Helinando Oliveira fala sobre a Green Science – a ciência feita com materiais alternativos que não agridem o planeta, como a membrana da casca do ovo usada em supercapacitores
Um jornalista entrevistava um cirurgião pela rádio e em meio às perguntas surgiu:
– Doutor, é verdade que as próteses nacionais duram cinco anos enquanto que as importadas duram 15?
O médico de imediato respondeu:
– Completamente verdadeiro. Você já comparou a qualidade de um carro nacional com um importado? Com as próteses é a mesma coisa. As importadas são muito melhores.
Ao ouvir estes e outros comentários, que baixam ainda mais a nossa autoestima, penso: até quando a grama do vizinho será mais verde que a nossa?
Para produzir bons materiais precisamos importar os consumíveis. Ao fazer isto, estamos financiando a pesquisa das grandes potências e em certa medida aumentando a nossa dependência junto a elas. A zona de conforto para todo cientista que produz novos materiais é ter à disposição o reagente de mais alta pureza para reproduzir o que está relatado na literatura.
Mas… E quando falta dinheiro?
Sempre estarão disponíveis duas opções: desistir ou fazer diferente. Obviamente é mais fácil desistir. O caminho mais árduo vem pela resistência. Resistir contra o avanço do neoliberalismo em nosso quintal, lutar contra o fim da Universidade pública, alimentar a ciência.
Alimentar a ciência…
Mas, como podemos alimentar a ciência se a sua ração (insumo) é importada e cara? Precisamos, neste caso, improvisar. E, seguindo este caminho, descobrimos o quanto de ciência pode ser feita com materiais alternativos: células solares com aditivos do bioma caatinga, sensores à base de esponja de cozinha, adsorvedores bacterianos à base de líquens, supercapacitores à base de casca de ovo…
E no meio deste processo começamos a nos envolver com os conceitos da economia circular. Entendemos também que a cadeia linear produzida pelo homem não é sustentável. O reagente importado é usado e até o seu frasquinho vira lixo. A aplicação de rejeitos no desenvolvimento de novos materiais (assim como o reaproveitamento dos mesmos para reinvenção de outros) mimetiza aquilo que a natureza nos ensina: no ciclo da vida tudo é reaproveitado. A indústria humana (de produzir lixo) tem tornado a vida no planeta ainda menos viável. Resta aos sobreviventes produzir ciência com o que sobrar.
Sim, precisamos de mais praticantes da economia circular no planeta. Se por acaso bater uma insegurança por usar rejeitos como insumos, pode dizer que pratica a Green Science. Talvez os fabricantes de insumos não gostem, mas certamente o planeta agradecerá. Enfim, o nosso gramado (que não é de plástico) será mais verde do que o do vizinho.
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Helinando Oliveira