Longe dos cenários catastróficos, Gláucio Brandão propõe uma convivência harmoniosa entre humanos e robôs
Na última quarta-feira, 14.08.2019 a.d., tive a honra de receber na inPACTA – que ficou singela frente aos magos da TMED -, meu guru da economia, Amando Guerra, e meu orientador tecnológico – o cara que me apresentou ao processador Atmel – o físico da computação Antônio Carlos, carinhosamente chamado de “Maninho”. O terceiro elemento da TMED, Lula Portela, o homem que passou pra mim o vírus do empreendedorismo inovador, coincidentemente no ano que lançaram Matrix – 1999, não pode estar presente. De certo modo, ainda bem, pois a inPACTA não suportaria tamanha carga de inovação multidisciplinar. Para completar o encontro, nosso mestrando-professor-Pardal Anderson Freire, chegou para dar o tom da conversa com o dispositivo motivo do encontro.
Não vou me aprofundar no tema da discussão que tivemos lá, pois talvez seja transformado em um NDA, Non-disclosure agreement (acordo de não divulgação). Esse enredo todo foi só pra dizer que o mote para este artigo surgiu de um resumo feito na reunião por Amando, no qual ele falou em uma mesma frase as palavras revolução industrial, sustentabilidade e customização. Disso a TMED entende pois, em 25 anos de existência, está em mais de 700 hospitais no país.
Para uma cabeça inquieta como a minha, aquilo caiu como um raio de Shazam. Quase que perdi o fio da meada, mas consegui retornar a tempo. E, sendo o professor da disciplina de TRIZ – Teoria para Resolução de Inventiva de Problemas, disciplina que eu mesmo inventei, diga-se de passagem -, que tem por objetivo levar as pessoas a desenvolverem contradições administrativas, físicas ou técnicas, cuja saída obrigatória se dá pela criação de uma inovação, não poderia perder a chance. Guardei as palavras do homem pra depois juntar tudo, tentar debugá-las e ver se consigo entender o atual momento; em fazendo isto, ousar passar minha visão de mundo atual, via lente da TRIZ, sobre o porquê de a Inteligência Artificial, ou IA, ser inexorável. Assim, nessa aula condensada de número 56, irei de Thomas Robert Malthus ao IBM Watson para defender meus argumentos. Garanto que será uma boa “viagem”!
Malthus, o pai da Demografia, e a Revolução Industrial
O Ano é 1798. Malthus publica sua obra sociológica e demográfica anonimamente: “Um Ensaio sobre o Princípio de População”. Nela, cuja fonte são as estatísticas disponíveis em seu tempo, ele tira a conclusão de que “a produção de alimentos só cresce em progressão aritmética, enquanto a população tem a tendência de aumentar em progressão geométrica”.
A consequência inevitável dessa proporção, segundo Malthus, seria “uma crescente miséria das grandes massas de população: pobreza extrema e fome permanente. Quando esses males chegam ao auge, a própria natureza intervém, corrigindo-os por meio de guerras, epidemias, etc., reduzindo violentamente a população”. Nada romântico!
A solução, segundo o bondoso sacerdote da Igreja anglicana seria, contudo, “não esperar essas catástrofes”. Suas belas sugestões: “negar às populações toda e qualquer assistência (hospitais, asilos etc.) e aconselhar-lhes a abstinência sexual para diminuir a natalidade”. Acho que o espírito do “doce” Malthus ainda anda pelo SUS e pela China…
Mas o que Malthus não contava era com a Revolução Industrial. Vou pedir a vocês licença para replicar o texto da Wikipedia sobre ela, pois tá massa:
“Revolução Industrial foi a transição para novos processos de manufatura no período entre 1760 a algum momento entre 1820 e 1840. Esta transformação incluiu a transição de métodos de produção artesanais para a produção por máquinas, a fabricação de novos produtos químicos, novos processos de produção de ferro, maior eficiência da energia da água, o uso crescente da energia a vapor e o desenvolvimento das máquinas-ferramentas, além da substituição da madeira e de outros biocombustíveis pelo carvão. A revolução teve início na Inglaterra e em poucas décadas se espalhou para a Europa Ocidental e os Estados Unidos.
A Revolução Industrial é um divisor de águas na história e quase todos os aspectos da vida cotidiana da época foram influenciados de alguma forma por esse processo. A população começou a experimentar um crescimento sustentado sem precedentes históricos, com uma boa renda média. Nas palavras de Robert E. Lucas Jr., ganhador do Prêmio Nobel: “Pela primeira vez na história o padrão de vida das pessoas comuns começou a se submeter a um crescimento sustentado … Nada remotamente parecido com este comportamento econômico é mencionado por economistas clássicos, até mesmo como uma possibilidade teórica”.
Podemos dizer então que a Revolução Industrial “matou” Malthus. Ainda bem: não tenho como lamentar isso.
O primeiro mote colocado por Amando fica aqui delineado. Vamos ao segundo!
Sustentabilidade
Saltando a 2ª Revolução Industrial, pois foi contígua à 1ª e de difícil separação do ponto de vista tecnológico, viés que estou abordando, chegamos à 3ª Revolução Industrial. 3ª RI, para os íntimos!
Vou “filar” outro trecho da Wikipedia, pois está muito bem escrito e lá não há espaço para amadores. Segue:
“A Revolução Digital, também conhecida como a Terceira Revolução Industrial, refere-se aos processos associados à passagem da tecnologia eletrônica mecânica e analógica para a eletrônica digital, iniciada entre o final dos anos 1950 e o final dos anos 1970, com expansão do uso de computadores digitais e a constituição de arquivos digitais, processo que segue até os dias atuais. Implicitamente, o termo também se refere às mudanças radicais trazidas pela tecnologia digital de computação e comunicação a partir da segunda metade do século XX. Analogamente à Revolução Agrícola e à Revolução Industrial, a Revolução Digital marcou o início da Era da Informação”.
Nesse embalo digital, muito bem descrito por Moore, a tecnologia fez nascer a Internet. De Henry Ford à grande rede, o mundo começou a mostrar-se, além de viável – contrariando Malthus – e a buscar o aspecto sustentável, dada à “eficientização” dos processos obtidos, o aprimoramento de seu corpo de ações com a advento da Gestão da Qualidade, e global, graças à nuvem. Não a de vapor d’água, mas a feita de silício. E aí eu pergunto: se é tão pesada, por quê chamam de nuvem? É outra história…
Mas como tudo que é bom faz com que queiramos mais, à medida que a sustentabilidade começa a ficar intrínseca ao nosso way of life, o Mercado é forçado a modificar-se novamente. Ninguém quer mais o produto, processo, serviço – vou abreviar daqui pra frente por PPS – igual ao do vizinho. “Quero ter um PPS exclusivo!”. E foi nesse ponto que Amando fez com que uma descarga elétrica disruptiva atingisse o meu frontalis (antes que mentes prodigiosas pensem em maledicências, falo do osso da região anterior e média da calota craniana): “Como posso massificar algo mantendo, ao mesmo tempo, a exclusividade do PPS?”. Em termos empreendedores, a pergunta seria: “Como posso escalar customizando?”. Consegui então a minha contradição técnico-administrativa, pois “escala” e “exclusividade” são coisas antagônicas. Posso aplicar a TRIZ, pois sei que a solução será disruptiva! Massa, né não?
Aplicando a TRIZ e obtendo a resposta inovadora inexorável!
Na visita que fiz à Jeep , validei exatamente a solução para a contradição imposta: a fábrica constrói, em uma única linha, qualquer um dos três modelos de carro, Compass, Renegade e Toro, aleatoriamente.
Já perceberam onde eu quero chegar, né? Sim, a única forma de entregar 1000 carros por dia se dá por causa da transformação digital imprimida ao processo fabril. A velocidade com que as máquinas aplicam as respectivas peças em um dado modelo que entra ao acaso só pode ser conseguida com muita inteligência. Juntando: velocidade, inteligência, rotina e erro zero, a única resposta possível é sobrenatural. Sacou?
Logo, montar a contradição para poder encontrar a inovação do oxímoro “escalar customizando” só tem uma única resposta: a Inteligência Artificial! Nem Genrich Altshuller, o criador da TRIZ, pensou nisso. Duvido!
Eis aqui o terceiro argumento, Amando e Maninho!
Na vendinha de seu Zé!
Imaginem uma loja pequena, com cerca de 10 mil itens. Toda vez que o cliente A vai à venda em determinado turno, compra bananas, leite e polpa de tangerina. Um cliente B, por sua vez, leva feijão, arroz e carrinhos hotwheels. Em determinado momento, de outro dia, para ficar apenas em dois clientes, os pedidos se alternam.
Para o costumeiro software CRM, Customer Relationship Management, os clientes A e B são a mesma pessoa pois, em um dado período de tempo, pedem os mesmos itens. Para a IA, ou um Business Intelligence, não! A IA é capaz de aprender que a diferença do momento da compra tem um significado. Assim, quando o cliente A entrar na loja no horário que compra bananas, leite e polpa de tangerina, a IA entende que o cliente deseja fazer vitamina, por exemplo, e pode oferecer em uma mensagem de push em seu celular um complemento para fazer sua vitamina mais substanciosa, ou trocar um dos itens, ou oferecer um abatimento se ele levar itens casados. Pode, além disso, adiantar que no turno que ele geralmente compra feijão terá uma promoção de carne de porco (foi mal, veganos!), e oferecer uma live de um chefe de cozinha no celular do próprio cliente, preparando uma feijoada e chamando o cliente pelo nome, impulsionando a compra de outros itens. Toda informação foi adquirida através do cartão do cliente, quando ele fez a primeira compra na budega. Imaginem a eficiência da lojinha com esse processo altamente just in time e a experiência oferecida aos clientes? PPS exclusivíssimos, com o CPF do cabra escrito, literalmente! Olha a dica aí, pessoal do Furnas Top Carnes. Imaginem seu Zé com 100, 200 clientes fiéis à loja, fazer essas observações via cadernetinha? Exponencialmente impossível!
Aí ele pensa: “Isto está longe de eu, Zé, numa lojinha em Passa-e-Fica, atingir tamanho grau de sofisticação. Pobre de mim!”. Aí a IBM diz: “você pode utilizar os serviços gratuitos do Watson durante um tempo. Se gostar, a gente tem um precinho supimpa para você. E o Watson ainda faz mais do que isso”!!!
Competição difícil
Customizar vai além de montar coisas ou oferecer serviços exclusivos. Entender rapidamente um contexto multivariável, com dezenas, milhares de requisitos e definir uma linha de ação em um atmo de tempo é fazer o contrário, é deduzir! Poder antecipar escolhas de clientes, como mostro em Economia de Predição: o novo modelo de negócios, é abduzir. Sugerir compras, é induzir. A IA é capaz, portanto, de executar as três principais formas de raciocínio lógico para muitos cenários quase que em um mesmo tempo. Não dá para competir!
É nessa linha que os bots já estão acabando com advogados, contadores e sendo desenvolvidos para a área da educação. Em breve também estarei obsoleto. As máquinas estão evoluindo, xará. A 4ª Revolução já começou… É inexorável! Portanto, contate logo um nerd de plantão!
Últimas palavras
Há algum tempo, poderia-se dizer que este artigo saiu um pouco do tradicional e descambou para a ficção. Mas, olhando para tudo o que está acontecendo, posso agora responder à questão “como eu poderia montar um problema de contradição utilizando homem e máquina?”. E a resposta, agora, começa a ficar óbvia. Teremos de juntar, de alguma forma, o carbono (nós) e o silício (elas, as máquinas). Creio que Asimov vai vencer. Nós, Robôs!
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Leia a edição anterior: Presente-se: um modelo para a universidade empreendedora
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Gláucio Brandão
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