Como a internet possibilita a virtualização de impressões e experiências em espaços físicos
Por Vinícius Brito
O ano de 2020, inevitavelmente, sempre será reconhecido como o ano no qual rompeu-se toda e qualquer estrutura pacífica de normalidade. Com o avançar da pandemia de COVID-19 e diante do desconhecimento acerca de tratamentos efetivos no combate a esta nova doença, o implemento de medidas de contenção à propagação do vírus tornou-se vital. Sendo assim, o mundo presenciou o encerramento de atividades coletivas em espaços públicos e privados, a suspensão de aulas, a interrupção de atividades comerciais, a instauração ampla da modalidade de trabalho home office, o fechamento de fronteiras, dentre outras iniciativas que pudessem diminuir a circulação de pessoas e, consequentemente, o risco de contágio. Estas providências, aliadas às recomendações da Organização Mundial da Saúde – OMS, especialmente no incentivo ao isolamento social, foram alternativas contingentes no intuito de evitar o esgotamento nos sistemas de saúde e preservar vidas enquanto a ciência buscava a possibilidade de imunização.
Certamente, o seguimento destas determinações não ocorreu de forma igualitária em todos os lugares, mas, via de regra, as pessoas tiveram de se abster do contato físico e se resguardar em casa. Consequentemente, esta realidade representou, para muitos, o adiamento de planos e metas pessoais, mas também simbolizou uma quebra na relação com o mundo exterior, seja pelas impossibilidades relativas à normativas de segurança, mas também pelo medo, uma vez que o ato de estar fora de casa passou a significar estar exposto.
Logo, se no mundo pré-pandemia viajar já poderia facilmente ser uma experiência de saída da zona de conforto, agora essa impressão se multiplica e deixa de se restringir à viagens grandes, como aquelas em que se cruza um oceano, mas passa a agregar também as que são pequenas e corriqueiras, como uma ida ao mercadinho ou um passeio no parque. Tudo se transforma num desafio, mas tudo também se transforma em saudade. Saudade de um mundo cheio de abraços e andanças por todos os lados, um mundo relativamente distinto do que se tem provisoriamente após 2020.
Nas circunstâncias em questão, a internet incrementa seu apelo a usabilidades já vastamente conhecidas e aproveitadas. As relações pessoais e profissionais que o digam, afinal, o que seria delas sem chamadas de vídeo, ligações e mensagens de texto? Obviamente, não seria o fim do mundo, mas é certo que todas estas interações seriam mais dificultosas sem a utilização de recursos on-line durante o contexto de restrições físicas. Todavia, é importante lembrar que não somente as relações interpessoais são afetadas pela internet, as relações dos seres humanos com os lugares e com todo o mundo que os cerca também recebe implicações do meio digital, principalmente no momento em que a humanidade vive.
É neste exato ponto que o texto terá de abrir espaço para uma intromissão de seu autor, pois em uma certa tarde, ao expressar a sua saudade de visitar lugares que gosta, viajar e, simplesmente, ver o mundo, ele ouviu o seguinte argumento: “se não é possível agora, use as armas que tem em mãos. A internet pode te levar a qualquer lugar, não vai substituir a presença física, mas quebra um galho danado”.
Não é novidade alguma que a internet oferece possibilidade de “transportar” seus usuários a lugares em que nunca puseram os pés, da mesma forma que a partes antes somente imaginadas para muitas pessoas. Em plataformas de redes sociais, como a exemplo do Instagram e Twitter, existem centenas de milhares (quiçá milhões!) de páginas dedicadas à promoção de lugares, estabelecimentos e roteiros turísticos, que provêm a seus seguidores sugestões, dicas e uma espiadinha sobre estes espaços por meio de textos, imagens, vídeos e transmissões ao vivo. O mesmo também acontece em blogs e sites voltados a turismo e viagens que estão espalhados pelo ciberespaço. Contudo, o contato meramente descritivo e ilustrativo pode deixar passar muitas peculiaridades a serem contempladas, portanto, a internet também dispõe de plataformas que viabilizam a simulação de experiências por meio da virtualização.
No YouTube, por exemplo, é possível encontrar uma infinidade de canais voltados ao registro audiovisual de ambientes urbanos e rurais, muitos deles com conteúdos organizados de modo a simular diretamente o deslocamento de seus espectadores, seja à pé ou em algum modal de transporte. Literalmente, é como passear pelo mundo através de outra pessoa (aquela que faz o registro), especialmente quando os usuários podem sugerir rotas e caminhos a seu “condutor” por meio de comentários ou através de bate-papo síncrono em transmissões em tempo real.
Já quando se assevera a existência de experiências on-line ainda mais orgânicas e intuitivas, plataformas como Google Mapas ou o Google Earth podem ser pontuados como referências. Nelas, os utilizadores, através do recurso de street view, têm total liberdade de estabelecer itinerários de suas andanças virtuais, cujas limitações são restritas a locais de difícil acesso ou aqueles em que o registro não é permitido, uma vez que estas páginas baseia na disposição de imagens navegáveis e capturadas em ângulo de 360º graus. Por conseguinte, os usuários podem, virtualmente, subir o Corcovado, bater perna pelas badaladas ruas de Shibuya, apreciar a imponência da Pirâmide de Gizé ou cruzar a Golden Gate Bridge. Não obstante, essa espécie de tour on-line não precisa se resumir somente a pontos turísticos reconhecidos, já que também é perfeitamente possível empenhar rotas cotidianas. Quem tiver o interesse, pode buscar por sua própria cidade, quem sabe até mesmo dar uma passada na rua onde reside, relembrar o caminho que costuma tomar para o trabalho, dar uma tietada em seus locais favoritos, ou, puramente, descobrir novos aspectos e espaços de ambientes já familiares.
Todas as possibilidades listadas são gratuitas e necessitam apenas de uma conexão estável com a internet. Nesses moldes, não se faz necessário sair de casa para poder observar o mundo lá fora, o que, para aqueles que estão em isolamento domiciliar e sentem falta do conforto que é estar em quaisquer outros lugares, pode ser uma alternativa que venha a calhar. É certo que nem todos se sentem compelidos a passar horas olhando para uma tela, mas é inegável que a pandemia pode ter alimentado o surgimento de novos “viajantes virtuais”, da mesma forma que certamente fidelizou a preferência daqueles que já adotavam estas práticas.
A utilização destes recursos, por sua vez, não necessariamente deve ser vista como um alento nostálgico, mas também pode ser avaliada como uma ação que exprime esperança por dias melhores. No momento de publicação destas palavras, milhões de pessoas já receberam imunização em todo o mundo, o que representa um primeiro passo para o retorno da tão aguardada normalidade. Assim, as andanças virtuais, além de uma atividade de autocuidado, já podem significar o início de novos planos, ou a retomada daqueles que ficaram para trás, ao mesmo passo que são a lembrança de que o mundo é diverso e sempre dispõe de algo novo a se descobrir.
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JOII – Grupo de pesquisa em Jornalismo, Inovação e Igualdade da Universidade Federal do Piauí
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