A goleada que sofre a ciência nacional: o tesourômetro mostra que, até agora, 7×1 foi pouco! Coluna do Jucá

quinta-feira, 14 setembro 2017

Coluna do Jucá estreia mostrando como o Brasil pode aprender com a estratégia alemã de investimento em excelência científica

Agora em setembro, o Observatório do Clima publicou um texto, no qual compila dez sugestões do que poderia ser feito pelo meio ambiente com os 51 milhões atribuídos ao ex-ministro Geddel Vieira pela Polícia Federal. Realmente, daria pra fazer muita coisa! Dentre as 10 sugestões apresentadas pelo Observatório, as minhas três preferidas seriam: 1) Instalar 17 mil painéis fotovoltaicos em casas populares; 2) Reflorestar área equivalente a 5.000 campos de futebol na Mata Atlântica e 3) Pagar até 12 anos de pesquisas em biodiversidade. Acredito que seja mais do que inusitado para muitos sugerir o uso dessa quantia milionária em prol da ciência nacional, porém eu seguiria, dentro dessa perspectiva (utópica), sugerindo ainda que se investisse em conservação, manejo e pesquisa do bioma Caatinga!

E por falar em verba para a Ciência, um instrumento que mede “a redução das verbas da ciência”, o Tesourômetro, foi inaugurado na UFMG durante a 69ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que aconteceu em Belo Horizonte, ainda no mês de julho. Essa iniciativa faz parte da campanha “Conhecimento Sem Cortes” conduzida por cientistas, estudantes, professores, pesquisadores e técnicos que busca chamar à atenção e mobilizar a sociedade contra a redução drástica do orçamento destinado à pesquisa científica e às universidades públicas.

No Brasil, as verbas destinadas à ciência são oriundas principalmente de financiamento público (CAPES, CNPq, FINEP, PETROBRAS e fundações estaduais). O montante deste, por sua vez, se baseia no interesse e na prioridade que os políticos – tanto do executivo como do legislativo – atribuem ao papel da ciência no desenvolvimento do nosso país. O resultado de 7 x 1 dos alemães sobre o futebol brasileiro traz ensinamentos que vão muito além do contexto futebolístico, os quais poderiam ser extrapolados para o quesito “dinheiro público e ciência”.

Acerca desse quesito, um artigo de 2013 intitulado “Alemanha: igualdade ou excelência” apontou que o ministério da Pesquisa, Educação e Financiamento Federal alemão aumentou o orçamento em 60% entre 2005 e 2013, passando de 9 bilhões para 14,4 bilhões de euros (Euros!). Em comparação, em 1995-2005, o orçamento científico alemão aumentou apenas 7,5%. Isso explica porque as universidades alemãs tinham uma fuga de cérebros, o que fica evidente pelo fato de que quatro cientistas alemães que ganharam o prêmio Nobel entre 1998 e 2001 estavam trabalhando nos Estados Unidos na época do prêmio.

Primeira ministra alemã Angela Merkel. Foto: Nature (The secret to Germany’s scientific excellence)

Pensando nisso e, torcendo para que os bons ventos continuem impulsionando a pesquisa no país, a comunidade científica alemã está com a atenção voltada, nesse mês de setembro, para as eleições legislativas do dia 24. A atual primeira ministra alemã, Angela Merkel, poderá se tornar pela quarta vez consecutiva a chefe do executivo (a chanceler federal ou primeira-ministra), caso vença esse pleito. A bola da vez parece estar com Merkel que vem investindo maciçamente na ciência do País há 12 anos. O sucesso e a expectativa quanto ao resultado das eleições são tão grandes que, a prestigiada revista científica Nature lançou, agora em setembro, dois artigos e um editorial abordando o sucesso científico alemão.

Um dos artigos publicados na Nature, sobre “O segredo da excelência científica alemã”, começa instigando o leitor a questionar algum dos pesquisadores alemães acerca do reflorescimento da base científica de seu país. Logo em seguida, o editorial afirma que a resposta deve envolver a chanceler Angela Merkel. Segundo o diretor do Instituto Max Planck de Direito Tributário e Finanças Públicas em Munique, Wolfgang Schön, as razões por trás do sucesso da Alemanha vão além dos orçamentos científicos ou algum tipo de “efeito Merkel” (Merkel effect). O país tem profundas raízes científicas. Basta ver o caso da própria Merkel que, além de cientista com graduação em Físca e Tese de doutorado na área de Físico-Química, trabalhou como pesquisadora e publicou vários trabalhos científicos.

Segundo o texto, essas raízes científicas profundas permitiram que, mesmo durante uma década de turbulência financeira global, o governo alemão aumentasse os orçamentos científicos anuais de forma estável e previsível (Bingo para eles!). Essas ações têm consolidado cada vez mais o país como um líder mundial na área de energias renováveis e clima e isso, sem perder o foco de forte apoio à pesquisa básica. Como consequência, o impacto nos mais diversos setores tem sido positivo, o que tem atraído pesquisadores das mais diversas partes do mundo para o país, quando antes tinha-se como destino certo os EUA e o Reino Unido.

O texto revela ainda “outro segredo”, uma das contribuições científicas mais significativas de Merkel, o suporte ao programa “Iniciativa de Excelência”. Este foi projetado para produzir universidades internacionalmente reconhecidas no país para rivalizar com universidades do Reino Unido e dos EUA. O programa foi lançado em 2005 e, ao longo da última década, já distribuiu 4.6 bilhões de euros (US$ 5 bilhões) à Iniciativa de Excelência, cujos destinatários – atualmente 11 universidades – recebem o status de excelência. De acordo com o texto, as instituições de “elite” recebem em média 400 milhões de euros por ano. Não é uma grande quantia quando considerado que, em 2013, as universidades alemãs gastaram 9,8 mil milhões de euros em pesquisa e desenvolvimento, mais do que o dobro da soma que o programa de iniciativa de excelência distribuiu ao longo dos seus 12 anos.

Foto: Nature (Germany hits science high)

Já no artigo “Excelência acadêmica: Alemanha dourada” consta uma análise feita por outro editorial (Nature 525, 168-169; 2015), relatando que as universidades “top” da Alemanha – a “elite” da iniciativa de excelência – produziu 35% da produção científica total do país, enquanto em 2002 esse percentual representava 29%. E de todos os artigos publicados por autores alemães, um quarto está entre os 10% mais citados do mundo. Há 15 anos esse número era de um sexto. A melhora nos indicadores de algumas universidades de pesquisa menos conhecidas – envolvidas na Iniciativa de Excelência – mostram que, essas instituições já estão rivalizando com as principais instituições do país. O governo decidiu em 2015 continuar a Iniciativa de Excelência, agora conhecida como Estratégia de excelência. O pleito desse mês dirá se realmente a iniciativa continuará ou não, se depender do editorial da Nature, Merkel merece outro mandato como chanceler alemão!

Resumo da bonança: a Alemanha mais que duplicou o número de jovens cientistas estrangeiros desde 2006; os investimentos alemães em pesquisa e desenvolvimento têm aumentado de forma constante em relação ao produto interno bruto (PIB); a maior competitividade entre as universidades alemãs e também as colaborações com os seus institutos de pesquisa tem elevado sobremaneira o impacto das pesquisas em escala global; e na área industrial as patentes crescem a toque de caixa.

Não dá para comparar a história científica, social, econômica e política de Brasil e Alemanha, é verdade! Mas dá para aprender com os bons exemplos. O Tesourômetro mostra que estamos sofrendo uma goleada bem maior do aquele 7 x 1. Vale lembrar que, a nossa disputa não é contra os alemães, mas sim contra aqueles que permitem que o Tesourômetro continue registrando cortes. A nossa virada só começará quando esse deixar de registrar cortes.

Referências Bibliográficas

Confira a entrevista com Thiago Jucá.

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Thiago Jucá

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