Atualizando o método científico da universidade Disruptiva

quinta-feira, 27 fevereiro 2025
Thomas Kuhn introduziu o conceito de paradigmas científicos.

Em um futuro próximo, fará sentido separar ciência e geração de receita? ou será que os papéis de cientista e executivo poderão ser separados?

(Gláucio Brandão)

O título é um daqueles que parecem soar o impossível, um oximoro; coisa como água seca, roda presa, silêncio ensurdecedor, gelo quente, caos organizado, escuro brilhante, doce amargura, luz sombria e, vejam só, realidade virtual. No caso da universidade, ela está perdendo o tato científico? Poesias à parte, o título desta AC deriva de um insight gerado durante a leitura do resumo do livro Fracasso, Porque a ciência é tão bem-sucedida, do autor Stuart Firestein, indicação do amigo Euriam Barros. 

Pois bem: se nosso conhecimento é infinitamente menor do que aquilo que sabemos, por que é que só ensinamos, cobramos e vangloriamos apenas os acertos, o que se estende às práticas experimentais? Parece um procedimento contrário ao científico, principalmente quando se olha para trás e constata-se que cada descoberta alcançada foi precedida por uma miríade de fracassos. Ou, como diria o inventor Thomas Edison: “Ciência é 1% inspiração e 99% transpiração”.

A aula condensada (AC) de hoje põe uma lupa por sobre o método científico hodierno, tomando conselhos de cientistas proeminentes, com o intuito de ajudar nosso maior baluarte científico, a Alma Mater que nos trouxe até aqui, na difícil missão de se manter atualizada na era da informação. Vejam se faz sentido ou é apenas uma percepção desse ex-cientista.

Francis Bacon

Vários cientistas contribuíram para formulação do script método científico (MC). Pegando o conceito mais antigo, atribuído ao Sir Francis Bacon (1561-1626), o MC é um processo rigoroso que utiliza observação, experimentação e análise de dados para formular e testar hipóteses, adquirindo ou aprimorando conhecimentos. E se tudo der certinho, a gente integra o que achou ao corpo de conhecimentos existente.

Galileo Galilei

Esse italiano (1564-1642) foi um dos cientistas mais fervorosos na defesa da experimentação, amplamente reconhecido como um pioneiro da ciência experimental moderna. Galileo usou métodos experimentais para testar suas hipóteses e desafiou crenças estabelecidas através de observações e experimentos meticulosos.

Karl Popper

Karl Popper (1902-1994) foi um filósofo austríaco britânico conhecido por suas contribuições significativas à filosofia da ciência e à teoria do conhecimento. É famoso por defender o racionalismo crítico como um critério fundamental para a ciência. Entre vários outros aspectos, para mim, o maior feito de Popper está em sua defesa à falseabilidade. Segundo ele, “Uma teoria científica deve ser testável e passível de refutação, ou seja, deve ser possível conceber um experimento capaz de demonstrar sua falsidade”. Essa perspectiva difere da visão indutivista da universidade, que busca validar teorias por meio da observação repetida.

Thomas Kuhn 

Thomas Kuhn (1922-1996) foi um influente filósofo da ciência, conhecido por seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Ele introduziu o conceito de paradigmas científicos e argumentou que a ciência progride através de mudanças de paradigma, em vez de acumulações lineares de conhecimento. Durante períodos de “ciência normal”, os cientistas trabalham dentro de um paradigma aceito, mas quando surgem anomalias inexplicáveis, ocorre uma crise que pode levar a uma revolução científica e à adoção de um novo paradigma. Kuhn também destacou a importância dos fatores psicológicos, sociológicos e históricos no desenvolvimento da ciência, desafiando a visão de que a ciência é puramente racional e objetiva.

Ajustes ao método universitário

Agora que temos ombros nos quais subir, vejamos sugestões para refinamento do comportamento da universidade em relação à aplicação do MC, o método científico.

Comunicação e erros. Em minha modesta visão, a divulgação do processo de obtenção das soluções e a quantidade de tentativas e erros envolvidas, nunca são trabalhadas, mesmo tudo isso compondo a maior parte do MC. Se fossem, aproximariam os grandes cientistas de nós, meros mortais, e da própria ciência. O novo MC tem que incorporar isso.

Dogmas. No MC não cabem crenças ou ideologias, para que não se sobreponham à ciência pura. Os dogmas impulsionaram a ciência moderna, quando, até então, o ato de questionar alguma autoridade apontava para fogueira. Tempos obscuros que, felizmente, deixamos para trás. Pra que isso não volte, faz-se necessário que tentemos eliminar – talvez por um processo de reflexão profunda – os vieses que tentam nos enganar; diferenciar o que realmente é do que parece ser.

Experimentação. O experimento supera a teoria. Neste aspecto, a universidade reduziu seus investimentos laboratoriais, talvez devido ao contexto financeiro. As empresas privadas, que aparentemente possuem maior acesso ao capital, têm executado belos e feios experimentos, contemplando o MC, ultrapassando assim a universidade. É necessário reforçar a política de recursos para a academia, com o risco de torná-la obsoleta, acarretando uma perda para todos, inclusive para próprias empresas, pois é de lá que saem as melhores mentes.

Paradigma. Onde estão as anomalias inexplicáveis oriundas do pensamento universitário, capazes de promover uma crise em nossa atual ciência, a ponto de experimentarmos novos paradigmas? Ratifico peremptoriamente que a IA ainda não foi capaz disso. É, ainda, uma tecnologia muito rápida, baseada em zilhões de dados e no if-then-else, conceito fundamental da programação, usado em tomadas de decisão com base em condições específicas, ditadas por humanos. Portanto, nem inteligente, nem artificial. Precisamos chacoalhar nossos pesquisadores, nossos alunos, mexer nas fórmulas-padrão, para tornar a academia “mais divertida” e voltar ao posto de arauto da humanidade.

A próxima ruptura

Considero que a universidade tem enfrentado uma estagnação prolongada, seja por ainda não ter pego o bonde da inovação, seja pela realidade financeira, ou por não perceber a necessidade de estabelecer uma relação harmônica tanto com a sociedade quanto com o mercado.

Sem ciência, o mercado não se sustenta; sem um modelo de negócios, a ciência não atinge todo potencial. As empresas, cada vez mais, estão se tornando independentes das universidades. Temos que correr para não sermos ultrapassados. Acredito que o próximo paradigma a ser rompido terá um sabor ético: em um futuro próximo, fará sentido separar ciência e geração de receita? Da mesma forma, será que os papéis de cientista e executivo poderão ser separados? 

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Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do livro Triztorming

A coluna Disruptiva é atualizada às quintas-feiras

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