Uma reflexão sobre o papel da advocacia enquanto direito de todas e todos e indispensável garantia para o acesso à justiça
Por Marilene Batista
A advocacia não é profissão de covardes.
(Sobral Pinto)
Do Grego epigrafhé, esta frase revela algo fundante neste pequeno texto: a advocacia é, em si, uma profissão que exige sempre uma postura enérgica. No caso do direito penal, é a ultima ratio entre o réu e uma eventual pena proveniente do exercício do poder punitivo estatal. A advocacia criminal traz em seu bojo, quase que naturalmente, um certo estigma. É o ofício do “defensor de bandido”. O quadro ainda consegue piorar: quando se é mulher advogada, tal “ranço” pode alcançar níveis mais cruéis e inviabilizadores do exercício de uma profissão legitimamente regulamentada (lei nº 8.906/1994 – dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil/OAB).
Essencial ao exercício da democracia, a advocacia é uma ferramenta que serve à sociedade. É um direito da pessoa humana, pois está ligado, de forma direta, ao acesso à justiça, sem o qual, não há como concretizar a dignidade humana. De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 133: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (BRASIL, 1988). A militância criminal, recorrentemente, é mal interpretada, até porque, a ideia que a sociedade tem é de que a lei penal só se aplica ao criminoso, ao bandido. Quando, na verdade, ela tem por destinatários seus membros. Qualquer um que se enquadre na conduta penalmente tipificada sofrerá seus efeitos e punições. Se for dirigir, não beba! Se beber e dirigir, infringirá o art. 306 do Código de Trânsito Nacional e, será submetido a uma ação penal. Prática comum a vários indivíduos em sociedade, é um crime tipificado na conhecida Lei Seca.
Em toda e qualquer ação penal, a defesa técnica é obrigatória para o Estado e um direito do acusado: Art. 261, Código de Processo Penal: Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor (Brasil, 1941). Garantida pelo devido processo legal, representa um dos direitos humanos previstos na Constituição e em diversos diplomas de direito internacional. A dispensa do advogado, seja público ou particular, só é possível em alguns poucos casos, previstos na legislação brasileira. O exemplo mais comum, é o Juizado de pequenas causas, na esfera cível, em ações cujo valor seja até 20 salários mínimos vigentes no Brasil. Ou seja, além de fundamental à democracia, é essencial à Justiça. É meio de garantir que os direitos dos indivíduos em sociedade serão exercidos, nos limites e possibilidades previstos em lei.
A despeito disso, o tratamento dado xs advogadxs, principalmente, pelas polícias, é muito duro e desrespeitoso. A visão que aparentam ter de nós, chega a criminalizar nossa profissão. O modo de revistar, o tom das falas, os olhares, tudo isso nos acua, diminui, humilha. É preciso ter uma postura que garanta o respeito – sempre! – e, também, nos tire desse limbo, dessa sujeição. O quadro geral se agrava quando somos mulheres. Ser advogada criminalista exige de nós muito mais esforço para cativar esse respeito, devido a todas as profissões. Já tive que ouvir sugestões de que tipo de sutiã que “devo” usar; os adornos que escolho para compor minha indumentária, enfim! Uma total violação não apenas da advogada, mas, da minha própria dignidade.
Podemos ter uma noção do que seja justiça. Podemos, enquanto sociedade, pensarmos que o pior sempre deveria ser o destino dos “bandidos”. Contudo, esquecemos que esse “bandido” é membro da nossa sociedade e que, enquanto tal, tem os mesmos direitos. E, para que exerçam esta faculdade, a defesa do advogado é imprescindível. É um ofício legalizado no qual não se confunde defesa de direitos com práticas delituosas. A defesa não é do crime… Mas, do conjunto de direitos de quem os pratica; não é a defesa do delito, porém, da própria lei, que prevê esse rol de direito e, portanto, da própria sociedade. Não é por sermos mulheres que somos menos profissionais ou “mais bandidas”. É necessário separar estas práticas e compreendermos que este tipo de preconceito ou machismo nos afeta em todas as profissões.
Se a advocacia não é profissão para covardes, para a mulher, é profissão digna de heroínas!
*Marilene Batista é professora, advogada e Mestra em Direito pela Universidade Nova Iguaçu (UNIG).
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“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.
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