Na coluna Ciência Nordestina, Helinando Oliveira alerta para uma necessária mudança de postura dos pesquisadores para aproximar a ciência do povo
Carlos Chagas Filho cravou a eloquente expressão “Aqui se ensina porque aqui se faz ciência” como reflexo de um claro posicionamento político pela ciência brasileira. E postura é tudo o que se faz necessário na pior crise da frágil história da ciência e tecnologia em nosso país. O que vivemos nestes dias recentes supera todos os contingenciamentos de FHC ou o fechamento arbitrário da CAPES por Fernando Collor. Vivenciamos em 2016 a extinção/ fusão de nosso principal ministério e o rebaixamento das principais agências de fomento no país. Tivemos uma PEC impondo uma restrição orçamentária que põe em risco o pagamento de bolsas de estudo e desertifica todo o investimento em editais de pesquisa.
Com isso, menos estudantes desenvolverão atividades de pesquisa e os laboratórios provarão mais uma vez do amargo sabor do sucateamento. E é do conhecimento de todos que a descontinuidade no investimento para ciência e tecnologia é acompanhado de um retrocesso muito maior do que se possa imaginar. A retomada na formação de mestres e doutores não acontece na mesma proporção do retorno de investimentos, pois o processo de produção é contínuo e carece de planos sólidos de fomento. Neste momento de crise é fundamental que a comunidade acadêmica esteja unida na busca por soluções de curto, médio e longo prazo. Parece claro que a educação científica da sociedade e classe política é um fator complicador neste processo, cuja solução passa por ações claras de divulgação científica.
Fica evidente que urge a aproximação da ciência com o povo (seu financiador) e para tanto é necessária a mudança da postura dos nossos pesquisadores. Com a academia, é naturalmente estabelecida uma zona de conforto que mantem cientista e povo progressivamente distantes um do outro. O alto nível de especialização das áreas de conhecimento conduz os pesquisadores a um nível cada vez maior de isolamento do povo, à medida em que o diálogo se torna inviabilizado.
A maior prova deste distanciamento foram imagens das últimas marchas pela ciência no Brasil. Para sair às ruas não há necessidade de jaleco e nem tão pouco óculos de proteção. Somos capazes de expressar o que fazemos para qualquer pessoa! Não precisamos de cartazes com hashtags em inglês – nossa língua é o português!!! Não há necessidade de reforçarmos estereótipos: a tradicional foto de Einstein com a língua de fora já fez este papel.
Uma adequação da memorável frase de Carlos Chagas Filho parece indicar o caminho: “Aqui se faz ciência porque aqui se faz extensão”.
– Quantos de nós, pesquisadores, estão envolvidos em projetos de extensão?
– Como divulgamos o nosso trabalho, além da tradicional revista com fator de impacto?
– Qual a estratégia que temos usado para alimentar a expectativa por novos cientistas além de orientar estudantes de graduação e pós-graduação?
– Quantas crianças já entraram em nossos laboratórios?
– Quantas aulas nós, pesquisadores, já ministramos em Escolas Públicas?
É fato consolidado que uma grande desgraça caiu sobre a Universidade Brasileira, assim como sobre nossa ciência e tecnologia. Todavia é nossa missão continuar alimentando o sonho da ciência nas crianças e jovens, como se estivéssemos de fato plantando tâmaras, na certeza de que “quem planta tâmaras, não colhe tâmaras”. Reforcemos então o tripé ensino-pesquisa-extensão, tal qual fazem os moradores de zonas atingidas por furacões, ao proteger suas janelas com tapumes. O furacão primo da Irma há de passar. Não há tempestade que dure para sempre pois o futuro é alimentado por esperança. A ciência há de vencer.
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Helinando Oliveira