Artigo de Nagib Nassar, professor emérito da Universidade de Brasília, para o Nossa Ciência
A pesquisa bem sucedida depende de um eficiente investimento e a análise deste investimento, é vital para que seu governo decida prioridades científicas e financeiras. É importante ainda, medir a qualidade dessa pesquisa pelas medidas internacionais para se chegar a uma conclusão sobre o destino de futuros gastos. É uma preocupação de quem planeja em qualquer governo de qualquer nação.
Em um artigo publicado pelo editor da Folha de São Paulo, professor Emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional da Ciência, Rogério Cesar Cerqueira Leite, ele cita dois artigos publicados pela revista britânica Nature (1;2;3). No texto, ele se diz profundamente envergonhado pelo relato da revista Nature sobre a qualidade da ciência brasileira. A revista avaliou que cientistas brasileiros preencheram apenas 1% das publicações em revistas de alto impacto. Quando incluiu revistas menos qualificadas e indexadas, o Brasil se responsabilizou somente por 2.5%. A Nature revelou ainda que publicações em revistas não indexadas não merecem qualquer consideração.
O mais importante nos artigos da Nature, citados por Rogério Leite, refere-se à eficácia no uso de recursos aplicados à pesquisa. Dentro de 53 países analisados, o Brasil está no 50º lugar. O Brasil publicou 670 artigos em revistas de grande prestígio gastando 30 bilhões de dólares durante anos de análise, enquanto o Chile, na própria América do Sul gastou no mesmo período 2 bilhões de dólares e publicou 15 vezes mais artigos em revistas de impacto do que o Brasil.
A distribuição de recursos para pesquisas no Brasil é feita pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico) – a principal agência de fomento no país – mediante editais e mediante o julgamento dos projetos submetidos ao órgão pelos pesquisadores. Somente o edital universal, com valores variando entre 200 a 400 milhões reais era dirigido a todos os pesquisadores de todas as áreas. Este edital foi dominante até doze anos atrás. Nos anos seguintes surgiram tipos diferentes de editais com temas específicos e com condições que atraiam atenção de observadores. Foram interpretados como se fossem dirigidos a certos grupos de pesquisadores e certas finalidades. Alguns eram restritos exigindo muita especialização, como produção de algodão transgênico ou resistência aos insetos na Amazônia ocidental. Esses editais, porém, têm características comuns como o valor mínimo do projeto que não deve ser menos de algumas centenas de milhares a milhões de reais distribuídos em material de consumo, passagens aéreas, diárias e bolsas. Outros editais milionários foram destinados à cooperação científica com diferentes países europeus e seus itens são principalmente bolsas, passagens aéreas e diárias.
O fato de restringir um edital a um certo assunto tem sua legalidade muito questionável, pois proíbe e impede outros pesquisadores mais aptos de receber esses recursos públicos e coloca em dúvida se há realmente livre seleção e realística avaliação dentro de uma livre competição. Restringir a concorrência a um assunto bem específico serve para uma fundação privada, mas não para uma agência nacional que tem sua verba e orçamento vindos do tesouro nacional e do dinheiro público.
Há mais defeitos nesses editais feitos pelo CNPq. Nos últimos anos passou a restringir a participação a pesquisadores (com classificação) 1A ou 1B (no CNPq). Esta é uma classificação artificial com critérios absurdos e que contrariam conceitos científicos universais, como por exemplo, o número de publicações e não a sua qualidade ou o seu impacto. A classificação ignora também o papel e a contribuição do pesquisador num trabalho publicado, atribuindo a ele um crédito que ele não merece. Um autor principal é tratado com o mesmo peso de um autor dentro de uma dúzia de outros autores, parece que ele não é mais de um pegando carona com os outros, e dependendo de outros para publicação. Trata- se de um fenômeno conhecido como dependência e altamente rejeitado por analistas de política cientifica. Conforme este fenômeno, muito comum graças ao tipo de avaliação, não é raro de encontrar um pesquisador 1A que nunca foi principal autor de uma publicação na sua vida científica ou foi autor de poucos trabalhos com notável impacto.
Essa classificação distorcida e suas restrições de recursos para uma classe artificialmente elevada de nível levam a uma distribuição de recursos nacionais a pesquisadores sem potencialidade de produção científica, de qualidade ou de impacto. E deixa outros com maior potencialidade privados de ter suas chances de receber recursos da instituição.
Um dos critérios principais de classificação de pesquisadores para 1 ou 2 é o número de alunos pós graduados, mestres e doutores orientados por ele, sem qualquer menção a publicações que surgem de suas teses. É uma distorção que conduziu a formação de centenas de meio pós-graduados, e uma geração inteira de doutores inaptos, mau preparados, além de todo desperdício de recursos. É frequente encontrar este pesquisador 1A, que formou mais de cinquenta mestres e doutores sem um número razoável de publicações numa revista de alto impacto. Uma olhada no currículo lattes basta para se ter uma ideia.
O julgamento de projetos é mais uma parte dramática desta história. Nele consultores ad hoc são escolhidos pelo técnico da área, sem controle ou acompanhamento de autoridade superior. Ocorre, frequentemente, de se pedir consulta, de um bioquímico especialista em transformação molecular para julgar um assunto botânico ou vice-versa, o que pode causar um resultado injusto levado ao comitê assessor. Se o consultor ad hoc tem impedimento ético ou conflito de interesse com o autor do projeto pede dispensa. Raramente seu pedido é aceito, assim se esse consultor der um parecer desfavorável contrariando sua consciência e ética, não há nenhum acompanhamento da administração da instituição para tratar disso ou corrigir o prejuízo causado para o pesquisador e para distribuição dos recursos. Há queixas e reclamações de centenas de pesquisadores com relação a este processo. Há centenas queixas de pesquisadores também que alegam que nunca as palavras chaves colocadas por eles foram respeitadas e seus projetos receberem pareceres injustos. (4; 5; 6; 7;8;9).
A falta de follow-up e controle por parte dos dirigentes também é alvo de reclamações de pesquisadores. É comum nos últimos anos ter os diretores das áreas principais morando distante da instituição, no Rio ou em Brasília, e virem ao CNPq um dia ou dois a cada semana somente para assinar a papelada e depois voltarem para suas cidades deixando suas responsabilidades e atribuições aos técnicos e funcionários menos qualificados para tal decisões. É lamentável notar uma situação como essa, onde a ciência e o futuro científico de um país e os interesses de pesquisadores são ignorados e desrespeitados. (9, 10).
Referências:
1. “Nature Index 2014, Middle & south America”. Nature 515, págs 91-92, 12/11/2014
2. Gabriel Alves, “Gasto brasileiro com ciência é muito pouco eficiente, diz Nature”, Folha de S.Paulo, 17/11/2014.
3. Rogério Cezar de Cerqueira Leite, “Produção científica e lixo acadêmico no Brasil” , Folha de S.Paulo, 6/1/2015.
8. Nagib Nassar, “CNPq: A configuração e os desafios” , JC Notícias, nº 4254, 10/5/2011.
9. Artigo Nagib Nassar – Por novos rumos na ciência
10. Opinião: Por novos Rumos na Ciência
*Nagib Mohammed Abdalla Nassar, Ph. D. em Genética pela Alexandria University (1972)É professor emérito da Universidade de Brasília. Na década de 1970 desenvolveu híbridos de mandioca que ajudaram a salvar países da fome e são plantados em mais de 4 milhões de hectares no oeste e no leste da África. Recebeu em 2014 o prestigiado Prêmio Kuwait International e o dedicou integralmente ao apoio de pesquisas de jovens cientistas sobre mandioca e à Fundação Nagib Nassar para o Desenvolvimento Científico e Sustentável.
Deixe um comentário