Nossa escolha Coluna do Jucá

quinta-feira, 7 dezembro 2017
Museu do Amanhã - RJ

A ciência cumpre o seu papel com contribuições valiosíssimas para a humanidade; e nós precisamos fazer o mesmo, mudando drasticamente nosso padrão de consumo

No dia 24 de novembro, a sociedade vivenciou mais um dia de “Black Friday” (sexta-feira escura). Essa data é sempre muito aguardada pelos consumidores, haja vista os descontos nos preços dos mais diversos produtos, embora muitas vezes seja só falácia. As propagandas e as ofertas de produtos são tão grandes que comprar, independentemente do que seja, é tido como algo imperdível. Como consequência dessa lógica mercadológica, muitas pessoas se submetem a comprar – muitas vezes apenas em função do que irão economizar – mesmo que essa compra refira-se a um produto que não atenda a qualquer necessidade imediata e, portanto, não seria necessário. Ou seja, é o consumo pelo consumo!

EUA e Holanda causam mais impacto ambiental por produtos consumidos do que por carros ou pelo ar-condicionado das casas

Em 2015, a designer industrial e escritora holandesa Babette Porcelijn publicou um livro chamado de “Impacto oculto” (Hidden impact). Neste livro, a autora compila os resultados de sua pesquisa acerca do impacto do consumo humano nos ecossistemas, a nossa “pegada ambiental”. Segundo a autora, a revelação mais importante é que, em países como EUA e Holanda, por exemplo, o maior impacto ambiental é causado pelos produtos que consumimos – alimentos, eletrônicos, roupas etc – e não pelos carros que dirigimos ou pelo ar-condicionado das casas. Para fazer esse levantamento, a autora considerou a cadeia produtiva de cada produto. No caso da carne, por exemplo, considerou-se o alimento para o gado, o desmatamento para pastagem, o consumo de água, beneficiamento da carne, as emissões de metano e por aí vai.  Obviamente que o consumo exacerbado concentra-se nas nações mais ricas. Mas o crescimento populacional acelerado nas nações mais pobres, associado às condições de pobreza e de degradação ambiental, tem efeito similar ao das nações ricas no impacto global sobre o planeta. O atual modelo de consumo não é compatível com a existência de um único planeta Terra, mas sim com vários. E a atual lógica mercadológica – que preza pelo consumo – só acentua esse problema. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a expectativa é que a população mundial será de 10 bilhões de pessoas em 2050! Com o atual ritmo de consumo e de crescimento populacional quantos planetas Terra serão necessários?

A ciência tem produzido contribuições inestimáveis – seja na agricultura, por exemplo, ou no desenvolvimento de tecnologias de energias limpas ou, ainda, na conservação dos recursos naturais -, não só no intuito de responder a essas questões como de atenuar e até reverter às consequências desastrosas do nosso “Black Friday” diário. Vale lembrar que algumas dessas contribuições se enquadram na fronteira do atual conhecimento humano, o que as torna até futuristas. Dois editoriais de duas prestigiadas revistas científicas exemplificam bem algumas dessas perspectivas quase futuristas. O primeiro deles (2016) foi publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)” e trata de uma questão central para solucionar a crise climática, a produção de combustíveis a partir da fotossíntese artificial. Muitos podem achar que essa tecnologia dos “combustíveis solares” está ainda muito distante, mas a metagenômica tem acelerado muito os avanços na busca por catalisadores biológicos considerados ideais, as bactérias. Vale lembrar que as primeiras pesquisas para o desenvolvimento dessa tecnologia começaram a ser desenvolvidas ainda na década de 1970.

Marc A. Hillmyer Science 2017;358:868-870.

Já o segundo é da revista Science (2017). Esse editorial trata da obtenção de matérias-primas derivadas das plantas para a produção de plásticos. Não restam dúvidas de que, o nosso “Black Friday” diário, se sustenta à base de polímeros derivados do petróleo. Por isso, é facilmente perceptível que, os esforços para substituir materiais de origem fóssil por monômeros à base de plantas são, de fato, uma contribuição inestimável. Para alguns monômeros derivados das plantas, essa tecnologia já virou realidade na petroquímica, embora em uma escala ainda pequena (etileno, etileno glicol e isopreno). Para outros ainda é uma questão um pouco futurista (estireno). Mesmo que a ciência continue dando contribuições valiosas e fornecendo novas tecnologias, o nosso padrão de consumo precisa mudar, ou melhor, diminuir!

O 45° vice-presidente americano, Al Gore, vencedor do prêmio Nobel da Paz (2007) e protagonista de um documentário vencedor do Oscar, cujo título é o mesmo do seu grande best-seller “Uma Verdade Inconveniente”, alerta no seu livro Nossa escolha que “as únicas soluções significativas e efetivas para a crise climática envolvem grandes mudanças no comportamento e no pensamento humano”. E continua ao dizer que “a distorção a respeito do que consideramos valioso e a confusão sobre o que pode nos fazer feliz são parcialmente provocadas pela obsessão por bens materiais. De fato, o consumo se tornou, por si só, um objetivo”.

Pelo visto, Babette Porcelijn e Al Gore compartilham a ideia de que, o nosso atual modelo de consumo é incompatível com a existência de um único planeta para habitar. Tem um provérbio africano que diz o seguinte: “Se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá em grupo”. A primeira parte do provérbio (Se quer ir rápido, vá sozinho) me parece se adequar bem à data e à lógica mercadológica do “Black Friday”, na qual muitos de nós estão completamente inseridos; já a segunda parte (Se quer ir longe, vá em grupo) insere-se numa lógica coletiva, o que inclui perspectivas científicas benéficas para todos – uma escolha nossa, ou melhor, Nossa Escolha!

Referências bibliográficas

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Thiago Jucá

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