Agora, até foguete dá ré! Disruptiva

quarta-feira, 3 junho 2020

O lançamento da SpaceX, Elon Musk e as formas de pensar inovadoramente

Sim, senhoras e senhores, isso mesmo: eu, um amante fiel das startups e seguidor implacável do empreendedorismo-inovador, não consegui evitar escrever sobre o maior exemplo do século XXI, o sul-africano Elon Musk!

Entretanto, não pretendo falar de sua trajetória profissional nem pessoal. Além de ser avesso a biografias – pois sofrem influência de quem as escreve, incluindo aí até os ensaios autobiográficos -, existem livros e blogs abarrotados sobre esses aspectos. 

Como meu interesse são os processos, projetos e as formas de pensar a inovação, tentarei deter-me às consequências desse evento histórico, ao tipo de raciocínio utilizado por Musk e outras formas de tentar extrapolar o pensamento linear e/ou reativo, já que a inovação pede mentes exponenciais e proativas.

O feito, até então improvável da SpaceX, foi o mote para falar sobre isso. Assim, minha contribuição neste artigo vai na linha de indicar formas de pensar inovadoramente. Caso não consiga, tenho certeza que apresentarei, pelo menos, duas palavras a vocês. Duvidam?

Fato e consequências imediatas

Na tarde do dia 30/05/2020, pela primeira vez na história, aconteceu o lançamento de um foguete tripulado construído por iniciativa privada, a startup SpaceX. Por quê reforço a questão “iniciativa privada”? Porque “a última decolagem de um veículo norte-americano em direção à estação espacial internacional foi em 2011, quando o ônibus espacial Atlantis foi aposentado. Desde então, os EUA têm dependido dos foguetes russos Soyuz para chegar ao destino”, é o que relata o site seudinheiro.com. Ou seja: de uma tacada só, a SpaceX (privada), libertou os EUA (ente público) de uma dependência tecnológica vergonhosa – para eles, pelo menos -, ao mesmo tempo em que inaugura uma era comercial espacial sem precedentes, já que os custos desse lançamento – 10% do valor dos realizados pela NASA -, devem cair ainda mais com a escala. Vocês conhecem outra startup com tamanha capacidade? Acredito ser a primeira startup estratégica de nível mundial. As ações das empresas do Musk’s holding, claro, devem decolar junto com a espaçonave Crew Dragon.

Formas de pensar

Apresentamos em agosto de 2018 o pensamento por princípios. Também chamado de redução aos primeiros princípios, é uma das estratégias mais eficazes que se pode empregar para resolver problemas complicados e gerar soluções originais. É uma boa abordagem para aprender a pensar por si mesmo. Não é segredo para ninguém que Musk usa e abusa desse forma de pensar, inaugurada pelo filósofo Aristóteles, o que o tornou um dos mais bem sucedidos nesta técnica. Além dessa, apresentarei algumas que acredito poder ajudar a empreender melhor quando se fala em inovação. Em homenagem ao “cara” do Tesla, comecemos por esta.

Redução aos princípios

No artigo de 2018, resumo os passos seguidos por Musk:

 P1 – Identifique e defina suas suposições atuais: ideias vigentes e/ou pré-concebidas.

  • P2 – Coloque o problema em seus princípios fundamentais: o que não pode ser eliminado ou refeito.
  • P3 – Crie novas soluções a partir do zero: sinta-se livre para voar.

Neste mesmo artigo, exemplifico os passos convertendo um carro a combustão em um autônomo elétrico. Então, como ficaria esses princípios aplicados à família de foguetes Falcon da SpaceX? Vamos lá:

  • P1 – Um foguete não dá ré. Um foguete é composto por módulos descartáveis.
  • P2 – Um foguete tem de entregar uma carga. Essa é a única verdade inquestionável.
  • P3 – Um foguete pode ser composto por vários módulos, a maioria reutilizáveis, o que só pode acontecer se forem resgatados. Conclusão: esse foguete tem de dar ré e ter o máximo de peças reaproveitáveis!

Resultado: aquela bela imagem dos foguetes Falcon aterrizando, mais bonita até do que o próprio lançamento. Viabilidade econômica: segundo o próprio Musk, o custo por lançamento ficará abaixo de 3% do custo convencional. Têm-se que ressaltar a perseverança de Musk. Neste caso, o delay entre P2 e P3 levou 18 anos.

Moonshot Thinking

A tradução ao pé da letra seria “Atirar na Lua”. Isto parece ser coisa de maluco, mas quando se coloca uma meta ambiciosa, seus efeitos colaterais acabam por serem palpáveis. Com está forma de pensar, passado o auge da corrida espacial, a NASA liberou 1,2 mil patentes para novas startups de tecnologia em 2015. Imagine quantas milhares de patentes ainda estão intocadas? Imagine agora que o novo moonshot que com a ajuda da SpaceX será um marsshot? (atirar em Marte; essa eu inventei). Moonshot Thinking não é fazer 10% melhor, mas buscar resultados 10 vezes maiores. 

Resguardadas as proporções, não precisamos ter alvos impossíveis:

“É o que fazem os archeiros habilidosos, os quais, parecendo-lhes muito distante o alvo que desejam atingir, e, conhecendo bem as limitações de alcance do seu arco, fazem pontaria para um ponto muito mais alto do que o alvo, não para aí acertar com as suas flechas, mas, sim, para, com a ajuda de tão elevada mira, poderem bater o alvo pretendido”. (Nicolo Maquiavel, in ‘O Príncipe’).

Pensamento exponencial

Tipo de pensamento cultuado no livro “Organizações Exponenciais”, o qual mostra que empresas grandes são assim porque pensam grande. Para isso, definem o que os autores chamam de Propósito Transformador Massivo (PTM), o propósito maior da organização: “Os maiores problemas do mundo são os maiores mercado do mundo”.

Um problema de se pensar exponencialmente pode ser assim exemplificando. Imagine que você tem uma colônia de microorganismos em um frasco, cuja população dobra a cada minuto. No 15º minuto, o frasco está pela metade. Aí vem a pergunta: quantos minutos seriam necessários para os microorganismos preencherem todo frasco?

Troque agora microorganismos por pessoas e o frasco por uma organização e replique o experimento. Numa dada organização, as pessoas dobram sua capacidade de ter ideias a cada ano. Ao final do décimo ano, a quantidade de ideias preenche 10.000 folhas. Quanto tempo seriam necessários para essa organização possuir 20.000 folhas de ideias? Uma organização linear levaria outros 10 anos. Uma exponencial, em mais dois anos, teria 40.000 folhas preenchidas. Faça a conta!

Pensar grande ou pensar pequeno dá o mesmo trabalho. Pense exponencial!

Tafakkur

Tafakkur (do turco, “reflexão profunda”), nos convida a refletir profunda, sistematicamente e em grande detalhe sobre determinado assunto, de modo a fazer descobertas sobre o mundo à nossa volta. Apesar de ser uma técnica própria da religião islã, você não precisa adotá-la para conseguir os efeitos do Tafakkur, pois é muito semelhante ao método científico:

  • Olhe o mundo ao seu redor e preste atenção em detalhes ínfimos. Você pode utilizar a técnica que descrevi em Smart Little People: mergulhando no problema.
  • Não se atenha imediatamente ao que vê; tente ver o sistema por trás do que você está vendo. Em Preparando-se para o futuro iminente, dou uma dica através da 9W de como enxergar o supersistema (SS) no qual o problema está contido. Muitas vezes o SS reprime sua inovação.
  • Compreendido este primeiro nível de SS, tente encontrar o SS sobre o SS, e assim sucessivamente, como que descamando uma cebola. Em algum ponto – mesmo sem chorar -, você encontrará um princípio que não poderá modificar: este é o verdadeiro princípio do problema, sem vieses. É o P2 descrito lá em cima. Agora você poderá começar do zero, sem interferências tendenciosas, e criar um novo supersistema.

Diz o povo, que o Tafakkur pode ser empregado também para resolver problemas pessoais. Nunca tentei.

Serendipidade

Segundo a Wikipedia: “A serendipidade é tipicamente usada de forma incorreta como  sinônimo de oportunidade, coincidência, sorte ou providência, um conceito que prejudica a apreciação do termo em relação à sua contribuição para o processos de inovação. Trata-se de uma qualidade muitas vezes incompreendida para a descoberta e inovação. Pode se constituir numa ferramenta poderosa na contribuição de percepções inovadoras que conduzem à realização de visões empreendedoras. Ao entender o processo de seu desenvolvimento e utilização, empreendedores podem usar o acaso como importante contribuição para o sucesso competitivo da empresa”.

Ainda lá, na Wikipedia: “Inovações apresentadas como exemplo de serendipidade possuem uma característica importante: foram feitas por indivíduos capazes de “ver pontes onde outros viam buracos” e ligar eventos de modo criativo com base na percepção de um vínculo significativo.

Trocando em picadinhos, também conhecido por “miúdos”: “O acaso só favorece a mente preparada” (Louis Pasteur). Assim, quando todo mundo estiver travado, junte sua equipe e promova momentos de Serendipidade, buscando ou promovendo anomalias em processos corriqueiros de sua empresa. Garanto que vocês ainda não perceberam todos, o que podem ser fontes interessantes de inovação para sua equipe, que é preparada.

Finalizando…

Perscrutamos cinco formas de pensar. Claro que vocês, de uma forma ou de outra, as utilizam de um modo peculiar. Minha contribuição aqui foi a de tentar promover uma sistematização, por não acreditar ser o acaso o maior benfeitor da humanidade, escolhendo apenas alguns discípulos. Agora é com vocês provar isto.

Referências:

Lições de Elon Musk para construção – (https://thorusengenharia.com.br/blog/licoes-de-elon-musk-para-construcao/)

Tecmundo – (https://www.tecmundo.com.br/patente/87818-nasa-libera-1-2-mil-patentes-novas-startups-tecnologia.htm)

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Leia a edição anterior: Reconstruindo os negócios e as mentes

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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