Alimentar o inimigo com uma antivitamina é a estratégia usada por bactérias que buscam matar suas concorrentes
Antivitaminas (ou substâncias antagonistas) são compostos que diferem minimamente de sua vitamina correspondente e tem o papel de enganar os organismos, inibindo a função biológica da componente genuína. Como exemplo de antivitaminas temos a roseoflavina (antivitamina da vitamina B2), gingkotoxina (a antivitamina da vitamina B6) e a 2´-metoxi-tiamina (antivitamina da vitamina B1). Alimentar o inimigo com uma antivitamina é oferecer veneno disfarçado de alimento – e esta é a estratégia usada por bactérias que buscam matar suas concorrentes.
O fato é que a humanidade vem perdendo feio para as bactérias – várias delas já não respondem aos nossos antibióticos, transformando-se em superbactérias. Este processo é extremamente adaptativo. Enquanto buscamos combinações de antibióticos para vencê-las, elas capturam os genes das outras, constroem paredes celulares mais resistentes, usam as bombas de efluxo para devolver os antibióticos que lançamos contra elas… Uma luta desigual. Elas tem milhares de anos de vantagem diante de nós.
No entanto, a raça humana ainda não desistiu. Em um trabalho recente publicado no periódico Nature Chemical Biology, os pesquisadores descobriram uma estratégia muito inteligente baseada em antivitaminas.
Para tanto, eles fizeram uso da 2-metoxi-tiamina e propuseram a substituição do grupo CH3 por um grupo O-CH3 e verificaram que esta substituição desconecta as reações metabólicas que ocorreriam quando da absorção da bactéria por vitaminas B1. E o mais importante é que os pesquisadores observaram, por simulação computacional, que nossas proteínas não se ligariam a esta antivitamina. Ou seja, não seriam toxicas para nós.
Com isso, estaríamos oferecendo uma pseudo vitamina B1 para as bactérias, que receberiam um verdadeiro cavalo de troia como presente. A pequena mudança de um grupo funcional seria o suficiente para converter o alimento em veneno – como os autores do artigo afirmam, seria jogar um grãozinho de terra em um dos mais perfeitos mecanismos de funcionamento – com tanto tempo de evolução. Assim, driblaríamos todos os mecanismos de resistência das bactérias e marcaríamos mais um ponto neste placar que está bem desfavorável a nós.
Sem os antibióticos, o ser humano viu que precisa aplicar as estratégias de guerra das próprias bactérias para tentar bloquear seu avanço contra nós. É importante lembrar que além dos vírus, as bactérias estão avançando– e cada vez mais. Em nossa defesa está a ciência – como sempre.
Referências:
Nature Chemical Biology (Pappenheim, F, R, V., et al. Structural basis for antibiotic action of the B1 antivitamin 2′-methoxy-thiamine. Nature Chemical Biology. doi.org/10.1038/s41589-020-0628-4.)
A coluna Ciência Nordestina é atualizada às terças-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag CiênciaNordestina.
Leia o texto anterior: Eletrônica ecologicamente correta
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
Deixe um comentário