Bases moleculares da orgia Biologia do Envolvimento

sexta-feira, 1 março 2019

O professor Eduardo Sequerra fala de um dos fenômenos biológicos mais curiosos: a noite do enxameamento, quando milhares de invertebrados marinhos se encontram para reproduzir sob a luz da lua

“A felicidade é como a pluma

Que o vento vai levando pelo ar

Voa tão leve

Mas tem a vida breve

Precisa que haja vento sem parar…”

Tom Jobim, Vinicius de Moraes

É meus queridos, chegou aquele dia que muitos, como eu, passam o ano todo esperando. E esta coluna também se rende ao reinado momesco pra falar de um dos fenômenos biológicos mais curiosos, a maior orgia do mundo! Mas se acalmem, ela não é o carnaval e muito menos feita por seres humanos. Trata-se da noite em que milhares de invertebrados marinhos se encontram para reproduzir sob a luz da lua, a noite do enxameamento!

Lembrem que a maioria dos animais marinhos não ficam grávidos. Ao invés disso, eles liberam seus gametas na água na esperança de que vão encontrar seus pares para gerar um zigoto. Mas para diminuir o desperdício, invertebrados marinhos desenvolveram diversos mecanismos para sincronizar os seus orgasmos (tá bom, eu não tenho certeza que eles têm orgasmos, mas a história fica mais divertida contada assim). E o anelídeo Platynereis dumerilii sincroniza uma dança nupcial a partir da liberação de ferormônios sexuais, o que resulta na liberação coordenada de gametas. Mas antes desta noite fatídica, eles precisam se preparar. Eles precisam estar sexualmente maduros e com seus gametas prontos para a fertilização quando os hormônios vierem lhes estimular. E essa noite sempre cai em uma fase específica da lua. Mas como é que isso acontece?

Platynereis dumerilii

E foi para responder isso que Schenk e colaboradores usaram técnicas de última linha para identificar todos os RNAs e proteínas que estavam passando pelas cabeças desses bichinhos. E fora todas esta técnicas super modernas, deve ser difícil que só dissecar a cabeça minúscula desses danados. O que Schenk e seus amigos observaram foi que apesar da maturação sexual produzir mudanças importantes tanto na composição de RNAs como proteínas, as fases da lua produzem alterações principalmente sobre quais proteínas são expressas. Isso é, dependendo da fase da lua, diversas proteínas nos cérebros destes animais chegados em uma orgia são degradadas ou aumentam sua expressão.

Claro que o problema de todo trabalho que acaba com uma lista de genes, RNAs, proteínas, ou seja lá qual for a sua molécula de predileção, é depois fazer sentido em tudo isso. As pecinhas em organismos vivos não encaixam fácil como em um relógio. Mas de qualquer maneira, é um caminho para entendermos melhor como os invertebrados marinhos se reproduzem e o que precisamos fazer para conservá-los. Por que se tem uma coisa tão certa quanto o fato de que todo ano tem carnaval é que as noites do enxameamento têm que continuar. E viva o Zé Pereira!

Referência

Schenk, S, Bannister, SC, Sedlazeck, FJ, Anrather, D, Minh, BQ, Bileck, A, Hartl, M, von Haeseler, A, Gerner, C, Raible, F, Tessmar-Raible, K (2019) Combined transcriptome and proteome profiling reveals specific molecular brain signatures for sex, maturation and circalunar clock phase. eLIFE DOI: https://doi.org/10.7554/eLife.41556

A coluna Biologia do Envolvimento é atualizada quinzenalmente às sextas-feiras. Leia, opine, compartilhe, curta. Use a hashtag #BiologiadoEnvolvimento. Estamos no Facebook (nossaciencia), no Instagram (nossaciencia), no Twitter (nossaciencia).

Leia o texto anterior: Sugestão para o ministro: a Primavera Silenciosa

Eduardo Sequerra

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital