Desafios da Inteligência Artificial
(Luan Santana)
O que trago a seguir não são conclusões, mas questionamentos e inquietações frutos de um processo longo de pesquisa e observação sobre o uso de novas tecnologias no jornalismo. Do começo, a invasão: a chegada da família real portuguesa ao Brasil Colônia de 1808 demarcou a circulação oficial de jornais no território e, por isso, a história do jornalismo brasileiro tem nessa data um ponto de partida (Morel, 2012). A circulação da Gazeta do Rio de Janeiro e do Correio Braziliense, considerados os primeiros jornais brasileiros, é, portanto, aquilo que podemos considerar como a primeira onda colonial no jornalismo brasileiro, cumprindo um papel político de manutenção do poder, do sistema escravocrata e da colonização.
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Longe de propor aqui um aprofundamento sobre o conceito de onda, queremos apenas delimitar os motivos que nos levaram à adoção desta palavra. E isso não está necessariamente relacionado à sua aplicação no “senso comum”. Partimos do conceito físico, onde a onda “é uma oscilação que é função tanto do espaço como do tempo. Uma onda é algo que tem uma extensão no espaço” (Hewitt, 2002, p 330). Ou seja, uma onda é resultado de algo que se movimenta e, desse movimento, gera movimentos de repercussão semelhantes. Uma primeira ação, que condiciona outras ações.
O fim da colonização brasileira chegou 14 anos após o “nascimento” da imprensa. O grito de independência às margens do Ipiranga, todavia, não representou a emancipação real dos povos. O sistema escravocrata se manteve por mais 65 anos, as desigualdades de gênero se aprofundaram e o fosso social foi se ampliando de tal forma que as saídas foram se tornando cada vez mais escassas. A esse processo, que se apoiou na raça, gênero e classe como demarcadores de poder e status, Quijano (2000) chamou de colonialidade do poder.
A colonialidade, para o sociólogo peruano, são as marcas da colonização que se mantêm mesmo com o fim do domínio colonial e hoje se manifestam de diferentes formatos: racismo, machismo, LGBTQIA+fobia, misoginia, xenofobia, patriarcalismo, etc. Nessa perspectiva, todos os processos que demarcam o mundo moderno tiveram na colonialidade uma base central, embora acobertada por diferentes aspectos, como defende Mignolo (2017) ao falar da face obscura da modernidade. Dessa forma, o nascimento do jornalismo moderno no Brasil é, também, reflexo da colonialidade e seus estereótipos, como aponta Góes (2017). Seria essa a segunda onda colonial a qual nos referimos.
Portanto, os primeiros passos do jornalismo brasileiro são dados por pés e mãos portugueses. E sua repercussão é observada durante todo o império, quando a imprensa estava quase que em sua totalidade a serviço do reino de Portugal, salvo as importantes experiências de veículos independente, pró-independência e pró-abolicionistas, que ecoam outras vozes. A segunda onda colonial vem em um Brasil já emancipado, mas ainda fortemente ligado econômica e epistemologicamente aos países do norte.
Para Jacome (2017) a noção de jornalismo que emerge no Brasil nas primeiras décadas do século XX está diretamente atrelada à perspectiva teórica e prática norte-americana. Nesse período, inicia-se uma ampla demanda pela profissionalização do jornalismo e dos jornalistas, antes tido apenas como um lugar de vocacionados. “Um dos índices desse apelo pela profissionalização foi o surgimento das escolas de jornalismo, interessadas em promover o treinamento sistemático a partir do ensino de técnicas específicas” (Jácome, 2017. p.97). Assim, fortemente influenciado pelo modelo norte-americano, as primeiras escolas de comunicação no Brasil buscam uniformizar uma primeira concepção de jornalismo.
Agora, estamos prestes a embarcar em uma terceira onda? Desde da década de 1950, pesquisadores norte-americanos investem no desenvolvimento de pesquisas sobre inteligência artificial. Entretanto, foi apenas nos últimos cinco anos que essas tecnologias começaram a ganhar um novo desenho e que promete revolucionar diversos segmentos da sociedade. A Startup OpenIA, que pertence à Elon Musk e Sam Altman, vem recebendo investimentos bilionários para o desenvolvimento das pesquisas.
Em 2020, apresentou ao mundo o Chat GPT-3, que é um modelo de linguagem avançada capaz de produzir textos, elaborar projetos e responder às mais diferentes perguntas com base em um super banco de dados. Nesse mesmo ano, o G1 utilizou um sistema de automação para produção de notícias sobre o resultado das eleições municipais nos 5.568 municípios no Brasil, com base no banco de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Não à toa, o relatório de tendências tecnológicas e previsões para 2023 do Instituto Reuters aponta que a Inteligência Artificial traz oportunidades – e desafios – mais imediatos para o jornalismo (Newman, 2023). O uso dessas tecnologias, que utilizam base de dados internacionais para produções de conteúdos locais (ChatGPT) ou automatizam as produções jornalísticas (G1) surgem como uma terceira onda colonial, que não apenas se usa do extrativismo e mineração de dados pessoais e bases estrangeiras, como reforçam o paradigma do jornalismo moderno e da objetividade jornalística, portanto, da colonialidade.
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A coluna Diversidades tem a curadoria do grupo de pesquisa DESCOM – Insurgências Decoloniais, Comunicação, Artes e Humanidades, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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Luan Santana é jornalista e educomunicador popular pela Plataforma Ocorre Diário. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí e doutorando em comunicação pela Universidade Federal do Ceará.
Luan Santana
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