Aprender o inglês é importante, mas chegar às pessoas que não têm expectativas pela educação é ainda mais impactante
Uma parcela enorme da população brasileira (já ouvi estimativas da ordem de 95%) não fala inglês. E isto pode até ser considerado como natural, pois nossa língua é o português (outrora o tupi-guarani). Além do que, se considerarmos que não há uma língua melhor que a outra vemos que todos deveriam respeitar os domínios de cada país e não impor uma língua “universal”.
Neste ponto devo lembrar da recente premiação de Marivaldo, nobre torcedor do Sport Recife que foi premiado pela FIFA como torcedor do ano, pelas suas já famosas e quilométricas caminhadas para assistir os jogos de seu time do coração. Até aí, tudo bem. Já no ato da premiação, o repórter pergunta, em inglês: “Você fala inglês?” e simplesmente encerra o diálogo. Ora, o correto seria falar na língua nativa do contemplado – ele estava em sua terra.
O fato é que isto é ainda mais grave na ciência. A quase totalidade dos conteúdos científicos está em inglês. Esta é a língua padrão para os cientistas. Os melhores programas de divulgação científica estão em inglês, assim como os artigos, os comentários e etc.
De imediato, surge a pergunta: quem nasce primeiro, o desejo de fazer ciência ou a aprendizagem de uma segunda língua? No caso ideal, as crianças desde o ensino fundamental já deveriam estar acostumadas a estudar inglês. No entanto, falamos de um país que voltou a figurar no mapa da fome. Não dá para estudar inglês nem falar de ciência sem comida no prato. O sistema de educação pública brasileira precisa alimentar estas crianças com merenda, com conhecimento e sonhos. E neste caso, percebemos que a ordem pode ser invertida. Nossa juventude precisa entender o poder transformador do conhecimento. E isso não necessariamente precisa ser em inglês. Deve ser em nossa língua, com o velho olho no olho. Eles podem aprender inglês a qualquer momento, desde que assumam os rumos de seus destinos. O que é importante para o momento é promover uma divulgação científica em massa, mostrando a relevância da universidade pública brasileira com seus sotaques, ricos detalhes e a criatividade de um povo que tem tudo para dar certo.
Aprender o inglês é importante, mas chegar às pessoas que não têm expectativas pela educação é ainda mais impactante. Isso significa que a divulgação científica precisa ter raízes ainda mais locais. Precisamos, enquanto propagadores de conhecimento, ter posse dos espaços das mídias sociais. Pesquisadores brasileiros produzindo conteúdo de qualidade no you tube e nas redes sociais. Uma grande remessa de informações chegando aos jovens das periferias, fazendo-os acreditar em seu potencial. Feito isso, aprender qualquer língua passa a ser bem mais fácil. Vamos tocar a divulgação científica com as raízes brasileiras, nordestinas, sertanejas, com sotaques e sons de todos os cantos. Só a educação pode salvar esta nação.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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