Thiago Lustosa mostra como as descobertas dos chamados “amadores” tem tornado a ciência mais útil e familiar para o grande púbico
Esses dias eu estava no sítio São Vicente, no município de Santana do Matos, estado do Rio Grande do Norte, em pleno sertão Potiguar sob um céu limpo e imensamente estrelado. Então, perguntei-me quantos homens, desde as primeiras civilizações, não olharam para o céu e se perguntaram sobre suas origens, quem eram e a respeito da imensidão do Universo. Engana-se quem pensa que essa questão é meramente reflexiva. Vários registros históricos mostram que esses temas sempre permearam a curiosidade da humanidade. Para os mesopotâmios, por exemplo, os corpos celestes, em especial as estrelas, representavam uma espécie de texto sagrado que poderia, se interpretado corretamente, revelar presságios de tempos de paz e prosperidade, assim como de guerras e adversidades. Já os babilônios procuravam descobrir de que maneira, a vida em sociedade era afetada pelos astros. Esse fascínio pelo céu estrelado motivou alguns dos primeiros avanços científicos que se tem notícia, em especial no campo da astronomia/cosmologia, embora nessa época ainda não houvesse uma distinção clara entre ciência e religião, racionalidade e espiritualidade, astronomia e astrologia.
E em se tratando dos avanços científicos relacionados ao espaço sideral, é muito pouco provável não associá-los aos planetas, estrelas, cometas e galáxias, só para citar alguns exemplos. Menos provável ainda não fazer tal associação com os nomes de alguns cientistas seja da idade antiga (Aristóteles e Ptolomeu), média (Abd al-Rahman al-Sufi e Roger Bacon), moderna (Copérnico, Kepler, Galileu e Newton) ou contemporânea (Edwin Hubble e Stephen Hawking) que fizeram descobertas tão incríveis a respeito do Universo que é até difícil imaginar os limites do conhecimento humano. O que nem sempre fica claro é o caminho percorrido para se chegar a essas grandes descobertas e nem as pessoas que estão por trás disso, já que muitas vezes são cientistas amadores.
Veja o exemplo de um adolescente britânico de 17 anos, que recentemente descobriu – ao analisar dados científicos da NASA em uma atividade escolar – que sensores de radiação na Estação Espacial Internacional não apenas estavam gravando dados inexistentes, como em uma frequência incrivelmente alta. Tal descoberta motivou o adolescente a entrar em contato com cientistas da agência americana para apontar o erro que logo foi percebido e corrigido. Segundo um dos pesquisadores da NASA que trabalha monitorando essas radiações, a correção foi “mais apreciada do que considerada algo embaraçoso”.
Tão fascinante quanto à descoberta do adolescente britânico foi a de um grupo de três astrônomos amadores brasileiros que descobriu duas novas chuvas de meteoros, batizadas de Epsilon Gruids (EGR) e August Caelids (ACD). Segundo um dos responsáveis pela descoberta, o cearense Lauriston Trindade, existiam 796 chuvas catalogadas no Meteor Data Center, órgão ligado a União Astronômica Internacional e, até então, nenhuma descoberta por brasileiros.
O astrônomo amador cearense possui entre outras façanhas, o registro de outra chuva de meteoros, na qual foi possível capturar a passagem de 26 estrelas cadentes; o registro ainda no ano de 2015, em conjunto com o também astrônomo amador Paulo Régis, da passagem da Estação Espacial Internacional (ISS) por Fortaleza. O fato de a ISS estar a 415 km de fortaleza e viajando a uma velocidade de oito quilômetros por segundo tornam o feito dos dois astrônomos ainda mais surpreendente. Os astrônomos amadores brasileiros responsáveis pelas descobertas fazem parte da Rede Brasileira de Observação de Meteoros (BRAMON) que desde 2014 realiza um trabalho de monitoramento e registro do céu do País.
Um fato curioso é que no início da Revolução Científica, ainda no século XVI, os filósofos, admiradores e amantes da ciência buscavam maneiras de disseminar o conhecimento científico e, assim, separá-lo de vez da teologia, a qual esteve atrelado durante toda a idade média. E uma das maneiras encontradas por muitos era apresentar “engenhocas” que pudessem ser úteis para os nobres das cortes imperiais e comerciantes ou até mesmo algo que os entretece. E assim, muitos desses primeiros cientistas amadores da época pavimentaram a estrada da Revolução Científica pelos séculos seguintes. Só em meados do século XVII é que surgiu a mais antiga e famosa instituição científica do mundo, a Sociedade Real Britânica, que passou a oferecer cargos remunerados para os primeiros cientistas que então deixavam de ser amadores.
Atualmente, após mais de 400 anos do início da Revolução Científica, muitos desses cientistas amadores continuam mostrando seu interesse, fascínio e o mais importante de tudo, mesmo não estando atrelados a Universidades e instituições de pesquisa (Embrapa, Fiocruz, LNLS, LNCC, Observatório Nacional, entre outras) e nem recebendo fomento de agências/instituições nacionais (CNPq, Capes, Finep, Petrobras) ou locais continuam produzindo conhecimento científico. Certamente, as descobertas desses “amadores” da atualidade, tem tornado a ciência mais útil e familiar para o grande púbico, assim como a dos “amadores” da revolução científica, com as suas “engenhocas” foram para a aristocracia daquela época.
Inclusive, acredito que muitos desses amadores da ciência ao olharem para o céu, ao apreciarem o lindo céu do sertão potiguar, compartilham com o grande astrofísico Carl Sagan, a ideia de que a ciência nos ensina a humildade de perceber quanto somos pequenos perante a vastidão cósmica, e que perante os bilhões e bilhões de estrelas que compõem o universo, o planeta Terra é muito menos que um desprezível pálido ponto azul.
Thiago Lustosa Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas pela UFC. Atualmente trabalha como Técnico Químico de Petróleo na Refinaria de Lubrificantes e Derivados do Nordeste, Petrobras, onde é vice presidente da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e coordenador do Grupo de Trabalho do Benzeno.
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