o poder real do voto, bem como a sua representatividade indireta, frente aos interesses reais das suas localidades.

Há 12 anos, foi publicado um artigo, pelo Jusbrasil, de autoria de Antonio Pires, intitulado de A Farra dos Cargos em Comissão: Brasil cabide, na qual informa que, na época, o país tinha 600 mil em comissão ocupados por particulares, sem qualquer tipo de contratação realizada, através de concurso público.

O autor, faz uma comparativo com países como o EUA, Chile e Holanda. Enquanto os Estados Unidos, possuem 300 milhões de habitantes e sete mil cargos comissionados, o Brasil com a população menor 198 milhões, com 600 mil. O que demonstra a nossa parcialidade diante do cenário político.

Sendo assim, a pergunta a ser realizada é: será que mudamos quanto a ocupações de cargos, na esfera administrativa? Será que esses funcionários que ocupam cargos por comissão servem à sociedade ou aos que nomearam estes?

Compra de voto?

Precisamos mudar este sistema e cena política, com a diminuição dos cargos por comissão, caso queiramos de fato acabar com a corrupção ou mesmo injustiças no cenário político. Será que o voto é secreto? Será que não existe uma compra de voto indireta, a partir da venda desses cargos? São questionamentos que, penso, não precisarão ser respondidos, pois a resposta é evidente e clara. Quantos cargos em comissão, podem comprar um voto?

No atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esses números caíram bastante, em janeiro de 2023, no Brasil, esse percentual diminuiu consideravelmente, com uma população de mais de 215 milhões de habitantes, existem 28.182 cargos comissionados. Porém, ainda é uma quantidade bem elevada, comparado com outros países.

Será que o voto desses funcionários que receberam cargos comissionados, bem como de seus familiares, não estarão, também, atrelados às campanhas políticas do candidato que participou da nomeação destes? Qual a garantia que esses funcionários recebem para continuar no exercício de suas funções? Será que existe independência para esse exercício da função ou estarão sempre atrelados ao desejo do “príncipe”? Príncipe, este, na atualidade, representado pelos partidos políticos?

Perguntas que temos as respostas, mas ainda não conseguimos movimentar a máquina pública/governo para uma real transformação e nem vamos – talvez, nem queiramos, pois existe um interesse desproporcional para que as coisas permaneçam assim.

Obediência

Neste momento, podemos ter a certeza de que a forma como é o Brasil, é um grande projeto do fim, ou melhor dizendo, um projeto de exploração, que nunca pensou no amanhã. Exploração, hoje e sempre, das verbas públicas, por parte dos impostos recolhidos dos cidadãos.

Obviamente, que os mandarins do império brasileiro se diferenciam, quanto às funções e, em alguns casos, qualificações, porém, em termos de servir a uma classe dominante, ainda pior, aquela que em muitos os momentos é a que os oprime, este princípio é quase o mesmo, bem como a internalização em defesa de ideais e interesses para com aqueles que os colocaram em seus cargos.

Sabemos, também, que existem várias pessoas qualificadas, atuando com muita presteza e responsabilidade. Todo respeito a esses profissionais que são vítimas desse mecanismo de controle e dependência. Com certeza há diversos funcionários em cargos comissionados que fornecem um serviço de excelência.

Entretanto, esse sistema precisa ser questionado, pois todo trabalhador deveria ter um plano de carreira, bem como estabilidade em seu exercício profissional, entre outros direitos. O sistema de cargos comissionados, gera muito desgaste, como também viola vários princípios constitucionais, quando não aplicado corretamente.

Serviço público

Podemos compreender que esses cargos são causadores de alguns desencontro no meio administrativo, do mesmo modo que existem profissionais qualificado e com respostas excelentes, há, também, o mau funcionamento do serviço público, quando não existem pessoas com qualificação para a ocupação das funções delegadas, a falta de independência funcional, sem falar dos “funcionários fantasmas”, nos quais fazem parte de uma problemática social muito maior, que perpassa pelo mau uso e desvio da verba pública, esta, por sua vez, sendo utilizada de modo a garantir a continuidade de um sistema corrupto em nosso país, por meio desses cargos que herdamos há aproximadamente 500 anos.

Uma boa profissão exige transparência e independência, garantindo estabilidade, para que as pessoas não fiquem sujeitas ou forçadas a abrir mão do seu maior bem em uma democracia: o voto. O voto nunca deveria ser moeda de troca para nenhum trabalhador, independentemente da sua posição, pois é através dele que asseguramos a ética democrática.

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Joana Mercedes Paino, advogada e jornalista.

Joana Mercedes Paino, com edição Mônica Costa

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