Thiago Jucá relembra o livro da americana Rachel Carson considerado o precursor do movimento ambiental moderno
“Pela primeira vez na história do mundo, agora todo ser humano está sujeito ao contato com substâncias químicas perigosas, desde o instante em que é concebido até a sua morte”. Esse é um trecho do livro Primavera Silenciosa (“Silent Spring”), da escritora americana Rachel Carson, que foi publicado em 1962. Esse livro é considerado o precursor do movimento ambiental moderno e, até hoje, um dos mais influentes dos EUA. O Silent Spring Institute (Instituto Primavera Silenciosa), fundado em 1994, traz consigo esse nome em homenagem à escritora Rachel Carson, além de fazer referência ao livro que, mesmo após 55 anos de publicação ainda é considerado um grande best-seller. Esse instituto tem direcionado suas pesquisas para a influência das substâncias químicas sobre o meio ambiente e a saúde, em especial, o câncer de mama. Vale lembrar que Carson morreu desse tipo câncer, dois anos após a publicação de sua famosa obra.
Agora em outubro, pesquisadores desse instituto publicaram um artigo de revisão na revista Environmental Research, sobre a exposição ambiental a produtos químicos e sua relação com o câncer de mama. Essa revisão acerca dos estudos epidemiológicos do câncer de mama ocorre dez anos após a publicação de outro estudo na prestigiada revista Cancer, em 2007. Segundo as autoras, a exposição às substâncias químicas, como DDT, dioxinas e solventes orgânicos, além da poluição do ar, nas fases iniciais da vida – seja no útero, na puberdade ou gravidez – aumentam, posteriormente, o risco do surgimento de câncer. Ainda de acordo com as autoras, os maiores desafios do estudo residem nas dificuldades em: 1) reconstruir as exposições que ocorreram décadas antes do diagnóstico; 2) analisar amostras biológicas armazenadas há muito tempo; 3) mensurar os níveis de substâncias químicas que são rapidamente metabolizadas, assim como avaliar os efeitos da exposição das misturas de diversas dessas substâncias.
Agora em outubro, foi publicado um estudo na Science, a respeito da presença de uma classe de inseticida (neonicotinóides) em mel (acho que por essa poucos esperavam!). Esse estudo teve como intuito entender o crescente declínio global de polinizadores, o que está causando enorme preocupação em relação à biodiversidade e, consequentemente, à conservação e manutenção dos mais diversos ecossistemas. Existe uma preocupação a respeito do impacto desses inseticidas não apenas em organismos não alvos – especialmente polinizadores como as abelhas – mas em outros invertebrados terrestres e aquáticos bem como em vertebrados, o que inclui os seres humanos. Segundo os autores, 75% de todas as amostras de mel continham quantidades quantificáveis de pelo menos um tipo de neonicotinóide. Essa proporção variou significativamente entre as regiões, sendo maior na América do Norte (86%) e menor América do Sul (57%). Já na Ásia e Europa esse teor foi de 80% e 79%, respectivamente. Os resultados desse estudo, portanto, confirmam a exposição das abelhas aos neonicotinóides ao redor do mundo. Sugerem ainda que, a coexistência dos neonicotinóides juntamente com outros pesticidas podem potencializar os danos causados aos polinizadores. Entretanto, os autores afirmam que embora 75% das amostras tenham sido testadas positivamente para pelo menos um tipo de neonicotinóide, as concentrações foram, em todos os casos, abaixo dos limites admissíveis para o consumo humano de acordo com as regulamentações vigentes da UE e dos EUA. Portanto, considerando os baixos limites detectados e tomando como base o conhecimento atual, o consumo de mel, mesmo com a presença dessas substâncias não é prejudicial à saúde humana. Contudo, esse estudo faz-me lembrar de outro trecho do livro de Carson, onde ela cita “a consciência da natureza da ameaça ainda é muito limitada”…
“Sem dúvida, um dos aspectos mais alarmantes da poluição química da água é o fato de – em rios, lagos ou reservatórios, ou até mesmo nos copos de água servidos à sua mesa de jantar – estarem misturadas substâncias químicas que nenhum químico responsável pensaria em combinar em seu laboratório”, diz Carson. Já esse trecho do livro lembra um problema cada vez mais comum, a contaminação das águas. “O arsênico na água potável ameaça até 60 milhões no Paquistão” é o título de uma notícia de agosto publicada no site da revista Science. Segundo estudos preliminares as águas subterrâneas em algumas áreas do Paquistão também continham altos níveis de arsênico, embora a extensão desses riscos ainda seja desconhecida. O texto lembra ainda que, o maior envenenamento em massa da história ocorreu depois que poços foram perfurados em Bangladesh e no resto do subcontinente indiano na década de 1970, onde milhões de pessoas foram expostas ao arsênico na água potável. E, continua com um alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS) que advertiu que de 35 milhões a 77 milhões de pessoas em Bangladesh poderiam estar sob o risco de beber água com níveis inseguros de arsênico. Em 2014, essa mesma OMS já havia estimado que cerca de 200 milhões de pessoas em todo o mundo estariam expostas a concentrações que ultrapassam o limite recomendado de 10 microgramas por litro de água e que, a maioria vive em países como Bangladesh, Índia, Vietnã e Nepal.
Vejamos o caso dos microplásticos (fibras de plástico invisíveis), que parecem ser a bola da vez. Uma pesquisa da Orb Media de 2017, uma agência de notícias digital e sem fins lucrativos, sediada em Washington, com mais de 150 amostras de água de torneira localizadas nos cinco continentes mostrou que 83% continham plástico. Ou seja, o problema da contaminação – antes supostamente restrito aos oceanos – está na água potável usada por milhões de pessoas, o que provavelmente, deve se estender aos produtos alimentícios. Dessa forma, resta-nos confiar noutro trecho do livro de Carson que diz: “a tarefa não é, de forma alguma, sem esperanças”.
Já um estudo de 2016, publicado também na prestigiada revista Environmental Science & Technology Letters, os autores analisaram dados federais recentes de água potável. Através desse trabalho, descobriram que o abastecimento público de água para mais de seis milhões de americanos continha produtos químicos altamente fluorados em níveis acima de novas diretrizes estabelecidas pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA). Este é o primeiro estudo a examinar um conjunto de dados nacionais de produtos químicos altamente fluorados na água potável e a utilizar análises espaciais para investigar as fontes de contaminação.
Nas últimas décadas, caminhamos lentamente em direção a uma “química verde”, o que até tem ajudado a indústria a se tornar mais limpa, embora ainda longe da revolução necessária. Até porque, além das mentalidades mudarem muito lentamente, a verdade é que ainda não estamos preparados para tal, embora essa necessidade seja urgente. Enquanto a revolução não chega, ouçamos os conselhos de Rachel Carson: “para aqueles para quem o câncer já é uma presença oculta ou visível, os esforços para encontrar curas devem, é claro, continuar. Mas para aqueles que ainda não foram atingidos pela doença e, com certeza, para as gerações ainda não nascidas, a prevenção é uma necessidade imperativa”.
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Thiago Jucá