A inteligência artificial deve ser nossa parceira, para isso precisamos de uma educação objetivada, proativa, baseada em criatividade e recheada de experimentos
Muitas de minhas ACs falam sobre a famigerada inteligência artificial (IA), uma vez que ela, segundo muitos, é a provável substituta – e, portanto, inimiga Nº #1 – dos trabalhos perigosos, previsíveis, repetíveis ou onde pouca criatividade seja exigida. Em minha visão, se um determinado trabalho reúne todas estas características não é um trabalho, mas apenas uma tarefa…e enfadonha. Não há ser humano que consiga repeti-la por inúmeras vezes e não saturar a cabeça, tronco e membros; erros e/ou ineficiência serão as consequências em algum momento. Tem de ser feito por uma máquina mesmo. E será! Pesquisas apontam 47% dos empregos nos EUA como passíveis de substituição por máquinas inteligentes. Portanto, se impacta em postos de trabalho, “mexeu com nós”, e nada como o empreendedorismo inovador para dar o recado correto.
Voltando às ACs sobre IA, filosofei que ela seria uma de nossas próximas feridas narcísicas, que escreve textos melhores do que nós e, como se não bastasse, tem capacidade de predição. Com todo esse currículo, cogita-se que não há como detê-la mas, se quiséssemos tentar, teríamos que começar repensando nossas profissões, o que está diretamente vinculado ao tipo de educação que precisamos aprender, uma vez que nossa heurística natural ainda não foi sequer imitada. Exatamente por este fato heurístico, resolvi escrever essa AC para deixar explícito e em um só lugar, o que há de comum em todos os textos anteriores, e o porquê de eu não acreditar que muitas aplicações mencionadas em Inovações hipertrofiadas – carros autônomos, sistema bancário totalmente descentralizado, meta-universos e até que empresas terão uma máquina/sistema de AI como membro de seu conselho de administração até 2026 etc. -, não acontecerão eficazmente enquanto eu estiver na nave Terra. Acompanhem-me, please!
Conceito de inteligência
Mainstream Science on Intelligence, assinada por cinquenta e dois pesquisadores em inteligência (de 131 cientistas convidados), em 1994 (Wikipedia):
“Uma capacidade mental bastante geral que, entre outras coisas, envolve a habilidade de raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar de forma abstrata, compreender ideias complexas, aprender rápido e aprender com a experiência. Não é uma mera aprendizagem literária, uma habilidade estritamente acadêmica ou um talento para sair-se bem em provas. Ao contrário disso, o conceito refere-se a uma capacidade mais ampla e mais profunda de compreensão do mundo à sua volta – ‘pegar no ar’, ‘pegar’ o sentido das coisas ou ‘perceber’ uma coisa.”
Da revista Espacios, várias:
A humanidade (adjetivo) começa por um “por quê?”
Como vamos falar de IA, precisei do conceito referente ao “I”. O trecho anterior é o apanhado dos 15 primeiros que acessei na WEB, utilizando as palavras-chave “conceito de inteligência”. O que achei curioso: em nenhuma das definições que alcancei está explícito “capacidade de fazer boas perguntas”. Façam o teste! Ok, alguém pode dizer que isto está implícito em “raciocinar”, “resolver”, “pensar”, “compreender”, “experimentar”, “aprender”, “escolher”, “extrair” etc., e outros verbos que se usam quando se quer definir inteligência. Para mim não! Pode-se executar qualquer um destes verbos sem se questionar um vintém! O mindset só se mexe de forma diferente quando esbarra em algo que não compreende, momento em que reage perguntando “por quê?”.
Por sermos educados (leia-se “adestrados”) a buscar respostas, o que convencionalmente é entendido como sinônimo de “buscar soluções”, muitos de nós aprendemos a agir apenas assim: quando um obstáculo nos é imposto, procuramos em nosso arquivo mental-experimental uma possível resposta previamente armazenada para tal empecilho, a que melhor se encaixe, o que é muito mais cômodo, ao invés de tecer uma nova solução que, com certeza, será um produto de uma nova pergunta. Escolher, ao invés de construir, é o melhor caminho para cristalizar o cérebro e torná-lo preguiçoso. Ao se criarem perguntas, pode-se atingir o limite em que não haja respostas triviais. Nesse ponto, alcança-se uma boa pergunta!
Quer ver só uma coisa? Pay attention: Já reparou que os pais geralmente perguntam “o que você aprendeu hoje?” ao invés de “qual boa pergunta você fez hoje?”. Notou que existem concursos (vestibulares, gincanas, provas e até testes de QI) que exigem respostas mas não que se crie perguntas? Você já fez algum exame do tipo “encontre a melhor pergunta para esta resposta?”. Quantos caminhos não seriam abertos, inclusive para quem aplicou o teste? Que à medida que envelhecemos questionamos cada vez menos e – vejam só que coisa! – ficamos cada vez menos criativos? Será que existe alguma tese nessa linha? Vou lançar uma, então: “A criatividade é diretamente proporcional à quantidade de bons por quês”. Massa, né não? E por que falei em criatividade? Vou deixar primeiro George Scialabba responder: “Talvez a imaginação seja apenas a inteligência se divertindo”, e a alteração feita por Albert Einstein ratificar: “A criatividade é inteligência se divertindo”.
Nos acostumamos a buscar pelo mais confortável, respostas prontas, daí a proliferação de fake news com força: “veio assim, então deve ser verdade!”. Passamos a vida toda como nossos antepassados, caçando e coletando respostas, não criando soluções. Aprendemos, no máximo, a sermos reativos, coletando ou caçando o que está armazenado no “cabeção”, ao invés de criar algo, exatamente e somente, vejam só, como faz a IA. Um “por quê”, além de reativo, envolve dúvida, abstração, simulação, raiva, gasto de glicose e proação, tudo o que estimula o surgimento de novas sinapses, novos caminhos, novas árvores de decisão. Claro que existem outros disfarces para o “por quê?”: como, quando, onde, quem, quanto etc. Para mim, o coadjuvante, que eu muito aprecio, vem na sequência “E se…”. A IA não está nem perto de fazer essas coisas.
Explainable AI, IA e ML
Em Híbridos, onde proponho que a solução para o Dev drain, o apagão tecnológico e a eliminação de postos de trabalho passa pela capacitação híbrida (o que você quer/gosta + aprendizado de IA intensivo em sua área), também apresentei o conceito de Explainable AI, um protótipo de IA capaz de programar códigos externos e se auto programar. Opa, peraí! Se a empregabilidade já tá complicada, imagine se até os raríssimos DEVs tornarem-se desnecessários?
Na acepção da palavra, a IA não possui inteligência, pelo menos que se compare à humana, como exposto acima. O que existe, de fato, é um aprendizado de máquina ou ML, machine learning, “algoritimos de Machine Learning são criados a partir dos dados que serão análisados e as repostas (ou resultados) que se esperam dessa análise; no final do processo o sistema cria as próprias regras”. Observe que até mesmo a IBM não arrisca dizer que há inteligência por trás disto… E há: a humana apenas.
Coisas como “Gostou dessa tinta, ou prefere aquela? Acho que seus olhos combinam mais com o castanho claro…”. “Se eu atropelar aquele humano, será que meu Dev será preso?”. Na primeira situação, a IA varreria um grande big data em milissegundos e sugeriria a maior opção estatística e, claro, aprenderia também com mais esta escolha. Na segunda, “leria” na Internet sobre acidentes de automóvel (a IA do carro não sabe o que é atropelamento; ela só questionaria um erro ou mudança de programação – por um hacker, por exemplo). Ela “sabe” que foi desenvolvida, pois em algum ponto de suas linhas de código a reinicialização aponta para um cabeçalho. Lá estão todos os dados de sua concepção (eu fazia isto quando desenvolvia produtos, para minha garantia). Assim, no “cabeçalho” está o culpado, e, por simples associação, quem sofreria a pena. Então, por não saber criar perguntas, o que exigiria algo perto de uma consciência (conceito ainda nebuloso), a IA apenas simula comportamento inteligente utilizando a ML. Esqueçam esse mito de que há uma inteligência própria. Pelo menos por enquanto.
Qual o caminho para vencer a IA?
Educação, educação e mais educação! Só que da forma correta: objetivada, proativa, baseada em criatividade e recheada de experimentos, com os “por quês” como amálgama para todos estes elementos. Aí começaremos a criar profissões que dependerão do cérebro humano, não apenas do tronco e membros. Ensinar a perguntar não é simples; tanto que não é feito. Ao conseguirmos isto, abandonaremos as simulações de comportamento inteligente e passaremos a sê-lo. Temos de deixar de programar nossos pupilos. E se faltava a ferramenta, temos agora a melhor do milênio. Imagine uma solução, uma plataforma, que por meio do uso intensivo de IA ensinasse a fazer perguntas; entendesse o portfólio do usuário, apontasse as lacunas e ensinasse a ele próprio, e por meio de “por quês?”, a completá-las? Para não dizer que não existem caminhos, eu conheço e aposto pesado numa galera, que tem potencial para virar este jogo: o pessoal do Aula Zero. Portanto, não se trata de vencê-la, mas utilizá-la como parceira.
Finalizando…
Aparentemente, a IA tem um grande abismo a ser vencido: aprender a criar perguntas. Nós, entretanto, temos um ainda maior: trabalhar a IN, inteligência natural, para que deixemos de apenas simular comportamentos. Quando essa consciência chegar, perceberemos que o tempo todo estávamos competindo com nós mesmos, e reduzindo as oportunidades por nossa própria cegueira.
Referências:
substituição por máquinas inteligentes. (https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-08/inteligencia-artificial-e-o-impacto-nos-empregos-e-profissoes)
Revista Espacios (https://www.revistaespacios.com/a17v38n50/a17v38n50p25.pdf)
Explainable AI (https://arxiv.org/abs/2107.07045)
ML, machine learning (https://www.ibm.com/br-pt/analytics/machine-learning)
Aula Zero (https://www.redbull.com/br-pt/basement-2020-aula-zero)
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Leia a edição anterior: O paradigma do cliente e a evolução de João
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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