Artigo apresenta indicadores da demografia dos domicílios do RN para explicar a importância do isolamento social
Ao longo dos últimos dias há um debate acalorado sobre as ações divergentes na gestão das ações de contingenciamento para o enfrentamento da pandemia da Covid-19 (novo coronavírus). O pronunciamento do presidente da República na última terça-feira, dia 24 de março, colocou em xeque as ações de diversos governadores de Estado acerca das medidas de isolamento social e suspensão das atividades econômicas não essenciais. Vem sendo chamado de isolamento horizontal este modelo no qual se busca reduzir a circulação da maior parte da população possível sem selecionar grupos de risco. Por outro lado, a defesa do governo federal vai na direção de um isolamento vertical, no qual se manteriam isolados apenas os grupos de risco, sobretudo idosos. Os dados de outros países indicam que a maior taxa de letalidade da Covid-19 recai sobre a população com mais de 60 anos, principalmente entre aqueles que já possuíam alguma condição de saúde mais frágil.
Mas vamos entender um pouco mais sobre a demografia das famílias do Rio Grande do Norte para avaliar se o isolamento vertical efetivamente protegeria os nossos idosos. Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015 (PNAD/IBGE), quando consideramos o número médio de pessoas por domicílio, temos uma média baixa, pois temos 2,5 moradores na média de todos os domicílios do RN. Mas esses valores são diferentes quando se faz um recorte de renda, pois essa média é de 4 moradores por domicílio quando se considera a faixa de renda de até ¼ de salário mínimo per capita. Isso significa dizer que aumentam os riscos de contaminação nos domicílios que possuem mais moradores, pois mais pessoas estariam expostas a se contaminar e ao retornar para suas casas contaminar os demais. Isso ocorre, principalmente, pelo fato de que para muitas pessoas os sintomas da Covid-19 são leves (ou até mesmo assintomáticos) e a contaminação pode ocorrer antes ainda da fase em que aparecem os sintomas. Vale ressaltar ainda que, conforme o dado evidenciado, as famílias mais numerosas são, em média, as que apresentam as menores faixas de renda, o que pode comprometer a aquisição de suprimentos e adoção de ações de higienização recomendadas pelas entidades de saúde, aumentando ainda mais o risco de contaminação.
Mas o que mais preocupa é quando essa contaminação ocorre entre os maiores de 60 anos, pois eles possuem maior chance de desenvolver sintomas graves e até a risco de morte, sobretudo quando há combinação com outras doenças crônicas (principalmente problemas respiratórios, diabetes e hipertensão). Se utilizamos um isolamento apenas dos grupos de risco, essas pessoas deixariam de sair e, portanto, de se expor ao risco de contaminação? Diretamente sim, mas os demais membros do domicílio retornando as suas vidas “normais” podem trazer a doença para casa onde vivem idosos. No RN, segundo os mesmos dados da PNAD, dentre os cerca de 1 milhão de domicílios em 2015, quase 325 mil tinham pelo menos um idoso. Isso significa dizer que quase 30% dos domicílios do RN apresentam uma situação de convivência domiciliar que favorece a contaminação doméstica dos idosos pelo novo coronavírus, mesmo que estes permanecessem sem sair de casa.
Assim, podemos perceber que ao decidir um isolamento vertical, uma parcela significativa desse grupo de idosos permaneceria exposto ao contágio de modo indireto. Ou seja, um terço dos domicílios do Estado estariam correndo sérios riscos de contaminar quem mora com ele. No Estado apenas 4,5% dos domicílios são de idosos que vivem sozinhos. Esses sim, potencialmente estariam protegidos em um isolamento vertical. Mas representam uma parcela muito pequena. Mais grave se torna essa análise quando verificamos que quase 170 mil pessoas residem em domicílios com pelo menos um idoso e que têm apenas um cômodo servindo como dormitório. Nessa condição de moradia, mesmo que uma pessoa jovem tenha realizado o teste positivo para a Covid-19, seria impossível manter-se isolado dos demais membros do domicílio.
Com base nestes indicadores demográficos, podemos ter uma ideia de como é importante um isolamento mais abrangente e que não seja apenas dos grupos de risco, pois dada a estrutura dos arranjos domiciliares no Rio Grande do Norte (e em boa parte do país) essa decisão não surtiria grande efeito. E alerta-se que aqui estamos considerando apenas o grupo de idosos como parte do grupo de risco. Ainda existem pessoas em idades mais jovens que possuem condições de saúde que as colocam nesse grupo, que se consideradas nas análises, apenas corroboraria com a conclusão trazida nesse texto e com as recomendações técnicas das autoridades de saúde acerca da importância do isolamento horizontal.
Ricardo Ojima – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Victor Hugo Dias Diógenes – Demógrafo, professor do Departamento de Finanças e Contabilidade (DFC) da Universidade Federal da Paraiba (UFPB) e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Ricardo Ojima e Victor Hugo Dias Diógenes
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