A queda dos índices de cobertura de vacinação no Brasil, nos últimos dois anos, ligou um sinal de alerta entre especialistas
Vamos imaginar uma situação hipotética. Um cidadão entrou em coma, mesmo que temporariamente, em meados de 1918, e só acordou no final do ano seguinte. Sucedeu-se essa condição nos anos de 1957, 1968 e 2009. Hoje, com saúde plena, mesmo com a idade avançada (ele teria 110 anos), aquele cidadão lê no seu smartphone a seguinte manchete que fora publicada alguns dias antes, em 19 de Junho de 2018, no jornal Folha de São Paulo: “Vacinação de bebês e crianças têm menor alcance em 16 anos”. E, então, pergunta-se: “Será se eu estou caducando, eu estou com Alzheimer, ou eu já morri e não sei? Como pode esse alcance diminuir ao invés de aumentar?
Os anos mencionados na situação hipotética anteriormente exposta referem-se às pandemias ocasionadas pelo vírus influenza. Nessa suposta história não se mencionou, entretanto, os inúmeros surtos que ocorreram ao longo dos anos nos mais diversos países, como os observados mais recentemente no Brasil e nos EUA. Não se mencionou ainda as milhares de vidas que foram perdidas por conta desse tipo de vírus. O fato é que os questionamentos feitos por aquele personagem hipotético não só deveriam ser feitos por qualquer pessoa, como deveriam causar igual estranheza, tanto pelo conteúdo da manchete anteriormente referida como numa outra que fora noticiada mais recentemente, em 22 de junho de 2018, na mesma Folha de São Paulo: “Saúde alerta que mortes de crianças por gripe aumentaram neste ano”. Qual motivo estaria levando a uma queda nos índices de cobertura de vacinação entre crianças, segundo os dados do Programa Nacional de Imunizações? Vale lembrar que entram nessa estatística diversas doenças como poliomielite, tuberculose, rotavírus, meningite, dentre outras.
Acredita-se que muitos fatores podem estar envolvidos. Desde a suposta falta de tempo para realizar a vacinação até a crença equivocada de algumas pessoas de que tanto uma boa alimentação dos filhos como os avanços no saneamento básico podem imunizá-los. Todos estes são fatores que poderiam justificar esses números. O colunista da Folha, Marcelo Leite, opina, entretanto, em texto publicado em 24 de junho de 2018, que “cresce no Brasil um movimento subterrâneo contra vacinas. Não conheço estudos que apontem isso, mas conheço alguns casais, em geral de classe média alta, que se recusam a vacinar os filhos”. Infelizmente, essa opinião é compartilhada por muitos profissionais da saúde, que atribuem às fake news propagadas nas redes sociais sobre o assunto, o fortalecimento dos movimentos contrários à vacinação.
Vejamos, por exemplo, o caso do vírus influenza, causador da gripe. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “a gripe sazonal é uma infecção respiratória aguda causada pelos vírus influenza que circulam em todas as partes do mundo. Existem 4 tipos de vírus da influenza sazonal, tipos A, B, C e D. Os vírus influenza A e B circulam e causam epidemias sazonais da doença”. Os últimos 100 anos testemunharam avanços sem precedentes da ciência no combate a esses vírus. Marco importante desse processo fora o ano de 1918, quando ocorrera o primeiro contagio do H1N1 em massa.
Cem anos depois, quando se marca o centenário daquela pandemia global de influenza que infectou 500 milhões de pessoas e custou mais de 50 milhões de vidas, a prestigiada revista científica da área médica, The Lancet, disponibilizou um cronograma histórico dos principais eventos e avanços científicos a respeito do vírus influenza, bem como os artigos mais citados acerca desse assunto, os quais poderão ser acessados gratuitamente até 31 de agosto desse ano.
Para muitos, pode até soar estranho falar na perda de milhares de vida, principalmente por conta de um vírus causador de uma doença – gripe – a qual é tida como inofensiva. Outros, entretanto, podem argumentar que não há nada de estranho nisso pois ocorrem casos mais graves dessa doença, quando envolvem complicações respiratórias. Alguns podem argumentar ainda que não conhecemos o suficiente, embora o bastante, a respeito desse vírus.
Contudo, uma coisa é certa: não dá para desconsiderar todos os avanços científicos do último século em epidemiologia, imunologia e tantas outras áreas, tudo isso com base em “achismos” ou fake news. O vírus da gripe é a prova concreta disso. A produção científica disponibilizada pelo jornal The Lancet corrobora essa premissa. A ciência não é a dona da verdade, e nunca será. Pois, se assim fosse, deixaria de ser ciência. Obviamente que interesses econômicos e comerciais permeiam todos os meios, inclusive o científico. Por outro lado, abrir mão de vacinas, e ainda perpetuar essa ideia, seria equivalente a fazer campanha de vacinação para inocular a ignorância na mente das pessoas.
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Thiago Jucá
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