A lei de cotas: sentindo na pele Ciência Nordestina

terça-feira, 14 janeiro 2020
Foto: Marcelo Casal Jr / Agência Brasil

Para entender a lei de cotas é preciso praticar um duro exercício: o de se colocar no lugar do outro

A lei de cotas (12.711/2012) promoveu uma verdadeira revolução na Universidade Pública Brasileira, ao reverter um viés que fazia com que os mais bem-sucedidos entre os menos favorecidos concorressem em condições de desigualdade com os mais favorecidos. Perceba que falo dos mais favorecidos entre os desfavorecidos. Mesmo assim, ainda é possível ouvir críticas a esta Lei. Para entendê-la é preciso praticar um exercício duro, que é o de se colocar na pele do outro.

Um jovem que vive com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita não pode acessar cursinhos de língua estrangeira, não participa de bancas de reforço, não mora bem e não consegue sonhar com um futuro tão distante quanto o de amanhã de manhã. Isso ocorre porque as necessidades básicas destes jovens não são satisfeitas. Ele não acessa a escola apenas para aprender, mas essencialmente para se alimentar. A merenda é por vezes a única refeição disponível para ele. E ele teme os recessos de fim de ano porque férias para ele significa fome. Famílias de baixa renda costumam ser também grandes, e o abandono para estes jovens é constante.

Sem uma roupa decente, sem um sapato, sem uma cama para dormir… Para eles, o desprezo da sociedade é constante. Ao invés de voltar da escola para casa, eles vão aos sinais de trânsito para conseguir algum dinheiro que o permita comprar o pão. E eles são humilhados… Com o tempo se sentem ainda mais marginalizados. Ao invés de comprar o pão, a droga lhes parece muito mais atrativa. E quando se entra neste mundo… Adeus educação. Nem a merenda da escola resolve.

E no meio de tantas fugas e capturas, alguns poucos jovens pobres conseguem concluir seu ensino médio, repletos de lacunas e pontos fracos. Eles ainda sonham – aquele sonho fraco e sem cor – com um futuro digno pela educação e conhecimento.

E a sociedade vem e cospe em seus rostos mais uma vez que eles devem concorrer em condições de igualdade com qualquer filhinho de papai.

Em que parte da história a vida de um filho de classe média se parece ao do povo pobre deste país? Onde que eles estudaram em igualdade de condições? Quando a barriga do menino pobre roncou menos que o filho do médico ou advogado?

Não há réguas iguais para medir alturas tão diferentes. Igualdade de oportunidade existe quando se compreende que situações diferentes não são comparáveis.

O filho de pobre que chegou ao fim de uma saga quase impossível para ele (concluir o ensino médio sonhando com a universidade) não pode ser tratado como qualquer um. Ele é diferente. Ele tem potencial. Ele venceu. A cota é o começo do reconhecimento de tudo isso. Cota é justiça.

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Leia o texto anterior: O fim das interrogações

Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).

Helinando Oliveira

Uma resposta para “A lei de cotas: sentindo na pele”

  1. Mônica Tomé disse:

    Helinando, e em Universidades como a Univasf – que teve o marco zero, anterior as cotas – essa política mudou a CARA da Universidade. É lindo ver!
    Mas, como toda política pública é preciso de.oitras para torná-la plena. E a assistência estudantil é fundamental!
    Que possamos comemorar as conquistas e continuar na luta pela plenitude dos processos!!!

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