Muitas bandeiras justas e oportunas são levantadas em favor do meio ambiente. Porém, apenas a retórica do discurso não é suficiente para ajudá-lo
Recordo-me bem da primeira vez que entrei em uma refinaria de petróleo. Para ser mais preciso, na área operacional, onde ocorrem os mais diversos processos relacionados ao refino do petróleo. Nesses locais – que em tamanho, mais parecem bairros – todas as estruturas possuem proporções descomunais até para quem faz parte dessa realidade. Tanques imensos de armazenamento de petróleo e derivados, esferas enormes para armazenar GLP, tubulações de extensão quilométricas, caldeiras, tochas, complexas unidades industriais de processamento do petróleo e de correntes intermediárias, unidades de tratamento de óleo e efluentes industriais compõem o cenário. Além disso, não há como deixar de mencionar os odores tão característicos dos hidrocarbonetos presentes nesses locais. Naquela ocasião, despertou-me a atenção, também, o ritmo ininterrupto de trabalho, seja das máquinas ou pessoas. Estas últimas, revezam-se por meio de jornadas de trabalho de turno, as quais independem de horário, feriados e época do ano. O fato é que o trabalho, ou melhor, a produção de derivados não pode parar.
Todos estes detalhes observados à primeira vista, trouxeram-me instantaneamente à mente, as Unidades de Conservação e ainda os locais de mata que visitara durante as aulas de campo, enquanto estudante de Ciências Biológicas. Lembrei-me também, dos lugares que pude conhecer a passeio, nos quais a vegetação e a natureza estavam relativamente intactas. Dentre estes locais, não poderia deixar de lembrar das belas paisagens do sertão potiguar, em especial, do sítio São Vicente, área rural do município de Santana do Matos (RN). Quando chego lá, as lembranças e comparações com o ambiente industrial são inevitáveis. Por um lado, um ambiente rural, onde o tempo parece não passar – acredito que assim seja para todos aqueles que vivem ou visitam o sertão. Palavras como biodiversidade, preservação, conservação, manejo e agricultura familiar lhe caem com uma luva. No outro extremo, tem-se um ambiente industrial. Neste, palavras como mercado, consumo, rentabilidade, produtividade, lucratividade e negócio o definem bem. E quanto ao tempo? Traz consigo a lógica da produção. Espera-se que nunca pare. E para mim, aí reside a grande questão.
Muitas bandeiras, justas e oportunas, inclusive, são levantadas em favor do meio ambiente. Seja em favor de alimentos mais saudáveis, seja pela preservação dos oceanos e da biodiversidade ou, mais especificamente, contra a extinção de uma determinada espécie. Igualmente é grande a indignação de muitos, como a minha, diante de muitas dessas questões ambientais. Semana passada, em 27 de junho, por exemplo, foi publicado na revista Nature um artigo, no qual os autores correlacionam de maneira robusta a má qualidade do ar com a mortalidade infantil na África. Três dias depois, em 30 de junho, foi a vez da revista The Lancet Planetary Health publicar um estudo, no qual os autores propuseram que um em cada sete novos casos de diabetes no mundo relacionam-se à poluição do ar. Por tudo isso, espera-se muito da ciência. Espera-se novas tecnologias, fontes energéticas mais limpas, a preservação da biodiversidade e até a clonagem de espécies extintas. Obviamente, que todas essas questões são oportunas, e merecem a devida atenção. Embora mostrem, também, que a ciência, mesmo sujeita às vontades e interesses políticos, tem cumprido o seu papel.
Assim, a despeito da indignação e da revolta perante às questões ambientais, pouco se fala de uma questão ainda mais primordial: que a comodidade, a praticidade e o conforto dos dias atuais custam muito caro. Este custo se reflete na demanda insaciável por recursos, por matérias-primas. Reflete-se ainda em um padrão de consumo exacerbado. Mesmo assim, almeja-se um crescimento econômico “ad aeternum”, e que seja compatível com uma “economia da natureza”. Alguns dirão sustentabilidade.
O petróleo e os seus derivados adequam-se como nenhum outro recurso nessa lógica de comodidade, praticidade e conforto. No final do século XIX, o refino do petróleo atendia à demanda ainda incipiente de querosene, o qual, felizmente, substituiu o óleo de baleia, que até então era utilizado para a iluminação pública. Porém, o aperfeiçoamento dos motores de combustão interna – cuja operação baseia-se no ciclo Otto, e de acordo com os princípios da termodinâmica – deram origem à demanda por gasolina e, posteriormente, por diesel. Daí veio o pós segunda guerra, e com ele a voracidade por energia. Entenda-se: petróleo. Essa mesma voracidade com a qual o desejamos é a mesma que nos tornamos tão dependentes e, por isso mesmo, tão frágeis. Daí todo o poder político dos que o detém. Em caso contrário, torna-se refém.
Portanto, não me chama mais tanta atenção os inúmeros contaminantes ambientais gerados no processo de refino do petróleo. Seja nos efluentes líquidos, seja em emissões gasosas ou ainda na forma de resíduos sólidos. Até porque, independentemente da lista desses contaminantes ser extensa (compostos orgânicos voláteis, metano, dióxido de carbono, monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, compostos orgânicos aromáticos, materiais particulados, borras, amônia e metais), a sua destinação é rigorosamente regulamentada por leis ambientais. O atendimento ou não a essa legislação é outra questão. O que me chama atenção é o seguinte: quem de fato está disposto a abrir mão dos atuais níveis de comodidade, praticidade e conforto, pelo menos em parte, em nome do meio ambiente? Muitos o fazem, mas estes são exceções quando comparados com os que apenas levantam bandeiras. Assim, enquanto a ciência não acha a solução definitiva para todos os problemas ambientais – como alguns esperam – a produção de derivados não pode parar.
A Coluna do Jucá é atualizada às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe, curta. Use a hashtag #ColunadoJuca. Estamos no Facebook (nossaciencia), no Instagram (nossaciencia), no Twitter (nossaciencia).
Leia o texto anterior: Campanha de vacinação contra a mentalidade da ignorância
Thiago Jucá
Deixe um comentário