As mudanças por trás da lei dos agrotóxicos Coluna do Jucá

quinta-feira, 17 maio 2018
Ideologia e preconceito? É isso mesmo? (Google Imagens)

De boas intenções o inferno está cheio: Projeto de Lei 6299/02

Só há uma coisa a dizer para aqueles que pensam que as questões científicas estão restritas à Academia e que as questões políticas, por sua vez, estão restritas aos partidos e às suas lideranças: ledo engano.

A bancada ruralista – tão famosa,  numerosa e influente frente parlamentar do Congresso Nacional – caminha a passos largos com vistas a lograr sucesso no seu mais novo intento: a flexibilização do registro de agrotóxicos (Projeto de Lei 6299/02) no país e, consequentemente, “a revogação” da atual Lei de Agrotóxicos (Lei 7.802/1989). Segundo seus apoiadores, é imperioso a necessidade de simplificar, desburocratizar e, portanto, modernizar a lei em vigor, haja vista que, caso seja aprovada, a nova lei irá aumentar a produtividade e a competitividade econômica do agronegócio no país. Para tanto, os seus defensores mobilizaram-se na campanha “Eu apoio a Lei do Alimento mais Seguro”, cujo objetivo é convencer os outros parlamentares e a sociedade a apoiá-los. Alegam ainda que, aqueles que se opõem ao referido projeto, o fazem, pura e simplesmente, por questões ideológicas, de preconceito e de desconhecimento.

Representantes da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) na Câmara dos Deputados em defesa da “Lei do Alimento Seguro”. Google Imagens.

Do outro lado desse embate estão aqueles que consideram um verdadeiro retrocesso tal projeto. Como é o caso da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS) – todos ligados ao Ministério da Saúde. Integram também essa lista o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) – órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Além destes órgãos há ainda uma nota técnica do Subprocurador-Geral da República e Coordenador da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, Nívio de Freitas Silva Filho, endereçada ao congresso e advertindo a respeito das inconstitucionalidades do referido projeto.

Aqueles que condenam este projeto, chamado de “Pacote do Veneno”, alegam que: 1) o termo agrotóxico será substituído pelas expressões defensivo fitossanitário e produtos de controle ambiental, os quais servem apenas para abrandar e não alertar a população a respeito dos seus riscos; e 2) a responsabilidade pela concessão dos registros de novos agrotóxicos – outrora decidida em conjunto pelo Ibama, Ministério da Saúde e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) – será de exclusividade do MAPA, o qual estará mais sujeito ao lobby dos agentes econômicos e do agronegócio. Caberá, portanto, ao Ibama e ao Ministério da Saúde a função apenas de homologar pareceres técnicos, restringindo assim sua expertise no assunto a uma função consultiva. Há outros dois pontos considerados chaves, segundo Pedro Luis Cortês, professor do programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (Procam) da USP. O primeiro deles é que os produtos que forem declarados como equivalentes a outros já autorizados poderão obter registro, sendo deste modo comercializados sem análise prévia. Tal medida minaria o princípio da precaução e ainda facilitaria a liberação de produtos cancerígenos e mutagênicos, por exemplo. O segundo ponto seria a liberação no Brasil do uso de agrotóxicos que tenham sido autorizados em três outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ainda de acordo com o professor, o Brasil, é um dos maiores expoentes do agronegócio – campeão mundial em uso de agrotóxicos – “deveria se impor e ditar regras mais rígidas, e não terceirizar seu licenciamento”.

O respeito à vida passa pelo Congresso Nacional

A Nota Pública contra a flexibilização da legislação de agrotóxicos da Fiocruz, instituição das mais respeitadas e prestigiadas no cenário nacional e internacional – que diante do dano iminente da aprovação de tal medida não se apequenou e nem sucumbiu diante das pressões – é clara, como pode ser lida no trecho: A expansão das commodities agrícolas impulsionou o mercado de agrotóxicos no Brasil, que hoje configura-se como um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. O uso desses biocidas representa um grave problema de saúde pública devido tanto à toxicidade dos produtos quanto às enormes vulnerabilidades socioambientais e político-institucionais que o país enfrenta. As recentes mudanças na conjuntura política no país impuseram uma série de medidas na seguridade social, observadas principalmente a partir das perdas de direitos presentes na reforma trabalhista realizada sem um amplo debate junto à sociedade brasileira e também pela ameaça de uma reforma previdenciária, realizadas para atender aos interesses do grande capital. É neste bojo que se coloca a retomada da pauta das mudanças no marco legal de registro de agrotóxicos no país, cujas alterações propostas foram agrupadas em um conjunto de projetos de lei denominado “Pacote do Veneno”, capitaneado pelo agronegócio e que busca flexibilizar o registro de agrotóxicos ao alterar em profundidade a lei 7.802/1989, negligenciado a promoção da saúde e proteção da vida (….) Nesse contexto, a Fiocruz se coloca contrária ao Projeto de Lei 6.299/2002, (…) e que, se aprovado, irá fragilizar o registro e reavaliação de agrotóxicos no país, que hoje tem uma das leis mais avançadas no mundo no que se refere à proteção do ambiente e da saúde humana (…)

Reunião com a Frente Parlamentar da Agropecuária – FPA, conhecida por “Bancada Ruralista” em 2017. (Marcos Corrêa/PR)

Ou seja, o que acontece no Congresso Nacional afeta diretamente a vida das pessoas, o que inclui a comunidade científica. Muito mais do que alguns possam imaginar. Os efeitos estão longe de se restringirem apenas ao período eleitoral. A aprovação do referido projeto mostrará que para nós, não basta ser impopular, ser rejeitado pelos mais diversos órgãos e até ser considerado inconstitucional, o 7 x 1 tornar-se-á uma dura rotina.

Referências

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Thiago Jucá

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