Afinal, por que tanto preconceito com a palavra “negócio”? Empreendedorismo Inovador

quinta-feira, 19 setembro 2024
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Seu dia só tem duas fases: ou você está no ócio ou num negócio. Simples assim!

Vindo de um cara que só fala em empreendedorismo inovador, parece um clichê. Então recorri ao site Dicionário Etimológico para me ancorar:

“A palavra negócio vem da combinação de nec + otium. No latim, otium é descanso, lazer, e a partícula nec é um advérbio de negação. Praticar o não-ócio é negociar, trabalhar para, depois, dedicar-se ao que é positivo: viver em paz”.

E aí, exagerei?

A ideia desta AC é a de tentar reduzir o preconceito – negativamente falando – que a palavra traz quando pronunciada em meios convencionalmente considerados sociais (culturais, educacionais, políticos etc.). Tudo bem falar em negócios em ambientes corporativos; está em seu DNA. Porém, e infelizmente, quando se está em um ambiente que lida exclusivamente com educação, e sendo professor, saiba que, ao dar as costas, será mal compreendido, se tiver sorte! A práxis mostra que o comum é ser malvisto. Vamos aos negócios, então.

Educação é um bom negócio?

Deveria ser ou, pelo menos, entendida como se fosse. Peguemos uma fala de Peter Drucker, guru da administração hodierna, que encontrei no site Conceito.de:

“O objetivo de um negócio é o desenvolvimento de clientes e não os lucros em si. Em seu entendimento, o cliente é a base de um negócio e o responsável por esse negócio prosseguir. (…) um negócio não é criado e gerenciado por forças, mas sim por pessoas. São as forças econômicas quem determinam os limites do que pode ou não ser feito por uma empresa e criam oportunidades para elas. No entanto, as forças não podem, somente elas, estipularem a essência do negócio e seus objetivos”.

De outro modo, a frase sugere que o sucesso de um negócio depende de um foco genuíno no cliente e de uma gestão humana eficaz, enquanto as forças econômicas apenas moldam o ambiente em que a organização opera.

Por que é uma heresia tratar “educação” como um “negócio” no aspecto público?

Indo à Revista Eletrônica de Educação, encontrei o artigo Bem público, teoria do capital humano e mercadorização da educação. Utilizando a GenAI Copilot©, pedi a síntese de um trecho com o seguinte prompt: “Neste texto, quais as principais críticas que os autores apontam quando se aborda educação como negócio?”. Esse foi o retorno:

  • Educação como Direito Fundamental. A educação é amplamente reconhecida como um direito humano fundamental e um bem público. Isso significa que todos devem ter acesso a uma educação de qualidade, independentemente de sua capacidade de pagar. Quando a educação é tratada como um negócio, o foco pode mudar para o lucro, potencialmente excluindo aqueles que não podem pagar.
  • Desigualdade Social. A mercantilização da educação pode aumentar as desigualdades sociais. Instituições educacionais que operam com fins lucrativos podem priorizar alunos que podem pagar mais, deixando de lado aqueles de comunidades menos favorecidas.
  • Qualidade e Acessibilidade. A educação pública visa garantir que todos os cidadãos tenham acesso a uma educação de qualidade. Quando a educação é tratada como um negócio, há o risco de que a qualidade do ensino seja comprometida em favor da redução de custos e maximização de lucros.
  • Valores e Objetivos Educacionais. A educação pública tem como objetivo formar cidadãos críticos, conscientes e preparados para contribuir com a sociedade. Quando a educação é vista como um negócio, esses objetivos podem ser secundarizados em favor de metas financeiras.
  • Regulação e Controle. A educação pública é regulada pelo Estado, que tem a responsabilidade de garantir padrões de qualidade e equidade. No entanto, quando a educação é tratada como um negócio, pode haver menos controle e supervisão, o que pode levar a práticas questionáveis.

Do ponto de vista dos autores, destaca-se a importância de manter a educação como um bem público, focado no desenvolvimento humano e na equidade social, em vez de tratá-la como uma mercadoria sujeita às leis do mercado. Se do modo como está escrito um artigo científico ratifica o preconceito, de que todo negócio só visa lucro, o que dizer do grande público?

Nem todos os negócios visam lucro…

Mas todos deveriam visar a eficientização dos processos. E aí que a “porca torce o rabo!”. Quero dizer, não deveríamos ler o contrário do que está em cada final dos itens acima? A educação não deveria ser gerenciada como se um negócio fosse? Se a educação fosse tratada de forma eficiente, com indicadores e metas bem estabelecidas, cumpridas por gestores sérios e bem-intencionados, visando alcançar todos os partícipes, mantendo a execução das receitas de modo sustentável, não teríamos uma entrega melhor? Opa, acabei de descrever um negócio!

“O processo de racionalização torna a sociedade cada vez mais organizada e eficiente, mas também mais burocrática. Isso é evidente nas grandes organizações modernas, tanto públicas quanto privadas, onde a burocracia é necessária para gerenciar operações complexas, mas pode levar à desumanização e ao ‘desencantamento’ do trabalho”, diria o pai da burocracia, o sociólogo alemão Max Weber. Ou seja: não há como gerenciar algo sem regras claras e sem que todos sejam beneficiados. Se existem atores racionais envolvidos e regras a serem cumpridas, não se trata de ócio. O resto da frase vocês já sabem. Na verdade, todas as esferas da coisa pública deveriam ser tratadas como um negócio. Não se pode fazer justiça social sem um bom gerenciamento do dinheiro que vem do povo.

E aí esbarramos em outro aforismo nebuloso. Observe o slogan: “Educação gratuita e de qualidade”, frequentemente bradada por movimentos sociais, ONGs e governos que defendem o acesso universal à educação, o qual enfatiza dois aspectos fundamentais. A qualidade, sem maiores comentários, e a gratuidade, que intui uma educação acessível a todos, independentemente da condição socioeconômica, apontando que não deve haver barreiras financeiras que impeçam alguém de obter uma educação.

Concordo, mas o termo “gratuito” está corretamente empregado? Claro que não, pois somos nós, no modus sociedade, que sustentamos a (infelizmente) ineficiência desta máquina. E é nessa palavra que reside todo o preconceito quando se tenta relacionar educação pública à palavra negócio.

Educação: um negócio sustentável!

E se o lema fosse “Educação sustentável e de qualidade”, será que teríamos uma sociedade mais aberta a outros conceitos, do tipo: (i) Quem está à frente da educação teria por princípio prestar contas do andamento do “negócio”? (ii) De que o Estado não tem dinheiro, ou não há dinheiro público; de que ele apenas gerencia o dinheiro do povo? (iii) Que somos um cliente quase imaterial e que paga uma conta extorsiva, e sempre somos ignorados?

Olhando por este ponto de vista, a educação nunca poderia ser chamada de “gratuita”. Ao mesmo tempo, temos condições de isentar todos os estudantes das mensalidades, pois já estão pagas. Neste aspecto, a educação já é sustentável, e aquela parte do Business Model Canvas que mostra a relação custo x receita já estaria empatada. Teríamos que cuidar do restante, principalmente da proposta de valor. O que temos que entregar aos clientes mesmo?

Finalizando…

Ajustemos nosso mindset para um novo momento, no qual a educação pública, a única forma capaz de mudar o destino de um povo, terá de ser considerada e tratada como um nobre negócio sério. Quem sabe ela se transforme nisso? Afinal, não estamos falando de ócio, mas de um bom negócio.

Leia o texto anterior: A maldição do molde e os entraves para se inovar

Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)

Gláucio Brandão

Uma resposta para “Afinal, por que tanto preconceito com a palavra “negócio”?”

  1. Amigo Gláucio!
    Estou ofuscado pelo brilho desse seu texto.
    Simplesmente irretocável!

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