O negacionismo nos laboratórios pode resultar em uma nova geração de cientistas avessos às críticas por pares e cada vez mais dependentes de elogios de seguidores nas redes sociais
O comportamento das pessoas nas redes sociais tende a ser cada vez mais extremo, uma vez que as opções possíveis são o curtir e o odiar. Este processo gera uma expectativa de aceitação e de isolamento em bolhas que explicam muito da resposta da humanidade no momento em que vivemos. Com o direcionamento de sítios eletrônicos e anúncios filtrados por perfil, a aceitação de argumentos contrários (o famoso contraditório) vem se tornando cada vez menos tolerável por parte da população, dado que esta vive cada vez mais acariciada em seus egos e convicções.
Além disto, este processo contribui com a consolidação do negacionismo como consequência do conforto das convicções de uma bolha cibernética que alimenta a intolerância das pessoas. Opiniões contrárias passam a ser “canceladas” com o peso de um clique no mouse do computador. E isso é devastador, uma vez que permite a consolidação de fake news a uma velocidade tremenda, ao ponto de viabilizar qualquer que seja a teoria conspiratória, por mais esdrúxula que esta venha a ser. Em tempos de pandemia, isso significa o aumento no número diário de mortes pela adesão ao movimento antivacinas (embora os líderes destes movimentos já estejam vacinados ou anseiem por este momento).
E se não bastasse, há uma última barreira que perigosamente está por ser vencida pelo negacionismo. Em se consolidando este processo, consequências irreversíveis serão observadas em vários níveis. Como a casa da crítica, a ciência já sente os efeitos destas práticas das redes sociais. A sisudez quanto ao papel das críticas começa a surgir naqueles deveriam acolher o contraditório como fonte de evolução do conhecimento e da quebra de paradigmas.
Em tempos de cortes profundos nos investimentos na ciência brasileira, o desembarque do negacionismo nos laboratórios pode resultar em uma nova geração de cientistas avessos às críticas por pares e cada vez mais dependentes de elogios de seguidores.
Sinais disso são claros com o compartilhamento de artigos altamente especializados em redes sociais. Ora, se o que precisamos é de uma divulgação científica cada vez mais próxima das pessoas, o que dizer de capas de revistas que não podem ser acessadas pelas pessoas?
A consolidação de bolhas sob forma de pequenos clubes científicos cujo objetivo é de manter o elogio mútuo ao invés do que se espera com a busca do conhecimento, que é o motor da verdadeira ciência.
Com isso, a pseudociência cria o ambiental ideal para sua manutenção, desligando-se progressivamente dos maiores centros de desenvolvimento de conhecimento que seguem desde temas mais básicos até outros bem mais aplicados, como as vacinas.
A ciência precisa continuar acreditando na avaliação crítica como a ferramenta consolidada para avançar no conhecimento humano e evitar qualquer migração do pensar do negacionismo para dentro da academia.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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