Como absorver duas evoluções, uma tecnológica e outra humana, que estão acontecendo em paralelo?
Na Parte I de nosso artigo abstração desestruturada, sugeri que estamos vivendo um revolução “raiz” por esta se tratar da soma de duas evoluções: da tecnológica com a humana. Lá – mostro na Figura (A) – a linha azul pode ser atribuída à revolução causada por nossos esforços tecnológicos. Penso ser essa do tipo linear. Já os pontinhos vermelhos atribuo à mudança que estamos promovendo em nós mesmos, não só de mindset como também fisiológico.
Se duas evoluções estão acontecendo em paralelo, a soma de evoluções não poderá ser absorvida – e por consequência entendida -, apenas com a forma do pensar linear. Teremos também de mudar o formato de resolver a coisa toda, utilizando métodos de produção adaptativos (Scrum, por exemplo) ao invés somente dos sequenciais; resolver sistemas por métodos computacionais e não apenas utilizando procedimentos algébricos; entender que coisas antagônicas estão ligadas a um ponto central e não desacopladas, podendo uma ser a solução para a outra (a dose é quem diz se o veneno da jararaca para o coração ou controla a hipertensão), e que, para atingir a sustentação econômica, teremos não só de usar o já velho jargão aprender-desaprender-reaprender. Isso já está patente. O que temos que fazer agora é desenvolver uma sequência mais radical, a de abstrair de forma desordenada e depois saber como retornar isso para o mundo real trazendo coisas produtivas: Montar-Desmontar-Remontar o mindset. Vou abreviar por MDR.
Vejam só o grau que estou impondo ao procedimento MDR. Não é apenas mexer com aprendizagem e desaprendizagem, por assim dizer. Falo em reconfigurar o caminho da abstração, ir a outro mundo, e depois voltar com algo produtivo. Trata-se de mexer em um nível mais profundo. Não é simples e nem eu sei como fazer de fato, mas sinto ser algo necessário, por isto busco tanto, já que estamos entrando em um mundo cada dia mais VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity), em que as informações estão cada vez mais voláteis, o Mercado mais incerto e imprevisível, as fontes de informação mais interdependentes e aleatórias – o que promove um alto grau de complexidade – e ambíguo (fake news é o que não nos falta).
Olhando para este conceito da década de 90, consegui, por exemplo, mudar meu mindset e migrar da eletrônica para a biofísica; desta para a biomédica; na sequência, abandonar, sem olhar para trás, décadas de estudos técnicos formais em áreas das exatas e aplicadas e ter, final e felizmente, acabado aqui, na área de empreendedorismo inovador. Isso também me deu coragem para me desligar do rigor científico-teórico e entrar no mundo produtivo-experimental, no qual os fatos doem e os argumentos apenas perturbam. Por este motivo, sem me preocupar se alguém já escreveu ou falou nesse processo aplicado à inovação, vou mostrar exemplos de como temos de avançar no formato de pensar, desestruturando o modus operandi reinante.
Depois eu crio, ou encontro, as teorias que balizam minhas ideias expostas aqui. Como falei, sou um produtivo-experimental agora. Quem quiser pode me enviar referências depois. Como diria meu amigo – agora mais brasileiro – o Prof. Efrain Matamoros: “Você é doido: lança as teorias e depois a gente tem de ir atrás para tentar justificar”! Isso mesmo brother: effectuation!
Nossa inércia psicológica(IP) e a imunidade cognitiva(IC)
Em Como criar criatividade, trabalhamos a questão da inércia psicológica(IP). Fazendo uso paralelo deste princípio de Newton, sabemos que qualquer corpo não mudará seu estado de movimento se nada o perturbar. A mesma coisa acontece com as ideias, que serão ampliadas à medida que sejam chocadas. Já a questão da imunidade cognitiva(IC) é muito mais séria: por ser reacionária, impede a quebra ou mudança da IP. Ou seja: ter dificuldade de mudar o mindset é humano. Não querer, por falta de um termo técnico mais elegante, é burrice!
“Como não pensamos costumeiramente” ou “Pensando o impossível para quebrar a IP”
O lado lógico do cérebro utiliza emoções negativas para bloquear a liberdade de pensamento, com o intuito de diminuir as abstrações para que consigamos promover a organização. Alguns podem chamar essa convergência de foco. Ok, necessário, mas apenas no processo de entrega do produto. No início da jornada inovadora, precisamos desconstruir o mindset: Montar-Desmontar-Remontar. Vou apresentar aqui alguns exemplos colhidos em várias literaturas. Depois vou demonstrar o mundo visto por ambas abstrações.
Usando o pensamento invertido: o Antigrafitismo. O artista plástico britânico Paul Curtis, foi parar na Suprema Corte Inglesa por praticar grafitismo, proibido lá nas terras da rainha. Lá, seu advogado, muito bem instruído por ele, conseguiu anular o processo. Qual o mote da defesa: Paul não estava grafitando nada. Na verdade, ele estava limpando. Não há lei na Inglaterra contra quem limpa paredes. O resultado: Paul, “1”, Suprema “Envergonhada” Corte Inglesa, “0”. Paul continua limpando os muros do mundo e sendo reconhecido por isto.
Juntando duas ideias impossíveis: Flat Daddies. Sabemos que os EUA são um país beligerante. Muitas de suas crianças possuem pais em campanha. Apresentam transtornos pela ausência dos pais e problemas de adaptação quando do retorno destes ao lar. Cindy Sorenson estava pensando em como amenizar esse problema. Seu filho sugeriu: “por que não contratar um ator para representar o pai da criança?”. Ideia interessante, mas inviável, nem preciso dizer o porque! Entretanto, lendo para o filho um dos episódios da revista “Flat Stanley”, em que Stanley viaja o mundo visitando amigos dentro de um envelope, Cindy teve uma ideia: “Por que utilizar um cartão, com a foto impressa do pai em tamanho natural, e testar com as crianças?”. Resultado: nascia assim o programa Flat Daddies, o que resultou em um avanço emocional gigantesco para toda família. As crianças levavam seus flat daddies, literalmente, para todos os lugares. Quem pensaria em um pai em duas dimensões substituir um de três sem causar ciumeira no guerreiro?
Paradoxo de Michelangelo. Muito provavelmente, você já se olhou no espelho. Também, já deve ter tentado ler algo refletido nele. O que acontece? Eu respondo: você vê a imagem ou o texto rebatido! Ok, GBB-San: descobriu a roda! É, né? Mas o que vai fundir o seu toitiço é: por quê não vejo meu rosto com o queixo para cima e a testa para baixo, ou o texto de ponta cabeça? Deixo para vocês a resposta. O que este fato nos mostra é de como nosso cérebro está viciado em abordar a maioria dos problemas sem utilizar a óptica inversa. Tente ver o problema da forma direta – e também rebatida – e seu mindset vai começar a sofrer sopapos!
Ganhando com Empreendedorismo Social. Determinada fábrica de pratos de cerâmica utilizava jornais para embalá-los de forma protegida. Um gerente observou uma redução de 30% na velocidade da linha de produção ao longo do dia. Descobriu o motivo: com a monotonia do processo, os embaladores começavam a ler os jornais que serviam para embalar os pratos. Foi à direção e sugeriu um absurdo, mas não desprezível: “vamos ter de vedar os embaladores!”. Alguém no grupo sugeriu algo mais plausível: que tal contratar pessoas com deficiência visual. Não preciso dizer os ganhos de produtividade e incentivos que a empresa passou a ter por esta ação.
Ideia mágica e paranoica. A Unilever teve a seguinte ideia promocional: “compre uma de nossas 50 marcas de sabão e um presente aparecerá em sua casa como que por encanto” . Essa foi uma jogada de marketing para promover o OMO em 2011, aqui no Brasil. Não preciso dizer que para os presentes “aparecerem” nas residências, algumas caixas do sabão continham um GPS ativo dentro. Resultado: o estoque acabou em alguns minutos e ainda virou notícia internacional, porque teorias conspiracionais sugeriam que a Unilever queria espionar seus clientes! Bom, coisas do Brasil!
Onde eu quero chegar?
As formas convencionais ou estruturadas de abstração são muito úteis para o dia a dia corporativo, mas elas podem imprimir em nós um estilo cognitivo adaptador, responsável por gerar diferenciais competitivos, como falei no artigo anterior. Se queremos aumentar as possibilidades de sucesso de um negócio, temos que pensar em diferenciais disruptivos, que nos garantirão uma dianteira, aqueles que só podem brotar do estilo cognitivo inovador.
Assim, inspirado nos exemplos apresentados, vamos traçar no quadro, o paralelo entre as abstrações adaptadoras e inovadoras, baseadas na estruturação e desestruturação, respectivamente.
Finalizando…
O assunto é amplo, mas já posso parar por aqui, pois acho que deixei o recado. Nesse mundo VUCA, cada um de nós tem de criar uma maneira de mexer no próprio mindset e também saber estabilizá-lo. O mais difícil é fazer essa viagem com a meta de voltar com algo útil de lá. Quando funcionar, prepare-se para ter seu unicórnio.
“Se a sua ideia não é absurda, não há esperança para ela!” – Einstein
Referências:
A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.
Leia a edição anterior: Abstração (des)estruturada: a fonte para inovações de ruptura (Parte I)
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Gláucio Brandão
“Quando eu crescer quero ser igualzinha a ele”. Perfeito!
Parabéns, Prof. Glaucio
Sempre instigador….