200 anos depois, a obra-prima o “Frankenstein” é celebrada Coluna do Jucá

quinta-feira, 4 janeiro 2018
Clássico da literatura mundial completa 200 anos.

Mary Shelley escreveu um livro que uniu ficção científica, terror e romance, o qual até hoje encanta gerações e suscita muitas discussões filosóficas

O dia 1 de janeiro de 2018 marcou os 200 anos do lançamento do livro “Frankenstein” – da autora Mary Shelley. Esse livro, publicado em 1818, é considerado uma das grandes obras-primas da literatura mundial.  A autora, na época com 18 anos, conseguiu juntar nessa obra ficção científica, terror e romance, as quais suscitaram muitas questões filosóficas que são discutidas até hoje. “[…] Foi em uma noite sombria de novembro”, recordou-se Victor Frankenstein. “Juntei os instrumentos ao meu redor e infundi uma faísca de vida no ser inanimado que estava deitado aos meus pés […] Vi o olho amarelo e pesado da criatura se abrir; ele respirava com dificuldade, e um movimento convulsivo agitou seus braços e pernas […]”.

Na época em que o livro foi publicado havia muito interesse científico na pesquisa acerca da eletricidade e do magnetismo, bem como a respeito da possibilidade de trazer a vida à tona; ambas as questões motivavam tanto a experimentação como as discussões científicas. Outro fator importante a se considerar era a influência do pensamento iluminista da época, o qual era cheio de peculiaridades – crítico, racional, material e reducionista. Com o advento do iluminismo, muitos passaram a defender que a matéria em si abrigaria as condições necessárias para gerar a vida, questionando fortemente a visão até então dominante da alma e do espírito criados por Deus e tão

O contexto da época (Revolução Industrial, o racionalismo e iluminismo) influenciou a autora Mary Shelley

influente durante a idade média. Considerando todas essas questões, a autora tratou nesse livro dos limites do desenvolvimento científico e da razão humana da época. Seríamos mesmo capazes de criar a vida? Nesse período, por exemplo, havia muita discussão quanto à origem da vida a partir da matéria inanimada (abiogênese) – ideia essa que anos depois Louis Pasteur trataria de suplantar com seus célebres experimentos. Nessa mesma época, a biologia ainda não tinha assumido o status de área científica como ocorrera com a física e a química, o que ampliava as lacunas sobre a ideia de vida. Somente em 1859, Charles Darwin lançaria a pedra fundamental com a publicação de “A origem das espécies”.

No romance, Victor Frankenstein – um estudante de química, biologia e filosofia natural – almejava produzir uma bela criatura, mas “o tiro saiu pela culatra” e a criatura tomou a vida com a aparência de monstro. Após ser rejeitada, a criatura desperta sentimentos como raiva, injustiça e rejeição. Um embate central nesse enredo ocorre quando a criatura e o seu criador se desentendem quanto à criação de uma criatura feminina. Enquanto o primeiro exigia a criação de uma companheira, o segundo ficou com receio de dar inicio a uma raça de monstros. O restante da história? Vale a pena ler o livro!

Os questionamentos e a experimentação acerca da vida levantaram muitas discussões científicas.

Quais os limites da ciência? Haveria mesmo limites? O problema teria sido em criar o Frankenstein ou em abandoná-lo? O problema seria a criação e o aperfeiçoamento da tecnologia e da ciência com consequências imprevisíveis (inimagináveis) ou o mau uso de ambas? A radioatividade, por exemplo, pode ser usada para tratar tumores malignos, mas também para fazer armas. Já o avião pode encurtar distâncias, mas também ser usado para soltar bombas; o uso do petróleo fornece combustíveis e polímeros a baixo custo, mas em contra partida acentua a liberação de gases do efeito estufa e a poluição ambiental.

Outros questionamentos que surgem, embora um pouco mais futuristas, seriam: a neurociência tenta unir cérebro e máquinas, algo fantástico para melhorar a vida de tetraplégicos, mas quais as consequências adversas disso? A tentativa de se realizar um transplante de cabeça será bem sucedida, mas e as consequências? A criogenia de pessoas vivas para, anos depois, torná-las novamente a vida será possível, mas e as consequências disso?

Todas as questões supracitas, além de muitas outras, certamente ao serem discutidas trarão reflexões e discussões interessantes, complexas e profundas acerca do papel da ciência e da tecnologia, principalmente no cenário atual no qual certos líderes mundiais possuem tanto poder – Donald Trump e Kim Jong-un. Na história de Mary Shelley, Victor Frankenstein poderia ter usado a sua criatura para instruí-la e imbuí-la de sentimentos e atitudes capazes de transformar uma sociedade em plena mudança pelo início da revolução industrial e, cada vez mais corroída pelo desprezo, ódio, indiferença, egoísmo, ganância, arrogância e prepotência. Mas a autora preferiu não fazê-lo. Além da inspiração, talvez tenha deixado para as gerações vindouras a oportunidade de fazê-lo, de reescrever uma nova história do Frankenstein, fora de um contexto de ficção científica. Basta que aprendamos e discutamos o suficiente para que o nosso amadurecimento científico permita transformar a sociedade e dar um novo fim, mas não para aquela história – a nossa história.

Referências

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Thiago Jucá

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