Desafios, intervenções e a luta pela liberdade acadêmica
(Nildo Dias e Francisco Paiva)
A autonomia universitária no Brasil é um dos princípios fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988. Reconhecida como um marco da redemocratização do Brasil, ela garante às instituições de ensino superior o direito de gerir seus processos acadêmicos, financeiros e administrativos de forma independente. Porém, a prática de nomeação de reitores pelo presidente da República, mesmo quando estes não lideram a votação da lista tríplice escolhida pela comunidade acadêmica, tem gerado preocupações sobre possíveis violações desse princípio essencial para o desenvolvimento democrático do país.
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O artigo 207 da nossa Constituição estabelece que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, sempre respeitando o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Essa autonomia, no entanto, tem enfrentado alguns desafios de ordem prática, sobretudo em contextos políticos marcados por tendências autoritárias. Nos últimos anos, por exemplo, a escolha de reitores que não representaram a vontade da maioria da comunidade acadêmica (ou seja, o mais bem votado no processo de escolha interna não sendo o escolhido/nomeado pelo Presidente da República), reacendeu o debate sobre os limites da intervenção estatal no ambiente universitário.
Historicamente, sabemos que a autonomia universitária foi duramente atacada durante a ditadura militar, período em que instituições sofreram com a censura, perseguição política e imposição de interventores. A redemocratização trouxe avanços significativos, com a garantia constitucional desse direito. Entretanto, eventos recentes, como as intervenções nas nomeações de dirigentes, mostram que o desafio de consolidar essa autonomia ainda não foi superado. Foram vários os casos em que reitores eleitos com ampla maioria de votos tenham sido preteridos em favor de nomes menos votados, escolhidos sob critérios questionáveis. Esse tipo de interferência tem sido chamado de “intervenção branca”.
Os impactos desse desrespeito são diversos. Especialistas afirmam que a nomeação de reitores alheios à vontade da comunidade acadêmica compromete a governança institucional, mina a confiança no processo democrático e enfraquece a liberdade acadêmica. Esses elementos são fundamentais não apenas para o funcionamento interno das universidades, mas também para a produção de conhecimento e o fortalecimento do pensamento crítico na sociedade como um todo.
Além disso, a presença de dirigentes sem respaldo da comunidade acadêmica pode dificultar a gestão e gerar conflitos internos, soando mais ou menos como uma falta de “apoio popular interno”, e, por consequência, reduzindo a capacidade das universidades de atender às demandas sociais e científicas.
O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro exemplifica a intensificação desse tipo de intervenção. Durante sua gestão, diversos reitores legitimamente eleitos foram ignorados em favor de candidatos menos votados, reforçando críticas sobre um possível viés autoritário na escolha dos dirigentes. A prática também foi acompanhada por cortes orçamentários expressivos e tentativas de controle ideológico sobre o ambiente universitário, agravando ainda mais as tensões. Essas medidas foram amplamente criticadas por associações acadêmicas, estudantes e movimentos em defesa da educação.
A interferência governamental no ambiente universitário afeta não apenas a governança interna. Ela representa uma ameaça direta à liberdade de cátedra, à produção científica e ao papel das universidades como espaços de formação cidadã e inovação. Sem autonomia, as universidades ficam vulneráveis a pressões políticas e econômicas que podem comprometer sua missão de promover o conhecimento e contribuir para o desenvolvimento social.
A solução para o problema passa pela revisão de mecanismos legais que ainda permitem esse tipo de intervenção. Propostas como o Projeto de Lei 2.699/2011, que visa extinguir a lista tríplice e permitir que o reitor mais votado seja automaticamente escolhido, têm sido amplamente discutidas no Congresso Nacional. Outra medida defendida por especialistas é a revogação da Lei 9.192, que regula o processo de escolha dos reitores e, em muitos casos, é interpretada de forma que facilita a intervenção do poder Executivo.
Preservar a autonomia universitária é, portanto, uma questão de preservar os valores democráticos e a própria essência do ensino superior, e, por que não dizer, contribuir para o desenvolvimento do país. O respeito à escolha da comunidade acadêmica na nomeação de reitores e a proteção contra interferências externas são passos importantes para garantir que as universidades continuem a cumprir seu papel como pilares da democracia e do progresso social.
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Nildo da Silva Dias é professor titular da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa).
Francisco Cleiton da Silva Paiva é advogado, servidor público e aluno do Programa de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema/Ufersa).
Nildo Dias e Francisco Paiva
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