Tudo se encontra cada dia mais orgânico, forçando os adeptos do Canvas a incluírem ferramentas que meçam a temperatura global de modo quase que instantâneo
Depois que Alexander Osterwalder defendeu sua tese “The Business Model Ontology – A Proposition In A Design Science Approach” , num documento de 172 páginas lá pelos idos de 2004, e a apresentou ao mundo na forma do canvas que hoje conhecemos em 2010, período posterior ao estouro da bolha das PontoCom – que “quebrou mais de 500 empresas e é uma assombração até hoje” -, a feitura de planos de negócios ficou bem mais simplificada. Aliás, esse nome ficou no passado, sendo substituído por “modelo de negócio”. Saía um calhamaço de linhas; entrava um quadro, um desenho.
As empresas nascentes, ou startups, contavam agora com uma ferramenta simples para elaboração de negócios, o que tornou também mais fácil as análises por terceiros, já que os furos ficavam explicitamente expostos, aumentando, por consequência, a velocidade com que verificações sobre custos, receita, nicho e futuro próximo eram feitas, podendo-se evitar, quem sabe, o surgimento de bolhas, pois a ferramenta é apenas um quadro em uma única página. Este design impulsionou o canvas de uma maneira tal que, durante um tempo, canvas e startups pareciam sinônimos.
Entretanto, na semana passada – 20 anos depois do estouro da bolha -, eis que a Nasdaq assombra o mundo na forma de uma explosão da ordem de US$ 9 trllhões, o que fez balançar novamente o berço das PontoCom… Again!!! E, claro, surge a velha pergunta na sequência: o que está acontecendo de igual? Reflita e veja se a pergunta não seria melhor trabalhada se a invertêssemos: o que não conseguimos fazer de diferente?
Já que tudo segue a curva “S” – nascimento, crescimento, amadurecimento e, você sabe, a “marvada” -, será que a era dos canvases está no fim e por esse motivo as startups estão ficando muito parecidas? Ou será que os vários canvases estão perigosamente incompletos? Se sim, pelo que vamos substituí-lo ou acrescê-lo? Esta AC é mais uma especulação a la GBB-San. Você não precisa ir além deste ponto, mas a curiosidade para saber se eu vou escrever “besteira” desta vez te faz progredir. Dê um desconto!
Propostas de valor muito parecidas
Esse barulho, que me fez ler algumas manchetes sobre o assunto, tamborilou nos ouvidos de Feynman e Popper (meus dois neurônios favoritos) e eles começaram a perceber um padrão: no limite, as propostas de valor das empresas no olho do furacão, ou que criaram ele, estão caminhando para a similaridade! Consequência óbvia: produtos iguais levam a clientes iguais (ou produzem clientes iguais). E quando refiro-me a “clientes” de startups, falo na linha do Hyper Cliente, aquele que definimos lá no Business Hyper Canvas: criando modelos de negócios robustos!, o que inclui: usuários finais, fornecedores e, principalmente, investidores.
Vejam só as semelhanças:
Vários canvases
Há muito tempo atrás fui apresentado ao Canvanizer pelo mestre empreendedor latino-americano Albano Rocha. De longe, pelo menos para mim, a melhor plataforma para elaboração de canvas. Lá pode-se encontrar mais de 60 tipos, que vão de empreendimentos sociais a tecnológicos, passando por projetos colaborativos, Zen, ecológicos e até de exercícios futuros. De todos eles, o que mais utilizo e admiro é o Lean Canvas (LC), criado por Ash Maurya (https://leanstack.com/lean-canvas). O motivo? Como mostrei numa AC há muitos verões passados, o LC se aproxima mais de uma ferramenta para detecção de oportunidades e consolidação de ideias do que para um canvas de negócios. Utilizei-o então para analisar o atual ambiente de implosão “unicorniana”, para ver se conseguia encontrar o que está faltando no modelo de negócios das big-startups.
Lean Canvas de uma MarFinTech
Como se trata de um modelo de ideias, posso extrapolar. Para não ficar enfadonho, pois sei que quem acompanha as ACs manjam muito de canvas, preenchi o LC de modo genérico, mas deixei grifado em amarelo-pastel post it a seção mais fantastic do LC, a Unfair Advantage (UA ou vantagem injusta), a única que pretendo trabalhar. Em termos gerais, na UA colocamos aquilo que que não pode ser facilmente copiado ou comprado por seus concorrentes, configurando-se numa vantagem disruptiva para quem conseguir implementá-la. Sem muito esforço, cheguei então a uma UA para lá de utópica: o índice Anti-Bolha. Já pensou se um investidor pudesse ter acesso a algo assim? Massa, né não?
O índice Anti-Bolha
Claro que não é fácil criar um índice parecido com esse. Mas tenho uma dica de onde se pode encontrar, já que tudo hoje está conectado: no mercado de ações. Para não ir muito longe, a Nasdaq, um mercado de ações automatizado norte-americano, tem mais de 2.800 ações de diferentes empresas listadas. Outros lugares são aceleradoras e clubes especializados em investimentos, como, por exemplo o CapTable (https://captable.com.br/). Logo, existem vitrines pelas quais se pode diferenciar o que é hype (moda) do que é raiz. Temos lugares por onde começar, pelo menos. E o que teríamos de ter nesse índice, GBB-San, economista de aleatoriedades? Dou uma ideia: a bolha começa a se formar devido, praticamente, a dois fatores: ao montante de recursos monetários disponíveis no Mercado que pode, de fato, ser aportado como risco – vou abreviar por RMD-risk -, e à quantidade de soluções com potencial de investimento promovidas por startups similares, aquelas cujas propostas de valor descrevi acima. Vou chamá-las de SolSim, soluções similares. Se há muito recurso que pode ser alocado para risco, massa. O problema é quando esse recurso não é, realmente, de venture. Se existem muitas startups semelhantes e que apresentam soluções parecidas, não há porque aportar recursos nas sósias. Aqui vale a máxima de “não carregar todos os ovos na mesma cesta”.
Portanto, muito recurso de risco disponível para aplicar em poucas – e sólidas – startups, não provocaria impacto negativo no Mercado, da mesma forma que poucas startups “iguais”, disputando pouco recursos não incomodariam ninguém. Juntando estes dois fatos, sintetizei o índice AB, Anti-Bolha, que já nasce famoso:
Índice AB = RMD-risk / SolSim
Ou seja: quanto maior o índice AB, menor a probabilidade de aquele(s) tipo(s) de startup(s) explodir(em) em pleno vôo, já que o Mercado comportaria investimentos de risco naquele(s) tipo(s) de startup(s), que apresentam menor propensão a implosão futura. Uma vantagem matadora, sólida, com bom lastro, acabaria com o MarFinTech, material que constitui a ossatura dos unicórnios.
Finalizando…
O índice AB não existe. Uma equação deste tipo, caso viesse a existir, seria muito mais complexa e exigiria a sincronização de pensamentos de economistas e astrólogos. A ideia desta AC é a de levantar a discussão sobre a necessidade de se criar algum dispositivo que sinalize melhor os aportes, que ajudasse a reduzir erros crassos sistemáticos, que balançam a economia, comprometem o movimento de inovação e frustram toda uma geração. Aposto que muito provavelmente os próximos elaboradores de canvases terão de pensar em uma seção que inclua algo parecido com o índice Anti-Bolha.
Se a Internet parece se comportar como o sistema nervoso do mundo – elétrico, rápido e ubíquo -, a economia, também intrinsecamente conectada, assemelha-se a um sistema hormonal: integrado, um pouco mais lento e controlador de humor. Portanto, tudo se encontra cada dia mais orgânico, forçando os canvases a incluírem ferramentas que meçam a temperatura global de modo quase que instantâneo. A hipótese Gaia está validada. Recado dado!
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Leia a edição anterior: Educação criadora…
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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