A Era da Deformação Antenada Disruptiva

quarta-feira, 4 novembro 2020

Artigo da BBC aponta que na 'geração digital' , pela primeira vez, filhos tem QI inferior ao dos pais

Se fosse uma rádio (ainda existe isso?), diria que a música a ser tocada é um pedido de tal ouvinte. Entretanto, o hit parade que vou escrever tem por mote a poeira levantada em nosso grupo de empreendedorismo no Whatsapp (IncaaS), quando o artigo de 30/10/20 da BBC ‘Geração digital’: por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos pais foi lá inserido quase que simultaneamente  por três empreendedores.  

Como pauto que o empreendedorismo inovador é uma postura que tem por base a Ciência, e que precisamos de pessoas cada vez mais preparadas para criarem novos mercados, de modo que Thomas Malthus não vença – aquele cujo pensamento apocalíptico rivaliza com o de Thanos no filme “Batalha Final”, desejoso por exterminar metade dos habitantes da Terra por questões que envolviam a produção, o que deixei claro em A Economia dos viéses versus a Business Intelligence (BI) -, escrevi, em 12/08/20, o artigo O futuro das profissões…, na tentativa de criar uma fórmula para descrever os ofícios necessários à frente, dar um Norte às mentes de nossos jovens e, cá para nós, ajudar o Neurocientista Michel Desmurget, autor do artigo da BBC, leitor incontestável de nossa coluna (eu acho), a se inspirar em nosso artigo pra ter alguns insights. Assim escrevi:

“O despreparo em habilitar o mindset desta geração na linha de utilizar cada vez mais o cérebro e menos o ‘braço’ (ou dedo nas telinhas do celular), vai custar a capacidade de se gerar novos espaços criativos para a utilidade humana. Ocupar as mentes em angariar seguidores ou fazer movimentos repetitivos em games sem objetivo não dá trabalho a mais do que 3 neurônios; o restante dos outros 86 bilhões vão parar por inatividade, dando espaço à IA. Assim, pergunto: por que é que insistimos em capacitar pessoas em tarefas que já podem ser substituídas por máquinas? Não vou citar exemplos, pois tenho limite de escrita para este artigo. E, na sequência, por que estas pessoas aceitam? Um dos locais em que podemos encontrar a resposta é a telinha do celular. Portanto, o tempo de exercício criativo é inversamente proporcional ao tempo em smartphones e em fazer tarefas repetitivas ‘sem futuro’. Vou chamar esse tempo improdutivo de T_Imp.” (GBB-San. Agosto de 2020).

Como prometi ao pessoal do grupo de zap que minha resposta viria em forma de aula condensada (claro que não perderia essa), vou juntar o artigo deste neurocientista às minhas elucubrações hipotéticas (vide Aviso*), pra ver se entendo algo, explicar a mim mesmo e, quem sabe, poder emitir opinião para outras pessoas, não sendo apenas uma antena. Vamos ver no que dá.

*Aviso aos cientistas de plantão: as informações aqui depositadas são frutos de percepções pessoais, configurando-se no máximo, portanto, como hipóteses, as quais enquadro na categoria New Science of Innovation (categoria, a propósito, que eu mesmo criei). Portanto, antes de acionar o protocolo não científico CHILIC – CHIar Loucamente e Imediatamente Contestar -, sugiro operar no modo SERÃO – SEntimentos Razoáveis e Aparentemente Óbvios. Dito isto, toquemos o barco!

Relembrando meu curso de Telecomunicações

Compreender para mim é sinônimo de modelar. Fazendo isso, consigo separar as incógnitas das condicionantes e do que é fato. Se não consigo modelar, é sinal de que não entendo sobre o que falo! Dou uma amostra disto em A Física por trás dos negócios, onde explico que é possível modelar qualquer tipo de sistema envolvendo pessoas, objetos, sentimentos e culturas. Assim, para não me contradizer, farei uma analogia com conhecimento garimpado de minha formação de nível médio.

No curso, aprendíamos a desenvolver a fonte geradora de sinais, que também era emissora, e a dimensionar antenas de retransmissão, cuja função era a de receber o sinal desvanecido (atenuado) pela distância, amplificá-lo e emiti-lo de forma regenerada. Assim, a missão primordial das telecomunicações era a de fazer o sinal original chegar a um receptor distante com a melhor qualidade possível ou, como usávamos “antigamente”, com alta fidelidade, ou Hi-Fi (do inglês high-fidelity), o que depois foi convertido para wireless-fidelity, ou Wi-Fi, marca do protocolo da empresa Alliance.

Ok, aprendiz da New Science of Innovation: “O que isto tem a ver com o Q.I. da galera da nova geração?”. E eu vos respondo: “Por enquanto, guarde este conceito: antena só recebe e transmite. Não retém nem altera a informação original; quando muito, distorce! Se o sinal da fonte emissora cessa ou está errado, a antena fará o que faz de melhor: passar adiante sem crítica”. Sua vez: “Ahhh, tô começando a entender onde queres chegar, GBB-San!”.

Estar bem informado é diferente de estar bem formado

Deixemos o pesquisador Desmurget falar:

“O cérebro não é um órgão “estável”. Suas características ‘finais’ dependem da nossa experiência. O mundo em que vivemos, os desafios que enfrentamos, modificam tanto a estrutura quanto o seu funcionamento, e algumas regiões do cérebro se especializam, algumas redes são criadas e fortalecidas, outras se perdem, algumas se tornam mais densas e outras mais finas. Observou-se que o tempo gasto em frente a uma tela para fins recreativos atrasa a maturação anatômica e funcional do cérebro em várias redes cognitivas relacionadas à linguagem e à atenção. Deve-se ressaltar que nem todas as atividades alimentam a construção do cérebro com a mesma eficiência.

Atividades relacionadas à escola, trabalho intelectual, leitura, música, arte, esportes… todas têm um poder de estruturação e nutrição muito maior para o cérebro do que as telas. Mas nada dura para sempre. O potencial para a plasticidade cerebral é extremo durante a infância e adolescência. Depois, ele começa a desaparecer. Ele não vai embora, mas se torna muito menos eficiente. O cérebro pode ser comparado a uma massa de modelar. No início, é úmida e fácil de esculpir. Mas, com o tempo, fica mais seca e muito mais difícil de modelar. O problema com as telas é que elas alteram o desenvolvimento do cérebro de nossos filhos e o empobrecem”.

O “homem” acaba esse trecho dizendo que, basicamente, nosso cérebro passa de uma massa de modelar a uma “pedrinha”; de difícil manuseio, óbvio.

Ele continua: “Costumo ouvir que os nativos digitais sabem ‘de maneira diferente’. A ideia é que embora apresentem déficits linguísticos, de atenção e de conhecimento, são muito bons em ‘outras coisas’. A questão está na definição dessas ‘outras coisas’. Vários estudos indicam que, ao contrário das crenças comuns, eles não são muito bons com computadores. Um relatório da União Europeia explica que a baixa competência digital impede a adoção de tecnologias educacionais nas escolas. Outros estudos também indicam que eles não são muito eficientes no processamento e entendimento da vasta quantidade de informações disponíveis na internet. Então, o que resta? Eles são obviamente bons para usar aplicativos digitais básicos, comprar produtos online, baixar músicas e filmes, etc. Para mim, essas crianças se assemelham às descritas por Aldous Huxley em seu famoso romance distópico Admirável Mundo Novo: atordoadas por entretenimento bobo, privadas de linguagem, incapazes de refletir sobre o mundo, mas felizes com sua sina”.

O que Desmurget descreve são perfis de pessoas que de tão espertas passam por inteligentes. E o ruim de tudo isto é que nós, pais, professores, profissionais etc., somos os únicos responsáveis. Não adianta olhar para o lado. Bote um espelho aqui e encontre também quem pode resolver essa coisa toda, quem pode endireitar essa produção de antenas. Precisamos estimular o surgimento de fontes.

Dado é diferente de Informação que é diferente de Conhecimento

Vou ser sucinto: Dado é um registro. Informação é um dado contextualizado. Conhecimento é uma informação que muda teu modo de pensar. Uso sempre estes conceitos quando em sala de aula. Um exemplo: 18 é um dado; 18°C é uma informação de temperatura. Se te digo que amanhã fará 18°C em Natal, isto te estimulará a providenciar um agasalho. Portanto, mudou teu mindset a ponto de você agir diferente. Esta última frase gerou movimentos sinápticos, primo do conhecimento. Quando isto acontece, outro efeito toma lugar: o da criatividade. Comprar, limpar, pedir emprestado ou costurar um agasalho? E os que não podem tê-lo; devo doar os que tenho em excesso? Por aí vai.

Em minha análise, com base no artigo da BBC, muitos da geração mais recente não estão sendo preparados para passar do nível de informação – ficando longe daquele nível em que as sinapses começam a se mexer -, porque é muito menos trabalhoso informar (ou deixar que o mundo informe por osmose) do que formar. O número 18 isolado, um dado, não faz faiscar um único neurônio. É nesse ponto em que estamos. A conclusão é que pessoas densamente informadas sem um bom mindset para trabalhar dados até virarem conhecimento, podem, no máximo, serem chamados de informadores de opinião. Por ser mais rápido (e portanto mais fácil e barato) repassar (informar) do que engolir, digerir e transmitir “com responsa” (formar), infelizmente, prática do pass fast ganha mais adeptos. Resultado: olhe a Internet e veja a quantidade de “geradores de opinião” que temos. Depois “exprema” e analise o caldo…   

Pra quem acha que o modo antena só acontece com pimpolhos e no mundo extra-academia…

Meados de março de 2020, quando tudo travou, preocupado com a ociosidade que seria gerada nas mentes estudantis e querendo ocupá-las com outras atividades para mudar o foco pandêmico, sugeri em um grupo docente a volta das atividades acadêmicas de forma remota, claro, pois, como todo mundo, também não tinha ideia do que estava acontecendo. Qual não foi a minha surpresa ao receber “tocos” de colegas insinuando minha falta de sensibilidade e menosprezo pela vida alheia, já que “Os alunos não sabem se vão sobreviver, professor, e você fica falando em atividades estudantis?”. E eu, em minha ingenuidade, relatando que meus filhos já estavam online e um pouco mais felizes por isto, pois sentiam-se conectados. Logo, muito pelo contrário, estava preocupado com as mentes alheias, uma vez que somos universidade, formadores de opinião, deveríamos estar linkados remotamente.

Um pouco depois recebi, no mesmo canal e pelo mesmo colega, o artigo gerador do “toco”. Ele continha um link do no qual um pseudo-cientista relatava, no modo antena de replicação, “uma projeção do Imperial College de Londres, segundo a qual o Brasil teria 1 milhão de mortos por covid-19 até agosto, caso nada fosse feito para frear a pandemia”. Em agosto o Brasil atingiu a marca de 74.133 mortes. E o “sábio” ainda emendou: “Num cenário de covid-19 sem freios, uma pessoa com o coronavírus é capaz de infectar entre duas a três outras pessoas, em um intervalo médio de cinco dias. Parece pouco, mas crescendo dessa forma, partindo de 10 casos, em menos de 2 meses são mais de 1 milhão de casos, em menos de três meses, são mais de 10 milhões”. O resultado, espelhado como pânico em parte do grupo devido a declarações irresponsáveis como estas, vocês conhecem: a academia fechada por seis meses, quando os verdadeiros cientistas, aqueles que entendem de pandemias, deveriam estar emitindo opiniões científicas de verdade e orientando a população. Saldo: um grupo de docentes “travados” por causa de blogueiros e similares. A academia entrou em modo antena.

Além de participar de várias frentes na tentativa de minimizar os estragos pandêmicos, o que relatei em alguns artigos, e apesar de não ser cientista, meu incômodo científico provocado pelos “antenados” levou-me a escrever uma série de artigos entre 25/03 e 22/04/20, tentando acordar o povo para uma realidade que já aconteceu e não será a última.  Escrevi neste intervalo Vírus versus quebra da Economia: qual morte escolher?, Lockdown: vieses e o RN contra o corona, Covid-19: o outro formulário e Um novo organismo. Para nossa infelicidade, os informadores de opinião, por terem o domínio da Web, venceram os formadores de opinião. Espero que nós, academia e sociedade, tenhamos aprendido algo, pois recidivas estão acontecendo.

Nem tudo está perdido, claro. O que fazer, então?

Temos os fatos, as incógnitas, as condicionantes e uma proposta de modelo. Segundo Desmurget, o Q.I. (dos millennials para frente) tá decrescendo. Isso é fato. Como diminuir o uso vazio da tecnologia para revertermos a queda cognitiva é a incógnita. Em dois mundos, quem os utiliza são chamados de usuários: o das drogas e o da TI, o que indica que a proibição resultará em reação. A ideia então é fazer o desmame, a desintoxicação, pela troca por atividades produtivas utilizando a própria tecnologia. Estas são, portanto, as  condicionantes. E por fim, temos uma proposta de modelo, o de fonte geradora x antena – pelo menos foi o que pude pensar até aqui -, deixando bem claro que uma antena dependerá sempre de uma fonte geradora, pois não retém coisa alguma. Equação montada!

Finalizando…

Sabemos que está situação não é de fácil resolução. Entretanto, a pandemia e suas recidivas mostra-nos que teremos que conviver e aprender a lidar com as intempéries naturais e artificiais, somando-se ainda um crescente despreparo dos mais jovens. Tudo indica, porém, que a melhor saída vai surgir pela associação correta com a tecnologia, trabalhando as novas mentes para que se tornem fontes e não antenas. Temos que consolidar essa como a Era do Conhecimento, e não como a Era da Deformação Antenada. É só uma questão de escolha.

Referência:

Artigo da BBC – ‘Geração digital’: por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos pais

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Leia a edição anterior: Forjando o perfil empreendedor

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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