“Pesquisar é agir, comunicar é confluir” Artigos

sexta-feira, 30 agosto 2024
Sarah F. Santos (Foto: Arquivo pessoal)

Notas de Sara Fontenelle, autora da tese premiada pela CAPES, na área de Comunicação e Informação.

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Recebi o convite da editora do Nossa Ciência para falar “qual a emoção de receber o Prêmio CAPES”, que missão complexa para um ser que sente tanto. Mas, vamos lá. Tenho dito que a emoção é, sobretudo, por poder contar mais uma história dos povos contra-coloniais e suas soluções comunitárias para que possamos continuar a re-existir entre muitos mundos! Lembro que quando cheguei a Natal, alguém comentava sobre prêmios a teses e dissertações, achei tão fora da curva que logo comentei que minha missão enquanto pesquisadora que senti-pensa com a comunidade não é ganhar prêmios, mas estar no doutorado estudando este tema já era a culminância de uma saga diante de tantos: “nãos”/ “isso não tem objeto comunicacional”/ “isso nem chega a ser ciência”/ “você quer estudar comunicação mesmo?”/ “essa não é uma linguagem científica, tá mais para poesia”/ Isso aí tá mais para sociologia ou antropologia”. Teimosa que sou insisti até encontrar as pessoas certas no Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPGEM-UFRN).

Que aventura! Achando as pessoas certas eu comecei a ouvir “pode continuar ousando!”.

A postura metodológica da pesquisa é reveladora do ponto onde queremos chegar: o que ganha a academia/ciência quando ela se torce e, em conversidade, se permite a aprender desde as tecnologias ancestrais, modos de vida e modos de ser outro. Assim a gente reverte a síndrome da academia salvadora e reconhece que é a comunidade e suas soluções que podem salvar a academia e os mundos! A solução para a comunicação e suas colonialidades racistas, machistas, homofóbicas e cosmofóbicas é ancestral. Ou não será!

Nego Bispo e Maria Sueli Rodrigues

Me sinto, sobretudo, emocionada por poder confluenciar com teóricos piauienses da terra como o quilombola caatingueiro Nego Bispo e a, também caatingueira, Maria Sueli Rodrigues, ambos intelectuais orgânicos que já ancestralizaram. Com a Maria Sueli aprendi que “somos feitos de subjetividade” e ela sempre defendia que nossas pesquisas tinham que ser, cada vez mais subjetivas, sim. Porque esse papo que nos contaram que tudo é objetividade é parte do assédio e da sedução da colonialidade para nos mantermos presos ao colonial capitalismo, porque assim eles minam nossos modos de ser, nossa auto-estima e todo o nosso imaginário potente e cosmológico.

 A missão, então, era fazer uma pesquisa que conseguisse biointeragir com as cosmosensações comunitárias, sua espiritualidade, suas táticas de re-existencias, suas invenções comunicativas para dizer a palavra coletiva, romper o silenciamento colonial e produzir narrativas comuns que sejam capazes de falar dos povos contra-coloniais ganhando. E a comunidade é vencedora de cada batalha. Quem aí já conseguiu colocar para correr o capital internacional que desterrritorializa as comunidades por todo o mundo? Até Raquel Rolnik entrou na confluência para saudar a luta pelo direito a cidade que fez o Banco Mundial reconhecer que aquela política não atendia com respeito o território. E eles se retiraram.

Palavras germinantes

Com Nego Bispo, aprendemos como suas palavras germinantes como a circularidade, biointeração, confluência e transfluência podem convidar a comunicação a entrar na gira. E é com essas palavras que germinamos e afirmamos um jornalismo transcendente, uma comunicação holística, integral e que se pretende curadora através das memórias, das histórias de vida e de uma escuta profunda e sensível. E, não se trata aqui, de ser uma escuta de uma “outra”, pesquisadora distante e impassível que empresta seus ouvidos para restaurar esse silenciamento. Não! A escuta se dá quanto torcemos o método científico e reelaboramos modos da comunidade também ser pesquisadora e caçar meios de escutar seus vizinhos. E isso também tem muito da Su, ela sempre dizia que a solução estava na vizinhança. E, isso é bem viver, saber escutar, saber sonhar, saber ouvir, saber compartilhar. E, também é ubuntu, conjunto da realidade, de tudo que existe e pode ser conhecido. É a relação entre dos os seres.

E, voltando, às emoções, senhoras e senhores leitores do Nossa Ciência, elas residem justamente no fato de saber que a desobediência epistemológica e ontológica da comunidade pode emergir e urgir em suas potencias. É emoção também enxergar esse prêmio em tanta gente incrível que vibra junto e atravessou essa trajetória.  E eu sigo crendo na comunicação de bem viver, que escuta, cura, sonha, compartilha e é relação com o seu entorno cósmico, entre humanos e não-humanos, vivos e não-vivos, presentes e ausentes. O critério para a comunicação é antes a inclusão e interagir. O critério primeiro para esta ciência que fazemos junto com a comunidade é agir. O critério da palavra é fazer e criar.

De acordo com a autora, a tese Comunicação Popular e Insurgente da Boa Esperança: cicularidade entre território, memória e histórias de vida em Lagoas do Norte Pra Quem? trata de uma confluência com a Comunidade Boa Esperança, localizada em Teresina (PI), no processo de re-existência contra o Programa Lagoas do Norte. O trabalho foi orientado pela professora Maria Angela Pavan, do PPGEM.

Sarah Fontenelle Santos é piauiense, doutora em Estudos da Mídia (UFRN), Mestra em comunicação (UFPI), Jornalista e Relações Públicas (UESPI), co-fundadora da Plataforma de Comunicação Popular OcorreDiário, vice-coordenadora do Grupo de pesquisa EsTrema (UFMA), integra o Grupo de Pesquisa Descom, colaboradora com a Coluna Diversidades do Portal Nossa Ciência

Sarah Fontenelle Santos

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