Veja na Coluna do Jucá casos jurídicos envolvendo substâncias comprovadamente danosas ao ambiente e às pessoas como o benzeno e o amianto
No mundo Pós Segunda Guerra, algumas disputas emblemáticas foram traçadas entre a indústria e a comunidade científica. Um dos lados apoiava o uso de substâncias com destaque econômico, o outro alertava para os perigos que tais substâncias representavam ao meio ambiente, embasados em estudos que caracterizavam a natureza das mesmas.
Vejamos o caso do benzeno – um carcinogênico reconhecido – que, mesmo com toda sua versatilidade industrial e com o intenso lobby da indústria contra a restrição e proibição do seu uso, não conseguiu impedir o surgimento de legislações restritivas quanto ao uso e limites de exposição, ainda na década de 50. No Brasil, apesar das primeiras legislações serem da década de 30, a sua proibição só ocorreu na década de 80, com a permissão do mesmo apenas como contaminante em produtos acabados. Em 1995, depois de anos de intensa mobilização por parte da sociedade, o poder público, as empresas e os trabalhadores estabeleceram o que ficou conhecido como o Acordo Nacional do Benzeno. Atualmente, a OMS trata o mesmo como uma questão de saúde pública devido à sua presença ubíqua no ar.
Mas talvez, o caso mais marcante da história seja o do DDT, que foi banido dos EUA no início da década de 70, o que só ocorreu no Brasil em 2009, apesar da sua proibição para fins agrícolas em 1985. Os debates acerca dessa substância, bem como outras, ganharam muita força em 1962, após a publicação do livro Primavera Silenciosa (Silent Spring) da bióloga marinha e escritora americana Rachel Carson. Esse livro não só é considerado um dos mais influentes do EUA até hoje, como constitui um marco do movimento ambientalista. A autora chama a atenção do leitor ao evocar o extermínio de animais e plantas – em especial as aves – devido ao uso indiscriminado de produtos químicos que eram pulverizados para matar pragas agrícolas. Daí o título do livro, em referência à primavera que passou a ser silenciosa, sem a presença dos pássaros.
Por fim, chegamos ao amianto, também conhecido por asbesto. Esse mineral fibroso, cujas propriedades como resistência, isolamento e durabilidade, aliados ao seu baixo custo de produção, tornaram-no um insumo comum na fabricação de telhas, forros e caixas de água. Apesar disso, a toxicidade e a associação do mesmo a doenças pulmonares (asbestose) e ao câncer (pulmão e mesotelioma) fizeram com que seu uso fosse proibido ou restringido em vários países do mundo. O crisótilo – amianto branco – é a única forma de amianto ainda usada hoje, inclusive no nosso país, o qual é o terceiro maior produtor e exportador mundial desse produto e ainda, quinto maior consumidor.
Há quase cinco décadas (em 1972), a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) classificou todas as fibras de amianto como reconhecidamente cancerígenas. De acordo com a IARC, diversos estudos revelam uma associação robusta entre a exposição ao asbesto e o câncer de pulmão. Um artigo publicado (DOI:10.1002/ijc.30897/full) no último mês de agosto, no respeitado International Journal of Cancer (IJC), concluiu que pacientes com câncer de pulmão associados à exposição ao asbesto possuem perfis diferenciados – aberrantes – de modificações do DNA (metilação). Resumindo: a cada dia a ciência avança na elucidação dos mecanismos moleculares das doenças relacionadas à exposição ao amianto.
Ainda em agosto, uma decisão envolvendo a instância máxima da justiça brasileira (Supremo Tribunal Federal – STF) quanto ao possível banimento do amianto no Brasil tem suscitado discussões, tanto por parte do meio científico, como da indústria. O STF julgou duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade: a primeira foi impetrada pela a Associação Nacional dos Procuradores (Anamatra) e dos Magistrados (ANPT) do Trabalho (ADI-40066/2008) que questionavam o Art. 2º da Lei Federal 9.055/1995. A “lei do uso controlado” permite por meio desse artigo, a extração, industrialização, comercialização e a distribuição do uso do amianto na variedade crisotila no país, embora reconheça em seu Parágrafo Único que essas fibras naturais e artificiais são comprovadamente nocivas à saúde humana! A segunda Ação (ADI- 3937/2007) foi impetrada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) solicitando a suspensão de uma lei estadual de São Paulo que bania o amianto.
Resumo da suprema confusão: decidiu-se pela constitucionalidade da norma estadual e, por abrangência pela inconstitucionalidade incidental do Art. 2° da Lei Federal 9.055/1995 que, momentos antes, tinha tido desfecho contrário. Só que, a questão permaneceu como um imbróglio jurídico, uma vez que existem divergências no entendimento da decisão que os próprios ministros haviam tomado. Isso porque, para uns, o amianto estava proibido apenas no Estado de São Paulo – o que já ocorre desde 2007 – para outros, em todo o país. Pelo visto ainda não foi dessa vez que o Brasil baniu de vez o amianto das nossas vidas, embora tenha tido a oportunidade de fazê-lo!
Mas na verdade, o que chamou mais a atenção nesse embate jurídico foram os votos “contra” e “a favor” ao amianto. Para a ministra Rosa Weber “não é mais razoável admitir, à luz do conhecimento científico acumulado sobre a extensão dos efeitos nocivos do amianto para a saúde e o meio ambiente, e a evidência da ineficácia das medidas de controle da Lei 9055/1995, a compatibilidade de seu Art. 2º com a ordem constitucional de proteção à saúde e ao meio ambiente”. Trocando em miúdos, Rosa Weber creditou aos avanços científicos, ao estado da arte da ciência, e a todos aqueles, como os cientistas que publicaram o artigo supracitado, a sua decisão (Bingo!).
Por outro lado, o ministro Alexandre de Moraes justificou seu voto “a favor” dizendo que “não há dúvida sobre os perigos da aplicação do amianto. Mas, no momento da edição da lei, houve olhar protetivo quanto à regulamentação… E, dentro da ótica de proteção à saúde, o legislador autorizou o crisotila, mas com as devidas precauções, sem ignorar estudos técnicos e científicos”. O voto “a favor” em si já se contradiz, uma vez que diz não ignorar estudos técnicos e científicos – empreendidos por instituições respeitadas, como a FIOCRUZ, o INCA, a FUNDACENTRO e a própria IARC -, ao passo que autoriza o uso do crisotila. Esse entendimento, representativo da indústria, faz lembrar o trecho da música Regra Três, de Toquinho & Vinícius que diz “menos vale mais”.
Vale lembrar que os embates citados referem-se exclusivamente às substâncias comprovadamente danosas ao ambiente e às pessoas e que, o papel da indústria para o desenvolvimento econômico e social de uma nação é algo inquestionável. E, de fato, o conhecimento científico ainda precisa avançar sobre essas substâncias e outras inúmeras, negligenciadas. Mas, uma coisa é certa: os estudos científicos representam uma condição sine qua non para garantirmos às futuras gerações a oportunidade de viver em um ambiente melhor do que o que encontramos.
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Thiago Jucá