Desastres ambientais advertem-nos quanto à necessidade de desenvolver e/ou aperfeiçoar tecnologias que possam remediar a contaminação decorrente de óleo
Gostaria de começar ressaltando que a pesquisa básica é essencial para o desenvolvimento científico e tecnológico de um país, ou seja, é imprescindível. Esteja ele localizado onde estiver, detenha o PIB e o IDH que detiver. Sem a pesquisa básica, o agronegócio não poderia lançar mão da fixação biológica do nitrogênio, não disporíamos da tecnologia do DNA recombinante, ou ainda não seria possível extrair petróleo a mais de 7 mil metros de profundidade, isto é, na camada do pré-sal. Esses feitos são apenas para citar alguns exemplos. Poderia ater-me ainda ao centenário da expedição de 1919 que, por meio da observação do eclipse solar à época, ajudou a confirmar a teoria de Einstein sobre a relatividade geral, o que desde então vem revolucionando nossas concepções sobre o tempo e o espaço. Dito isto, posso ater-me ao assunto desse texto.
Grandes desastres ambientais como aqueles do Exxon Valdez e do Deepwater Horizon, os quais lançaram milhares de litros de petróleo no mar e causaram verdadeiras tragédias ambientais, acenderam um alerta vermelho na comunidade científica quanto à necessidade de desenvolver e/ou aperfeiçoar tecnologias que pudessem remediar a contaminação decorrente do óleo, por exemplo, derramado sobre os ecossistemas atingidos.
A biorremediação, em especial aquela por meio da utilização de plantas (fitorremediação), ganhou muito destaque diante de demandas como as citadas anteriormente. Um exemplo bem-sucedido da utilização dessa “tecnologia verde” ocorreu no bairro de Spring Valley, no estado americano de Washington, no início dos anos 2000, como reportado em artigo de 2017 na prestigiada revista americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). À época, uma espécie de samambaia (gênero Pteris) foi utilizada para descontaminar grande parte dos cerca de 177 quintais das residências desse bairro cuja presença de arsênico, um remanescente altamente tóxico dos testes das armas desenvolvidas durante a Primeira Guerra Mundial na região, havia sido detectado.
Apesar do “sucesso” na descontaminação e dos baixos custos, isso quando comparados aos tratamentos convencionais, o referido artigo lança luz sobre uma questão pertinente em relação à utilização comercial das plantas como “desintoxicantes da natureza”: há muito sucesso em relação aos avanços técnicos no emprego dessa tecnologia, contudo, torná-la comercial parece ser algo muito difícil.
A prova disso vem de outro artigo, dessa vez de revisão, publicado no jornal científico Plant Science, em 2017. Intitulado, em tradução livre, de “Tomando a fitorremediação de tecnologia comprovada para uma prática aceita”, os autores mostram como durante mais de duas décadas (1993 e 2016) houve, de maneira geral, um número crescente de artigos publicados sobre o assunto. Contudo, o número do registro de patentes não acompanhou o crescimento das publicações. Obviamente que deve haver uma série de razões para justificar tal disparidade, desde o pequeno interesse no registro das patentes até a demora e o custo na obtenção desse registro. A despeito dessas questões, os autores enumeram alguns pontos chaves que possivelmente ajudam a explicar a baixa utilização comercial da fitorremediação, em especial por parte da indústria, isso quando comparada às técnicas convencionais, mesmo sendo estas muitas vezes mais caras e menos sustentáveis.
Eis, então, algumas questões: o baixo custo é algo quase sempre primordial a ser levado em conta pela indústria, como ocorre na fitorremediação, por outro lado o maior tempo demandado pela mesma a limita bastante − normalmente é maior do que três anos. Portanto, custo e tempo devem andar juntos, como gêmeos siameses. Ainda assim, os autores alegam que poucos artigos inserem os custos das estratégias adotas em suas publicações. Outro fator limitante é que muitos artigos (não todos!) têm concentrado poucos esforços ou, às vezes, nenhum nos testes em campo. Muitas vezes os projetos acabam antes, ou não tem verba para se estender até à fase dos estudos em campo, daí uma das justificativas. O artigo da PNAS reitera algumas dessas considerações, bem como a de que a fitorremediação avança no laboratório, mas nem tanto no campo. Já a linguagem, embora científica, não tem sido descomplicada o suficiente para atrair àqueles que possivelmente farão uso dela, advertem ainda os autores da Plant Science.
Por fim, os autores da Plant Science recomendam que além da inserção dos custos nas publicações, sempre com vistas a compará-las com os métodos tradicionais, a utilização de apresentações mais amigáveis, com linguagem mais acessível, e mesmo a divulgação por meio de mídias sociais, sempre com o intuito de popularizá-las, possa torná-las mais atrativas para a indústria.
O diálogo é sempre necessário, ainda mais entre os que necessitam dessas tecnologias e dos seus avanços, bem como entre aqueles que as produzem. Em cenários distópicos de cortes irracionais, o diálogo entre a academia e a indústria não deixa de ser um ato de resistência e de sobrevivência. Otimizar tempo e custo, captar recursos, desenvolver tecnologias, fazer avançar o conhecimento básico e aplicado, e adotar “tecnologias verdes” parecem os ingredientes de uma receita chamada progresso.
Referências Bibliográficas
Gerhardt et al 2017. Opinion: Taking phytoremediation from proven technology to accepted practice. Plant Science 256 (2017) 170–185.
Carolyn Beans, 2017. Core Concept: Phytoremediation advances in the lab but lags in the field. PNAS July 18, 2017, 114 (29) 7475-7477.
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Leia o texto anterior: A ciência como uma voz política diante das doenças negligenciadas – Parte 2
Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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