Após a aproximação do presidente Bolsonaro com o Congresso Nacional, há que se perguntar se há alternativas ao presidencialismo de coalizão.
Na campanha eleitoral de 2018, o então candidato e depois eleito presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), fez críticas aos partidos políticos e à forma como se constituíam as maiorias que davam a base de sustentação dos governos, usando práticas fisiológicas, que ele chamou de ‘toma-lá-dá-cá’. A ideia era a de recusar a ‘comprar’ apoio dos partidos, por meio da distribuição de pastas ministeriais e de formar uma base parlamentar, não com os partidos (e suas barganhas), e sim com bancadas temáticas, como as chamadas bancadas ruralistas, da bala e da religiosa. Essas bancadas juntas teriam votos suficientes para garantir a aprovação de suas propostas e assegurar a governabilidade.
Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo saudou o princípio adotado para compor o novo governo, decretando a morte do ‘presidencialismo de coalizão”. Para o jornal, esse modelo seria responsável por “uma parte considerável das desventuras nacionais” e que tem no fisiologismo uma das suas principais características’.
A questão é que tem se revelado problemático governar sem apoio dos partidos no Congresso e com um partido que, embora tenha crescido muito nas eleições, com a então segunda maior bancada, não tinha nem 10% da composição do Congresso Nacional. O governo já entendeu a necessidade de negociação com as lideranças dos partidos no Congresso Nacional para obter o apoio necessário para aprovar matérias de seu interesse.
O editorial da revista IstoÉ, edição de 20 de março de 2019, “A pax política de Bolsonaro”, mostra as mudanças de comportamento do presidente que “desde o fim das folias de Momo, é outro homem. Conversa ativamente com os setores envolvidos no assunto (no caso, a reforma da previdência – a PEC 06/2019, que a revista defende) (…) chama para acertar demandas dos interlocutores e parlamentares e tenta afinar detalhes (…). E mesmo a imprensa, que tem sido tratada a pontapés pelo mandatário nos últimos tempos, foi chamada ao quadrilátero do Planalto para dois seguidos cafés da manhã ao lado dele, nos quais o ponto alto foi a simpatia e o bom humor do anfitrião”. Para a revista, a postura mais moderada poderá trazer para suas hostes uma série de deputados que até aqui se mostravam descontentes com o tratamento recebido do Executivo e salienta que foi bom que “a virulência oficial de ataques a esmo tenha sido substituída pelo diálogo”.
Ao se recusar a negociar com as direções partidárias e tratar apenas com líderes de bancadas temáticas, esse novo modus operandi do processo decisório mostrou seus problemas com o descontentamento das lideranças partidárias
No caso das relações com o congresso, o diálogo é necessário, mas tem de ir além e tem que negociar em bases nas quais os partidos possam ter cargos e influência. Ao tentar estabelecer uma relação diferente com os partidos, ele desafiou o modelo de coalizão até então vigente. O presidencialismo de coalizão pressupõe que em troca de apoio, o partido político compartilhe espaços (cargos) nos ministérios e autarquias. Mudar esta forma de governar tem seus riscos, já percebidos pelo governo, ou seja, a consciência de que tem de compor com diferentes partidos para aprovar seus projetos. O problema é que pode pagar um preço alto, especialmente com um congresso com maioria de partidos e parlamentares fisiológicos, integrantes do chamado “baixo clero” que tem, como se sabe, um peso considerável nos processos de negociações.
Assim, ao se recusar a negociar com as direções partidárias e tratar apenas com líderes de bancadas temáticas, apresentado como uma “nova forma de fazer política” esse novo modus operandi do processo decisório mostrou seus problemas com o descontentamento das lideranças partidárias. Isso significa que se o governo quiser o apoio e estabilidade na arena legislativa, deve negociar, o que deve acontecer para que não se entre no terreno da incerteza em relação à aprovação de seus projetos.
E mais: o fato de não contar com os partidos para preencher os cargos, não evita que eles possam ser loteados de diversas formas, com indicados, muitas vezes sem a devida competência, sendo nomeados por influência de determinados grupos de interesse ou bancadas setoriais.
Constituir maioria no parlamento é uma necessidade para garantir a governabilidade. Para se aprovar uma Emenda Constitucional, como a reforma da Previdência, por exemplo, é necessário ter o apoio de 3/5 do Congresso. E como se consegue isso? Como fazer contando apenas com negociações com bancadas setoriais? A questão não é a da legitimidade dos interesses dos parlamentares e suas demandas, mas da forma como isso se faz.
A esquerda hoje no parlamento pode fazer oposição, mas não têm representantes e votos suficientes para impedir que o governo aprove seus projetos. O PT e seus aliados têm apenas em torno de 20% das cadeiras no parlamento e nesse sentido, é minoria e tem sido impotente para enfrentar o governo. A saída será a de fortalecer a mobilização popular fora do parlamento, especialmente em relação a projetos considerados impopulares. Até agora, não conseguiu e embora o governo enfrente algumas disputas internas, é provável que suas reformas sejam aprovadas sem muita resistência.
Constituir maioria no parlamento é uma necessidade para garantir a governabilidade.
No artigo “As incertezas e perspectivas: O presidencialismo de coalizão no governo Bolsonaro”, publicado no final de 2018, Rodrigo Dolandeli dos Santos e Jeison Giovani Heiler, ambos doutores em Ciência Política pela UNICAMP, afirmam que a construção da governabilidade tem se mostrado bastante dependente da formação de maiorias parlamentares, ancoradas pelas alianças partidárias no Congresso Nacional e que o gerenciamento da coalizão torna-se condição fundamental para o sucesso do governo.
Mas, se há entusiastas deste arranjo institucional, o presidencialismo de coalizão, há também muitas críticas. O cientista político Sérgio Abranches, que formulou o termo em um artigo publicado em 1988, tem escrito e publicado sobre o tema (o mais recente é o livro “Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro”, Companhia das Letras, 2018). A ideia central é que esse é um modelo que gera instabilidade, com a possibilidade de paralisia decisória, com elevado custo da negociação entre Executivo e Legislativo.
Ao analisar o sistema político de 17 democracias no mundo, ele afirma que o caso do Brasil é singular, sendo o único que reúne multipartidarismo, voto proporcional, federalismo e o bicamaralismo. E com um grande número de partidos com representação no parlamento, o partido do presidente eleito, desde 1989, não tem maioria para aprovar seus projetos e assim, necessariamente, tem de se compor com outras legendas, é o que chama de presidencialismo de coalizão.
Em novembro de 2018 o cientista político e professor da USP, Fernando Limongi, publicou um artigo intitulado “Presidencialismo de delegação” no qual afirmou que o governo Bolsonaro “constrói um governo balcanizado e compartimentalizado. É meio cada um para um si, sem a coordenação de uma liderança unificadora, autorizada a resolver os inevitáveis conflitos entre os titulares das pastas”. Para ele, “O presidente eleito encontra conforto quando delega a gestão. Por enquanto, este foi o modelo adotado para distribuir pastas ministeriais. Nasce o presidencialismo de delegação. Tem tudo para dar errado”. (http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2018/11/26/fernando-limongi-o-presidencialismo-de-delegacao/).
O partido do presidente eleito, desde 1989, não tem maioria para aprovar seus projetos e assim, necessariamente, tem de se compor com outras legendas, é o que chama de presidencialismo de coalizão
É ainda muito cedo para se analisar a forma como esse modelo permanece ou não. A meu ver, permanece e a questão que se coloca é: há alternativas ao presidencialismo de coalizão? Formar alianças e maiorias não é o problema e é até indispensável, já que nenhum dos partidos dos presidentes eleitos desde 1989 teve maioria no Congresso Nacional, ou seja, os presidentes não podiam contar só com seu partido. O problema é como se dão as negociações para compor maioria. O presidencialismo de coalizão não acabou e nem vai acabar, enquanto as eleições e os partidos forem como são e como não há um partido com maioria absoluta em ambas as casas legislativas, a criação de uma base de apoio torna a negociação inevitável, com todas as conseqüências que isso pode ter.
Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Para saber mais sobre presidencialismo de coalizão, leia:
O presidencialismo de coalizão e as eleições de 2018
Para saber mais sobre a PEC 06/2019, leia:
Reforma da previdência exige mais sacrifícios das mulheres
Reforma da previdência: reflexões à luz das desigualdades
Financiamento e previdência complementar de servidores públicos
As mudanças de parâmetro no serviço público com a reforma da previdência
Homero de Oliveira Costa