Canudos e a Universidade – Parte 2 Ciência Nordestina

terça-feira, 25 junho 2019
Os prisioneiros de Canudos após o massacre. (Wikipedia)

Conhecimento é resistência: numa analogia a Canudos colunista mostra como a produção universitária pode incomodar as grandes corporações

Canudos e o desafio da igualdade faz uma associação rápida entre a Universidade Pública e o Arraial de Antônio Conselheiro. No texto de hoje (segunda parte) expandiremos esta analogia. Como a produção da Universidade pode incomodar as grandes corporações ao ponto de sofrer ataques tão intensos?

A grande motivação para o agrupamento de jovens que se forma em torno da Universidade se dá pelos frutos que a ciência oferece. A ciência é, sem dúvidas, o Antônio Conselheiro das Universidades pelo mundo. A conversão quase que automática de sua ciência em tecnologia faz delas um local de respeito nas grandes nações. O respeito pela produção de conhecimento e pela capacidade de modificar a vida de jovens vem do potencial destas fábricas de solução de problemas.

Da mesma forma que os sertanejos de Canudos viram a oportunidade de plantar no meio das pedras (e produzir rapadura), a Universidade se espalha pelo mundo, produzindo conhecimento indistintamente entre as nações.

No entanto, a lógica comercial de dominador/ dominado não entende que esta democratização universitária seja de todo satisfatória. Se por todo o planeta as pessoas forem livres para produzir rapadura e conhecimento, como manter a riqueza concentrada na mão de alguns poucos ricos?

A resposta parece ser óbvia: a burguesia precisa impedir que estes arraiais e Universidades estejam por todo canto! Se o Brasil é fornecedor de matéria prima barata e precisa ter poucos ricos, é evidente que deve apoiar poucos engenhos e quase nenhuma produção de conhecimento.

Os ricos não querem ver diplomas nas mãos dos pobres. É bem mais simples contratar um analfabeto ofertando casa e comida. A escravidão ainda é muito bem vista pela casa grande. E da mesma forma que a preocupação da república não era focada nas poucas rapaduras produzidas em Canudos, a produção da Universidade Brasileira não parece ser motivo para tamanha mobilização ideológica. Assim como em Canudos, o interesse é na mão de obra.

Parque Estadual de Canudos (BA).

E para conquistar esta mão de obra, o sentimento de prazer na desgraça alheia é um grande aliado. Faz as fábricas de esperança (Canudos e a Universidade) serem confrontadas com o obscurantismo que levou as expedições ao interior da Bahia e à opinião medíocre da terra plana. É este discurso estapafúrdio que quer tornar o bom conhecimento apenas aquele que seja produzido no hemisfério norte e toda a rapadura boa aquela que seja apenas produzida nos grandes engenhos.

No entanto, o conhecimento é resistência, e essa resistência passa de geração e geração. Quando ocorreu a fase da interiorização das Universidades Públicas por todo o país, foram implantados pequenos Arraiais (ainda tímidos) por todo o canto. Porém cada menino e cada menina que lá adentra passa a conhecer uma realidade revolucionária: a capacidade de ser protagonista de sua própria vida. Podem chamar de ideologia – a palavra da moda. Pois a nenhum brasileiro pode ser negada a possibilidade de sonhar com sua dignidade. E a Universidade, assim como fora Canudos, é uma fábrica de dignidade humana. Mais vale tocar cada brasileira e brasileiro e acender a chama de seus sonhos que alimentar a tristeza de uma vida severina.

Vale ressaltar ainda, que na luta comum há diferenças entre a Canudos do passado e as Universidades do presente. A Universidade brasileira cresceu em tamanho (assim como o Arraial do Bom Jesus) porém diferentemente de Canudos ela está espalhada por todo o país.

Para tentar apagar os sonhos de Canudos, exércitos de 17 estados precisaram se mobilizar. Imagine o esforço para apagar as 68 Universidades Federais, tantas outras estaduais e IFs.

Como bem dizia Einstein: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. A mente aberta daqueles que não se rendem ao obscurantismo dos velhos e novos coronéis há de prevalecer.

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Leia o texto anterior: Telas infinitas e leds transparentes

Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).

Helinando Oliveira

Uma resposta para “Canudos e a Universidade – Parte 2”

  1. Monica Tomé disse:

    Estamos diante de uma situação que jamais imaginei. Já é absurdo pensar em estratégias governamentais de não priorizam a educação e pior que isso, que promovem a inanição desse bem tão caro. E mais catastrófico é ver colegas de classe, por metas individualistas e mesquinhas pactuar com tamanha crueldade.

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