Aprenda a passar vergonhas empreendedoras Disruptiva

quarta-feira, 22 setembro 2021

Errar, nesse caso, será apenas um modo de dizer que o caminho escolhido não foi bom e deve ser evitado

Da Web, peguei essa definição: “Sentimento de insegurança causado por medo do ridículo e do julgamento dos outros; timidez, acanhamento, recato, decoro.”. Ex.: vergonha de errar.

Reid Hoffman, fundador do LinkedIn e membro da Paypal Mafia, saiu com esta: “Se você não tem vergonha da primeira versão do seu produto, você demorou demais para lançar!”.

De um dos maiores empreendedores acadêmicos, Professor Steve Blank, li isto: “Nenhum plano de negócios sobrevive ao primeiro contato com o cliente.”.

Com “Falhe logo para que possa ter sucesso mais cedo”, Tom Kelley, CEO da IDEO e um dos guardiões do Design Thinking, achou uma boa desculpa pra chamar seus erros de atalhos para os acertos.

Lendo essa galera toda, posso usá-los como referência para dizer que errar é um ato relativo, pois depende de comparação com algo estabelecido como certo, alguma lei ou da avaliação de pares, que não flexibilizam determinados padrões. Então posso dizer que “Um pioneiro não erra, apenas cria pontos de comparação!”. Massa, pois agora vou tabular as besteiras que fiz como “experimentos de aprimoramento”, né não? Já passei muito vexame profissional na vida. Deverei, espero, ainda passar por muitos apertos, como deixei registrado em Colocando uma jaca na cabeça, onde narrei 1% das minhas “vergonhas” em 20 anos de carreira docente. Nunca me arrependi, pois posso olhar pra trás e traçar novos caminhos; cometer erros diferentes.

Nossa conversa de hoje vai nessa linha, numa das características empreendedoras menos exaltadas exatamente por aparentar uma menor nobreza: a vergonha! Mas pra ficar um pouco menos pessoal, menos idiossincrático, vamos chamá-la de vergonha empreendedora. Doi menos, né não?

E se acertássemos sempre?

Apesar de as equações que descrevem as coisas (modelos) serem buscadas a todo custo, nem o mundo e nem o futuro são determinísticos. A equação de Torricelli para lançamentos oblíquos, por exemplo, é capaz de prever o futuro de uma bola chutada por um artilheiro. Se fôssemos robôs e tivéssemos esse algoritmo implantado na CPU, nunca erraríamos um chute. Em compensação, não criaríamos, por exemplo, o chute de trivela, aquele com efeito capaz de enganar o goleiro. E qual a vantagem disto, GBB San? Simples: não erraríamos o chute, mas não falei que faríamos o gol. Como assim? Se um chute fosse determinístico, quem o fez fará sempre do mesmo modo, o que tornaria o movimento previsível. Em outras palavras, o chute seria mapeável. Assim que o robô GBB San pegasse a bola e se preparasse para chutar, alguma câmera leria o movimento do pezão biônico e saberia exatamente onde a bola iria parar, auxiliando o goleiro ao apontar o possível alvo com erro inferior a 1%. Resultado: chutes previsíveis, defesas previsíveis, partida previsível, jogo sem graça. Adeus estado da arte; bye, bye graça na vida. Como resposta à previsibilidade do chute certeiro a la Torricelli, criou-se a trivela, que leva à entropia, que gera o caos, que, por sua vez, bagunça a equação de Torricelli. Ou, pelo menos, deixa o chute menos previsível. É como comparar uma viagem de carro a uma viagem de trem: em qual delas pode-se prever o caminho? Qual é a mais segura? Qual a mais divertida? E se eu quiser mudar o caminho?

Para o exemplo do futebol, a diversão está diretamente relacionada à probabilidade de erros que os jogadores, treinadores, árbitros e torcida podem cometer. Amigos zombam de amigos. Jogadores são substituídos. Geram-se expectativas quando há uma melhor de três. Criam-se apostas. Imaginem essa situação: em um início de jogo, um pontapé certeiro (Torricéllico) fizesse a bola viajar em direção a um dos ângulos da trave num tempo menor do que poderia o goleiro se deslocar? Quem batesse o centro sempre faria gol. Adeus espaço pra trivela, pra arte. Adiós a la innovación!

O Medo de errar…

… Não existe! Depois de muito tempo nesse mundo empreendedor, aprendi que, bem lá no fundo, não temos medo de errar, mas da vergonha que vamos passar. Ou seja: errar é absoluto. A vergonha é relativa, depende dos pares. Querem ver uma coisa: na sua vida pregressa, quem tinha medo de errar no desenvolvimento de uma equação do 2º grau em casa, tendo apenas o lápis e o caderno por testemunhas, por exemplo? Ninguém! Pois bem: no período pré-pandêmico, em uma das aulas de metodologia, pedi a um universitário para vir ao quadro e resolver uma equação simples do 2º grau, aula em que, exatamente, modelos de negócio e chutes a gol. Numa turma de quase 100 alunos, depois de muito implorar, decidi resolvê-la. Pergunto-vos: é possível que alguém do grupo centenário não saberia resolver essa equação simples? Duvido! Acredito, inclusive, que a maioria resolveu de cabeça ou em seu caderninho, o que confirmei ao perguntar se havia acertado e escutar um uníssono “tá certo, professor!”. Entretanto, a vergonha em se expor (a não sei o quê?) foi maior do que a possibilidade de errar… e aprender!

Vergonhas empreendedoras

Se alguém tivesse aceitado o convite para juntar-se a mim à frente da lousa, ouviria gritos de incentivo, de desincentivo, formas diferentes de resolver a equação, atalhos, ganharia cantadas, assobios, vaias, outros ameaçariam se juntar para mostrar que já tinham visto assim, ficaria conhecido(a) na turma etc., e eu, com certeza, aprenderia outra forma de resolver a equação, pois devem existir inúmeras. A vergonha que o corajoso, ou corajosa, estudante estivesse sujeita a absorver, (1) geraria espaço para novos aprendizados, criação de novidades, incentivo à inovação e (2) a nova experiência faria com que aprendesse a gerenciar melhor sua vergonha, imprescindível na tomada de decisão e assunção de riscos. É melhor começar com coisas simples, como uma chamada do professor ao quadro, do que matar um projeto ou quebrar um negócio. A quantidade de neurônios utilizada nessas situações é a mesma.

Finalizando…

Agora que vocês passaram vergonha comigo, podemos dizer que coragem, no caso em pauta, não é querer eliminar a vergonha, mas aprender a administrá-la e ter sempre em mente um bom propósito, claro. Errar, nesse caso, será apenas um modo de dizer que o caminho escolhido não foi bom e deve ser evitado. E por que isto é importante? Quem tem medo de errar nunca será líder. Claro que isso tem um limite, quando se beira o comportamento relapso, o de sem-vergonha. Nesse ponto, perde-se o brilho e a vida profissional acaba. Você saberá o quanto acertou quando rir ao lembrar dos erros que cometeu. Aprenda a gerir suas vergonhas empreendedoras e crie pontos de referência. Essa é a fórmula para o pioneirismo, pois empreender e escrever sem CTRL-Z.

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Gerando bons problemas

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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