Breves comentários sobre divulgação científica – Parte 2 Coluna do Jucá

quinta-feira, 7 março 2019

Nesse segundo texto, Thiago Jucá lembra que cabe à boa divulgação científica embutir nas mentes das pessoas a capacidade reflexiva e o pensamento crítico

Na semana passada, o sequenciamento do genoma do tubarão branco (Carcharodon carcharias) virou manchete em muitos jornais ao redor do mundo. A despeito das várias manchetes, poder-se-ia unificá-las, quem sabe, em torno de uma única, dizendo: “As implicações do sequenciamento do genoma do terror dos sete mares”. As belas imagens dessa estrela de Hollywood, atreladas a essa manchete, certamente renderiam muitos likes e grande repercussão, como deve, de fato, ter acontecido.

Grande tubarão branco (Fonte: Byron Dilkes, Danah Divers).

Porém, a despeito dos likes, das postagens e dos compartilhamentos, o artigo publicado na prestigiada revista americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), bem como as inúmeras matérias que tentaram esmiuçar os principais achados desse estudo para o grande público − isto é divulgação científica – trouxeram à tona inúmeras informações que irão não apenas ajudar a preservar esse animal incrível, mas também contribuir na pesquisa contra o câncer.

Tudo isso devido ao grande sucesso evolutivo de uma espécie que habita o planeta Terra há milhões de anos, fruto de uma capacidade adaptativa incrível, a qual indica a quase ausência de modificações evolutivas durante todo esse tempo. Ademais, é notório a capacidade cicatrizante desses animais, bem como sua resiliência ao câncer. Os autores desse estudo sugerem que uma enorme variedade de alterações genéticas estariam por trás desse reinado, o qual só é ameaçado por outra espécie bem conhecida por todos nós – nós mesmos.

A escola do Mundo ao Avesso ensina que sem pensamento crítico, somos feitos de bobos. Fonte: Google

A escola do mundo ao avesso pode até nos impor como verdade que esse animal destina-se, exclusivamente, a atacar banhistas, surfistas e outros desavisados que estejam na água. Dessa forma, impondo “verdades absolutas”, essa pedagogia do avesso nega qualquer tipo de suposição alheia. Cabe à boa divulgação, entre elas a científica, embutir nas mentes das pessoas essa tal de capacidade reflexiva, como no caso do “terror dos sete mares”. Afinal, não adianta estar informado de quase tudo e não saber de quase nada.

Nos tempos atuais, com uma manchete e com um clique, é possível aceitar qualquer pós-verdade, qualquer ideia de Terra Plana, qualquer ideia de que o planeta não está aquecendo, mas com discernimento e pensamento crítico não é possível aceitá-las, pelo menos não tão facilmente. Só numa escola do mundo ao avesso cultua-se a ignorância em detrimento da informação, a ditadura da mente ao invés da propagação e da divulgação das coisas que a mente humana é capaz de produzir melhor.

 Referências:

  • Nicholas J. Marra el al. (2019) White shark genome reveals ancient elasmobranch adaptations associated with wound healing and the maintenance of genome stability, PNAS, pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1819778116
  • Eduardo Galeano. De Pernas pro Ar, A escola do Mundo ao Avesso. L&PM Pocket, 369 pág.

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Leia o texto anterior: Breves comentários sobre divulgação científica – Parte 1

Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.

Thiago Jucá

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