Academia e mercado Ciência Nordestina

terça-feira, 13 abril 2021

Precisamos ter uma pesquisa acadêmica conectada às empresas do tipo start-up

A relação entre o trabalho desenvolvido na academia e os produtos que chegam ao consumidor precisa ser cada vez mais próxima, o que depende do grau de maturidade que o conhecimento atinge antes de ser convertido em tecnologia.

Um exemplo muito didático em tempos de pandemia surgiu com as máscaras. Com as máscaras descartáveis sendo priorizadas ao pessoal da linha de frente do combate à covid-19, surgiu a oportunidade para a produção caseira de máscaras de tecido.  E em todos os lugares passaram a surgir máscaras artesanais com diferentes estampas e de diferentes tipos. O mercado passou a customizar estas máscaras e se adaptou aos formatos 3D. Até aí as costureiras conseguiram acompanhar as demandas. O custo médio das máscaras variava de 3 a 10 reais. Com o agravamento na pandemia, a tendência passou a ser do uso de máscaras antivirais que incorporam tecidos com nanopartículas de ação antibacteriana e antiviral. E assim o mercado das máscaras artesanais foi fortemente inibido. E o custo médio de uma máscara passou a ser de 25 reais. Este foi um reflexo imediato da incorporação de tecnologia aos tecidos e do custo que toda a pesquisa requer para chegar ao produto. As máscaras deixaram de usar apenas tecido e costura para incorporar o conhecimento de teses de doutorado que foram repassados às fábricas de máscaras.

Como os produtores artesanais não dominam a técnica de produção destes tecidos, ficaram para trás, deixando de ser produtores e figurando agora como consumidores.

Este caso escancara a necessidade de termos uma pesquisa acadêmica conectada às empresas do tipo start-up. Inúmeros laboratórios no Brasil trabalham com nanopartículas de prata e demais agentes antivirais. A dinâmica de conversão deste conhecimento em produtos pode significar uma rápida criação de novas empresas para suprir uma necessidade local de novos produtos. Isso mostra que o foco de nossos estudantes e professores em publicar e lançar novas linhas em seus currículos não tem levado em conta a oportunidade de fazer suas pesquisas serem imediatamente úteis ao povo. Quero ressaltar que nunca fui adepto ao conceito de “menos Lattes”. Acho que precisamos ter muito mais pesquisa básica, muito mais pesquisa aplicada e muito mais sensibilidade para entender quando um conceito pode ser convertido em produto. E daí se faz necessária a coragem de ousar, nacionalizando nossas soluções para o povo. Se tivermos de pagar pelas teses de doutorado ao comprar as máscaras, que sejam para as teses feitas no Brasil. Lá fora há investimento de sobra para isso. Não podemos voltar aos tempos em que trocamos madeira por espelhos. Precisamos usar nossa tecnologia para resolver nossos problemas.

A coluna Ciência Nordestina é atualizada às terças-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag CiênciaNordestina.

Leia o texto anterior: Carros voadores produzidos no Brasil

Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).

Helinando Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital