Nesta primeira parte do artigo, o professor Homero de Oliveira Costa, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN analisa as propostas de reforma política que tramitam no Congresso Nacional
No dia 14 de julho de 2016, os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES) protocolaram uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propôs algumas mudanças importantes no sistema representativo brasileiro, as quais se destacam: a) fidelidade partidária; b) criação de federação de partidos; c) adoção do funcionamento parlamentar; eleitos; d) fim das coligações nas eleições proporcionais e) instituição da cláusula de barreira;
Este conjunto de propostas, apresentadas como novidade, na realidade não tinha nenhuma. Todas já circulavam no Congresso Nacional há muito tempo, sem que tivessem sido votadas, mesmo tendo sido aprovadas nos vários relatórios das Comissões Especiais de Reforma Política. Certamente outros temas relevantes ficaram de fora como o fim do voto obrigatório, de suplente de senador, do financiamento privado (e não apenas de empresas) de campanhas eleitorais, fim de emendas parlamentares individuais, diminuição do mandato de senador (na impossibilidade extinguir o Senado), voto em lista partidária, entre outros.
Nenhum desses itens foi sequer votado no plenário das duas Casas legislativas. No entanto, em função da nova configuração do poder político, com o afastamento da presidente Dilma Rousseff (golpe parlamentar) e o crescente descrédito dos partidos políticos (e do parlamento), é possível que agora, pelo menos, sejam votados, sem que haja garantias de que sejam aprovados.
Houve outros momentos mais favoráveis para uma ampla reforma política, como no início do primeiro governo de Lula em 2003, quando foi constituída uma comissão especial com o objetivo de elaborar uma proposta. A comissão fez uma série de propostas e Lula terminou o mandato – em meio a uma crise, resultado em grande parte, das coligações e suas consequências na composição dos ministérios e da ocupação do aparelho de Estado dos aliados de ocasião – sem fazer qualquer reforma política. Em 2007, no início do seu segundo governo, tentou mais uma vez, propondo uma reforma política “enxuta” restrita a três pontos: fidelidade partidária, o voto em lista partidária e o financiamento público de campanhas eleitorais. O único item que foi aprovado foi o da fidelidade partidária, não por decisão do congresso, mas do Supremo Tribunal Federal.
Tanto nas eleições de 2010 como na de 2014, quando foi reeleita, Dilma Rousseff defendeu uma ampla reforma política. Não conseguiu fazer isso no primeiro governo, quando foi eleita com apoio de 10 partidos e manteve maioria no Congresso Nacional e muito menos no segundo governo, quando praticamente não conseguiu governar, até perder o mandato em julho de 2016.
No dia 13 de setembro de 2016, numa celeridade pouco comum no Congresso, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a PEC 36/2016 proposta pelos dois senadores. A matéria segue agora para votação em plenário e por se tratar de uma PEC, requer votação em dois turnos tanto no Senado como na Câmara dos Deputados e se aprovada, será sancionada pelo presidente da República.
Caso seja aprovada da forma como foi proposta, ainda que não seja uma reforma política ampla, terá profundo impacto no sistema representativo brasileiro. Vejamos.
Em relação à fidelidade partidária, a PEC estabelece que os eleitos em 2016 e 2018, perderão o mandato caso se desfiliem dos partidos pelos quais foram eleitos. Isso vale também para os vices e suplentes que não terão o direito de substituir o titular caso também deixem os partidos. A nova regra impõe a perda de mandato por desfiliação partidária, exceto se motivada por mudança substancial ou desvio do programa partidário, grave discriminação política partidária ou no caso facultado aos eleitos por partido que não tenham direito a funcionamento parlamentar (ou seja, eleitos por partidos que não tenham atingido o número mínimo exigido na cláusula de barreira). Todavia, a mudança de partido, nesse caso, não afetará o tempo de televisão do partido ou sua cota na distribuição do fundo partidário.
Quanto à federação de partidos, tem por objetivo assegurar a eleição de parlamentares e/ou o direito a funcionamento parlamentar dos pequenos partidos com afinidade ideológica e programática, que teriam dificuldades, com a cláusula de barreira e o fim das coligações, de atingirem o quociente eleitoral e garantirem representação no Parlamento. Eles teriam de ficar coligados até pelo menos às Convenções Partidárias das eleições seguintes.
A proposta também cria a categoria dos partidos com “funcionamento parlamentar”, que é um direito dos partidos de terem representação nas Casas Legislativas e com acesso a fundo partidário e tempo de rádio e televisão, estrutura funcional própria no Congresso e direito de propor ao Supremo Tribunal Federal ações de controle de constitucionalidade.
No entanto, as duas propostas que causarão maior impacto no sistema político, eleitoral e partidário, são as que estabelecem uma cláusula de barreira (ou cláusula de desempenho) e a que proíbe coligações em eleições proporcionais.
Homero de Oliveira Costa é professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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