Colunista explica que é possível modelar qualquer tipo de sistema envolvendo pessoas, objetos, sentimentos, culturas e muito mais
O coração do empreendedorismo inovador é científico, mas não necessariamente acadêmico. Vou mostrar nessa aula condensada Nº 78 – aula que envolve mais física do quê todas as anteriores, a qual garanto que vocês nunca tiveram parecida na escola – o quão simples é fazer uso de conceitos físicos e, de quebra, aposto ainda que vocês vão gostar. Utilizo essa metodologia na disciplina “Teoria para Resolução de Problemas Inventivos (TRIZ)” – que ministro em nosso mestrado – para inovar nos negócios a partir da modelagem precisa de problemas.
O cerne da TRIZ tem por mantra “Definir o problema, por mais redundante que isso possa parecer, é o maior dos problemas. A solução surgirá como uma consequência”.
Por quê disso? Embora eu ache muito positiva a frase “foque no problema, não na solução”, se o primeiro não estiver bem definido, a solução, que é uma função intrínseca do problema, sairá “troncha”, não importa o quanto se foque nela. O risco que se corre é transformar tudo em gasto de energia e tempo. Assim, se eu pudesse corrigir a frase diria: “Foque primeiro na definição do problema; depois foque na solução”. Há uma diferença entre “focar no problema” e “gostar do problema”. A primeira expressão requer postura profissional. A segunda necessita de um profissional da psicologia ou psiquiatria.
Considerando outro mantra que entoamos em tempos de startup “erre ligeiro e barato para consertar rápido”, aprendemos que o processo de errar “ligeirinho”, que já é uma busca pela solução, tem de estar ancorado em um modelo muito bem definido. Para se chegar a um modelo, precisamos saber a priori como as coisas (produtos ou serviços) funcionam: que partes compõem um dado sistema, do que cada parte é formada e como interagem entre si. Isso explica o título de nossa aula condensada.
Sistema mínimo
No livro “Inventive Thinking through TRIZ” de Michael A. Orloff, encontramos um conceito muito interessante. Lá ele mostra que “qualquer sistema necessita de pelo menos quatro partes funcionais para ser minimamente viável”:
O sistema mínimo pode modelar qualquer produto ou serviço. Vamos aos exemplos:
Produto. Uma furadeira tem de ser alimentada por energia elétrica (energia), a qual é convertida em energia mecânica e transmitida (transmissão) para a broca (operativa), cujo controle da velocidade e intensidade é feito pela mão humana (controle).
Serviço. Um vídeo (parte operativa, aquela que atinge a audiência) tem de ser produzido (energia: RH + dinheiro + tempo) e veiculado (conversão da cena em sinais elétricos e transmissão), a partir de um modelo de negócio/projeto elaborado (controle).
O sistema mínimo não é restringente. Você pode incluir outras partes caso estas não contemplem seu modelo.
Do que as coisas são feitas: Substâncias, Campos e a Su-Field!
Definimos como um sistema mínimo é composto. Para entendermos como cada parte interage, vamos adentrar seus respectivos mundos físicos e entender do que são feitos. E a resposta é simples: massa ou energia! Sim, só isso.
Partindo destes conceitos físicos, a galera da TRIZ mudou a nomenclatura de massa e energia para, respectivamente, Substância e Campo ou Su-Field (do inglês, Substance and Field).
“Substância” diz respeito a tudo que é palpável: animal, mineral, vegetal ou quaisquer combinações. Podem também estar em qualquer estado físico: plasma, gás, sólido, líquido, pó, pasta, gel.
A definição de campo, ou field, é bem ampla. Como queremos quebrar a inércia psicológica, abarcar e modelar áreas além da engenharia – negócios, por exemplo -, field tem de englobar campos além dos tradicionais mecânico, acústico, térmico, químico, elétrico, magnético etc. Entram, então, campos como biológico (Paladar, Audição, Tato, Olfato, Visão; descrevo o PATOV em O Cliente Universal, o emocional (inveja corporativa, raiva do chefe, tristeza por perdas etc.), o estado físico (cansaço, alegria, motivação, por exemplo) e até o ético (moral, cultural, caráter etc.), de modo a se permitir representar tudo aquilo que não seja palpável. Parece impensável, mas um sentimento, uma emoção, um estado de espírito podem “quebrar” um projeto, já que atuam como requisitos não-funcionais. Portanto, devem ser considerados!
Resumindo: qualquer sistema possui, minimamente, quatro partes funcionais, cada uma delas composta por uma substância e/ou um campo. Modelar corretamente um negócio torna possível a descoberta de falhas e de efeitos indesejados, de se gerar ideias e encontrar oportunidades, e, depois disto, concentrar-se na parte mais bonita: a busca pela solução.
Tipos de Interação
A análise de qualquer negócio torna-se efetiva quando a modelagem é bem feita. Já definimos as partes mínimas que o compõe e do que elas são feitas. À luz da análise Su-Field, vamos definir os tipos de interação que podem acontecer em um sistema.
Qualquer sistema (ou parte dele) pode ser caracterizado pela interação de pelo menos duas substâncias(S) intermediada por um campo(F). Vamos chamar S2 de sujeito, aquele que efetua a ação, e S1 de objeto, aquele que sofre a ação. Olhando para a figura que traz os tipos de interação, podemos dizer que no primeiro quadro “o sujeito S2 atua de forma efetiva no objeto S1, através do campo F”. Simples, né não? O mesmo vale para os outros quadros. No segundo quadro, a expressão seria “o sujeito S2 atua de forma prejudicial no objeto S1, através do campo F”. O mesmo vale para os outros quadros, só que alterando o tipo, ou qualidade, da interação.
Aprendido isto, qual é nosso propósito: modelado um sistema, que é composto por várias substâncias, campos e interações, descobrir e identificar as interações prejudiciais, inefetivas ou ausentes e transformá-las em efetivas. O mesmo para as substâncias. Apenas isto! Podemos então substituir as partes funcionais por outras (pode caber aí, por exemplo, uma inovação) ou aprimorar a interação defeituosa mudando o campo.
Juntando tudo em um exemplo simples
Pensando na solução de um problema (buracos, suspensão incomoda, consumo de combustível), você modelou o sistema carro-estrada. Chegou a conclusão que existe uma interação prejudicial entre o carro e o eixo que sustenta a roda, ao mesmo tempo que existe também uma interação prejudicial entre o pneu e a estrada devido ao atrito entre eles. Também que a queima de combustível é inefetiva (o ciclo de Carnot rende menos do que 40%). Depois de vários análises, você sugere: substituir o sistema de suspensão do carro, onde o corpo do carro (S2) atua no eixo da roda (S1) através da mola (campo mecânico), por um eletromagnético, criando uma suspensão mais suave. Mudança de campo. Mais ainda: você pode substituir o eixo da roda por trilhos (S1*). Mudança de substância.
Resultado: como o atrito agora ficou perto de 0N (zero Newtons), você pode converter a parte operativa (transmissão), que antes atuava diretamente nas rodas e utilizava Carnot, para um sistema elétrico com hélices. Com as mudanças Su-Field e parte do sistema mínimo, você cria um carro mais confortável, mais rápido e de menor consumo. Claro que ele só poderá andar sob trilhos, a não ser que você crie um sistema próprio (já tô pensando aqui).
Finalizando
A análise e síntese Su-Field e de Sistema Mínimo são muito mais complexas do que o visto aqui. Pode ser aplicada para modelar qualquer tipo de sistema envolvendo pessoas, objetos, sentimentos, culturas e por aí vai. A intenção desta aula foi apresentar ferramentas e mostrar que vocês possuem condição de abraçá-la. Portanto, dado um problema qualquer, duas são as premissas que tenho comigo. A primeira me diz que se ele pode ser modelado, poderá ser resolvido. A segunda é mais dura: a Física sempre será soberana. Portanto, não force a barra.
Referência:
TRIZ – (https://triz-journal.com/substance-field-models-for-fourth-class-standards/)
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Leia a edição anterior: Fim dos empregos. Começo dos trabalhos!
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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