Autodidatismo: a próxima ruptura Disruptiva

quinta-feira, 19 dezembro 2024

Ruptura no aprendizado dependerá de uma postura empreendedora

(Gláucio Brandão)

Em dezembro de 2020, publicamos aqui Teoria, análise e síntese: aprendendo eficazmente! No texto abordei como aprender de maneira eficaz, destacando a diferença entre eficiência, efetividade e eficácia. Naquela época distante (ironia, of course!), já criticava a superficialidade no aprendizado (própria da educação brasileira), e propunha um método baseado na Taxonomia de Benjamim Bloom, que inclui as etapas de conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação. Chamei minha abordagem de aprendizado (na verdade uma adaptação inspirada em Bloom) de TAS: Teoria, Análise e Síntese, na qual ressaltava a importância de compreender, aplicar e validar o conhecimento de forma profunda e contínua, pra que fosse enraizada no “cabeção”, em vez de apenas acumular informações.

Para continuar entregando conteúdo de qualidade, Nossa Ciência precisa do apoio de seus leitores. Faça um pix para contato@nossaciencia.com

A TAS, que utilizo desde sempre, enfatiza a necessidade do autoaprendizado focado e crítico, para que se consiga evitar a dependência e confiança plena em “gurus” superficiais, ou ainda pior: se tornar um deles.

Por tudo isso, defendo que a próxima ruptura no aprendizado dependerá de uma postura empreendedora, na qual a aquisição de conhecimento terá que acontecer por conta própria. Vamos ver se consigo convencer vocês.

O que eu ouço, eu esqueço; o que eu vejo, eu lembro; o que eu faço, eu compreendo”. E se eu aprender a fazer tudo isso sozinho, serei independente! Confúcio, 550 a.C. / GBB-San, 1968 d.C.

A educação brasileira

A qualidade de nossa educação (pública ou privada) é de difícil avaliação. Fiz algumas buscas na Web com os termos “qualidade da educação brasileira” e o retorno foi desolador: milhares de artigos, contendo dezenas de indicadores, dispersos em centenas de páginas. Como não estou escrevendo uma tese de doutoramento, pedi à Gemini© para resumir a ópera. Ela retornou o seguinte panorama:

  • Baixo desempenho em rankings internacionais: O Brasil frequentemente figura em posições desfavoráveis em rankings internacionais de educação, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Esses resultados indicam dificuldades em áreas como leitura, matemática e ciências.
  • Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB): O IDEB, principal indicador da qualidade da educação básica no Brasil, mostra uma melhora nos anos iniciais do ensino fundamental, superando inclusive o patamar pré-pandemia e atingindo a meta que deveria ter sido alcançada em 2021. No entanto, o país ainda se mantém distante das metas para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio.
  • Altos índices de reprovação e abandono escolar: As taxas de reprovação e abandono escolar, especialmente no ensino médio, são preocupantes e revelam a falta de engajamento dos estudantes e a necessidade de melhorias na infraestrutura e nos recursos oferecidos pelas escolas.
  • Dificuldades de aprendizagem: Muitos alunos apresentam dificuldades em habilidades básicas como leitura e escrita, mesmo após anos de escolarização. Isso indica problemas na qualidade do ensino e na progressão da aprendizagem.
  • Desigualdades regionais e sociais: A qualidade da educação pública varia muito entre as diferentes regiões do país e entre alunos de diferentes níveis socioeconômicos.
  • Investimento insuficiente: O investimento em educação pública, embora tenha aumentado nos últimos anos, ainda é considerado insuficiente por muitos especialistas para garantir uma educação de qualidade para todos.
  • Infraestrutura precária: Muitas escolas públicas sofrem com infraestrutura precária, com falta de equipamentos, materiais didáticos e espaços adequados para o aprendizado.
  • Formação e valorização dos professores: A formação inicial e continuada dos professores, bem como a valorização da carreira docente, são aspectos cruciais para a melhoria da qualidade da educação.
  • Gestão escolar: Uma gestão escolar eficiente e democrática é fundamental para o bom funcionamento das escolas e para a promoção de um ambiente de aprendizagem positivo.
  • Fatores socioeconômicos: Fatores como a pobreza, a violência e a falta de acesso a serviços básicos também afetam o desempenho escolar dos alunos.

Sendo essa resposta uma busca estatística (não se enganem, pessoal: as GenAI são apenas nosso reflexo!), posso dizer que a coisa não tá boa. E, sinceramente, não saberia como melhorar esse quadro em pouco tempo… Até agora!

Tipos de instrução

Não podemos falar em aprendizagem sem mencionar o artigo The 2 Sigma Problem: The Search for Methods of Group Instruction as Effective as One-to-One Tutoring, do Professor em Educação Benjamin S. Bloom. Sim, o mesmo da taxionomia que leva seu nome.

A imagem traz uma noção do que já acontecia no aprendizado na década de 80, o que não deve ter sofrido alteração até então. Vamos interpretar esse gráfico.

Performance dos tipos de Instrução (figura extraída do mesmo site)

Educação convencional

A educação convencional no Brasil para em uma sala de aula de 30 alunos, geralmente segue um formato tradicional de ensino:

  • Aulas expositivas, onde o professor é o principal transmissor de conhecimento e os alunos são receptores passivos.
  • O número de alunos (30) pode dificultar a atenção individualizada.
  • Programas de ensino padronizados, com pouco espaço para adaptações às necessidades individuais.
  • Uso frequente de provas e testes para avaliar o desempenho.
  • Dependência de materiais didáticos físicos com o uso limitado (quando há) de tecnologias interativas.
  • Enfoque na disciplina e controle do comportamento, com regras claras e expectativas de conformidade (podemos utilizar o termo “formatação”).

Muito embora esse modelo secular aparente alguma funcionalidade, não promove engajamento e está, naturalmente, imune a qualquer tipo de personalização do ensino. Admitindo-se que “cada cabeça é um mundo”, não há como isso dar certo a médio e longo prazos.

Mastery Learning: Aprendizagem orientada para maestria e mentalidades de crescimento

Este tipo coloca o foco em aumentar a competência dos alunos. As metas são flexíveis e posicionadas um pouco além do alcance atual, incentivando a melhoria contínua. Em vez de buscar apenas o “bom o suficiente”, a pergunta passa a ser “como isso pode ser ainda melhor?”. Longe do perfeccionismo, essa abordagem promove características associadas a uma mentalidade de crescimento, como persistência, esforço e aceitação de desafios.

Educação tutorial (Aprendizado um a um)

Nesse formato, um tutor (ou professor) trabalha com um ou poucos alunos de forma personalizada e direta:

  • Como a atenção é individualizada, o tutor pode focar nas necessidades e habilidades específicas do aluno, adaptando o ensino ao seu ritmo e estilo de aprendizagem.
  • O feedback entre ambos (tutor – aluno) é constante e imediato, o que acelera o processo de aprendizagem e de correção de rotas.
  • Tudo (conteúdo e abordagens, por exemplo) podem ser ajustados conforme o progresso do aluno, permitindo uma approach personalizado.
  • A relação próxima entre tutor e aluno incentiva o envolvimento ativo e a participação do aluno em seu próprio (curioso botar isso aqui: “próprio”) processo de aprendizagem.
  • Esse tipo de abordagem aumenta a motivação e o interesse do aluno, pois ele se sente mais valorizado.

No passado, você já precisou (ou ouviu falar) em aulas de reforço, aulas particulares, método Kumon etc., não é verdade? O aprendizado, nesses casos, busca por uma formação personalizada de maior qualidade. Uma abordagem Um-a-um. É por aí.

O experimento coordenado por Bloom envolveu múltiplas amostras de estudantes em diferentes níveis de ensino (4º, 5º e 8º anos) e em diferentes disciplinas. Eles constataram que a tutoria individual resultava em um desempenho significativamente melhor, com os alunos alcançando, em média, dois desvios-padrão acima do desempenho dos alunos em aulas tradicionais. Explicando qualitativamente o gráfico e saltando o “matematiquês” das siglas estatísticas, a última curva do gráfico – aqueles “98%” que constam lá –, tenta nos dizer que os alunos que receberam tutoria individualizada tiveram um desempenho 98% superior (ou seja, quase todos esses alunos superaram seus colegas), quando comparados àqueles que estavam em um ambiente de sala de aula convencional. Bom demais da conta, “sô”?

“Ajeitar” o que temos não é uma boa

Um dos mantras da simplicidade propaga que tudo que está funcionando começou de um sistema simples e foi tornando-se complexo devido à dinâmica externa. Ao se tentar melhorar um sistema complexo e com muitas falhas, tenha certeza de que se investirá um grande esforço energético que, em último caso, poderá resultar em fracasso, pois além das inúmeras variáveis não controláveis envolvidas, o sistema montado com base no antigo herdará também suas mazelas.

Trocando em miúdos, não aconselho montar um novo sistema educacional partindo-se de um moribundo. E aí surge a questão: “Ok, GBB-San, e o que o menestrel do aprendizado bacana propõe?”, retrucaria o leitor. E eu responderia: proponho uma ação, simples e contundente, de única palavra: a ruptura!

Uma nova proposta

Naquela época, como hoje, o custo para se fazer a abordagem um-a-um, ou analógica, era proibitivo. Imagine o custo da implementação do método um professor por aluno. Impossível! Mas eis que surgem as GenAI’s, Inteligências Artificiais Generativas, e tudo ficou viável!

Fácil de dizer, mas não tão difícil de se implementar. Na ordem de dificuldade, criei a lista do que precisaremos para migrar do ensino convencional para o tutorial:

  • Mostrar o objetivo correto aos discípulos. Sua qualidade de vida será proporcional ao seu empenho em obter habilidades para vida.
  • Um método. Sugiro o TAS.
  • Uma forma de escalar tutores. As GenAI’s são essa ferramenta.
  • Um modo de aquisição de conhecimento. O melhor: autodidatismo.

De tudo isso, fortalecer ou cultivar objetivos nas pessoas é o mais difícil. Quando esse ponto for ultrapassado, é necessário que se estabeleça um método de aprendizagem e retenção do conhecimento. O TAS orientado por IA é minha aposta. Feito isso, serão necessários tutores personalizados, incansáveis e com excelente didática, capazes de identificar e complementar o que falta no discípulo, coisas que serão função daquilo que ele almeja. Com um objetivo claro (uma carreira, por exemplo) e ajudado apenas por um ente artificial, capaz de fornecer a capacitação correta, pode-se alcançar o ápice da educação: o autodidatismo.

Criar uma sociedade autodidata não é uma questão utópica, mas necessária para a próxima era, pois a tecnologia é o ente mais mutante e perecível que conheço. Além disso, desde tempos imemoriais, é sabido que, de soluções simples a grandes inovações, as mentes geniais responsáveis por entregar contribuições significativas à humanidade são sempre autodidatas.

Dos itens propostos, como escalar tutores customizados? Esse tópico, que faltava na década de 80 e que deixaria Bloom com lágrimas nos olhos é uma realidade, está funcional e ao alcance da nova geração de aprendizes de todas as idades. Falo de uma solução mundialmente premiada e genuinamente potiguar: a Edtech Aula Zero.

O tutor que te ensina a aprender sozinho

A Aula Zero, formada pelas cabeças ultrapensantes de Arnold, Auana, Daniel, Luiz, Marcílio, Tânia e Yolanda (tá em ordem alfabética, pessoal), oferece features como diagnóstico adaptativo, exercícios práticos, feedback contínuo e suporte a tutores humanos, que deverão atuar apenas como auxiliares em breve, pois a proposta da plataforma é a de que você aprenda a aprender sozinho. Tudo ajustado por IA, para que, ao final, você crie um tutor “com a sua cara”. Ele será um reflexo seu.

A plataforma já é expert na tutoria inteligente e automatizada de matemática, pois, segundo a filosofia da startup: “Embora nós ainda não sabemos quais serão as atividades que vão aparecer, uma coisa é certa: Os empregos do futuro serão construídos em cima de uma sólida base matemática.”

Como startup, já possui excelentes resultados no ensino da disciplina considerada a mais desafiadora pelos jovens. Mas, de acordo com seu CTO, Luiz França, é só uma questão de ordenar alguns bits para que a plataforma se adéque a qualquer assunto, independentemente das habilidades do interessado. Ou seja: Bloom recomendaria a Aula Zero.

Finalizando…

Para a transição de um sistema inerte para o próximo, propus a ruptura, mas acredito que não deva ser assim, pois surgiriam reações de todos os lados. E já que temos a Aula Zero à disposição, que tal começarmos mantendo o ensino convencional num turno e o tutoreado por uma IA top, já validada, no outro, e ver o que acontece? Está tudo aí, acessível, à distância de um teclado ou touch screem. Não há o que se perder, pois está provado que a educação tutoreada funciona e, junto com a IA, são a ponte que faltava para atravessarmos o abismo que separa o ensino antigo, de baixa eficiência, e o próximo, de independência e rápida adequação a um mundo altamente dinâmico.

Com as ferramentas que já temos, tornar-se autodidata é uma questão de postura. E ainda vaticino: terão um futuro com independência apenas aqueles que se sagrarem autodidatas. As máquinas que aprendem estão vindo com força e, quem sabe, algum dia elas poderão não querer mais nos ensinar.

Leia outros textos da coluna Disruptiva

Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)

Gláucio Brandão

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital