Parlamentarismo no Brasil só tem sentido se inserido em um conjunto de reformas que melhorem a qualidade da representação, fortaleçam os partidos e a participação popular.
No artigo “Golpe dentro do golpe” (Carta Capital, de 29/1/2017) André Barrocal diz que “Um espectro ronda o Brasil, e não é o comunismo, apesar das cômicas preocupações dos fãs de Jair Bolsonaro. É o parlamentarismo (…) para salvar Temer no futuro e neutralizar Lula em 2018, o STF ressuscita uma ação sobre o parlamentarismo (…). Ele considera que se trata de uma “trama urdida por Michel Temer, o impopular mandatário, e Gilmar Mendes, o comandante do Tribunal Superior Eleitoral”. O objetivo da trama é o de alterar o sistema de governo e caso consiga “completaria o golpe de 2016”.
O que está em pauta para ser votado no Superior Tribunal Federal (STF) é um Mandado de Segurança protocolado em 1997 pelo então deputado Jacques Wagner (PT/BA) depois que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados deu parecer favorável a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC n. 20/1995) de iniciativa do então Deputado Eduardo Jorge (PT) que propunha a implantação do parlamentarismo, sem a necessidade de realização de um plebiscito. A ação questiona se é possível mudar o sistema de governo – do presidencialismo para o parlamentarismo – sem plebiscito. O objetivo era o de suspender a tramitação no Congresso, com o entendimento de que a população já havia se posicionado a respeito no plebiscito de 1993 e que não se podia alterar à Constituição em relação a sistema de governo sem fazer nova consulta popular.
A liminar foi negada pelo ministro Néri da Silveira, relator da matéria no STF e desde então, o processo ficou parado. Ao longo dos anos, teve vários relatores (Ilmar Galvão, Carlos Ayres Brito e Teori Zavascki), mas nunca foi colocada em votação no plenário. E só em novembro de 2017, 20 anos depois, é que o tema volta à pauta para votação no STF, tendo como relator o ministro Alexandre de Morais. Assim, retoma-se o julgamento da ação que pode decidir sobre a mudança do sistema de governo sem a necessidade de consulta popular.
No dia 20 de novembro de 2017, os presidentes do PT, PC do B, PDT e PSB emitiram uma nota no qual consideram que a adoção do parlamentarismo agora é mais um golpe. Um golpe dentro do golpe. Diz a nota: “A repentina inclusão, na pauta do STF, de uma ação para definir se o Congresso tem poderes para adotar o sistema parlamentarista, sem consultar a população em plebiscito, é o primeiro passo de mais um golpe contra a democracia e a soberania popular no país. Trata-se de um movimento acintosamente estimulado pelo governo golpista, para impedir que um presidente legitimamente eleito pelo povo assuma o governo com os plenos poderes previstos na Constituição” e que “Só por meio de eleições livres e democráticas teremos um governo com a necessária legitimidade para superar a grave crise econômica, social e política em que o país se encontra, retomar o desenvolvimento com justiça social, a geração de empregos e a defesa do patrimônio nacional”.
O problema em relação à adoção parlamentarismo no Brasil é que não há uma discussão ampla e qualificada sobre o tema. Os que defendem a permanência do presidencialismo argumentando que é mais democrático, que o sistema sempre foi presidencialista desde o início da república, não podem ser suficientes para inviabilizar o parlamentarismo e nem tampouco o fato de que nas duas ocasiões em que o povo votou em plebiscito, ele foi rejeitado. No primeiro caso, o de janeiro de 1963 foi circunstanciado. O parlamentarismo foi uma decisão de cúpula, como solução para uma crise política com a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, e o veto dos militares à posse do vice, João Goulart. Nem os parlamentaristas históricos defenderam sua adoção. Ela foi a maneira de diminuir os poderes do presidente. Mas não durou muito: Em janeiro de 1963, um plebiscito resultou na larga margem de vitória do presidencialismo.
No segundo caso (1993) foi diferente. Atendia a uma determinação da Constituição de 1988 (realização de um plebiscito cinco anos depois) e desta vez houve debates dentro e fora do Congresso Nacional: foram publicados muitos artigos, ensaios, livros em defesa de um e outro, mas o que me parece decisivo foi como as informações chegaram à população (e pela televisão em particular), e nesse sentido, a meu ver, o marketing foi fundamental. A propaganda do presidencialismo foi muito mais eficiente e mais uma vez o parlamentarismo foi derrotado. Chico Santa Rita, que dirigiu a campanha de marketing do presidencialismo, relata a experiência no livro Batalhas eleitorais – 25 anos de marketing político (Geração Editorial 2001) e mais especificamente no capítulo 6 (“Maior vitória: o velho presidencialismo se renova no plebiscito”) e informa que na primeira pesquisa de intenção de voto feita pelo Ibope, a cinco meses do plebiscito, o parlamentarismo estava à frente do presidencialismo (28% contra 21% e 41% sem opinião formada). Só que, para ele, apesar de estar à frente, na propaganda os princípios do parlamentarismo não ficavam claros para a população, o oposto do que ocorria com o presidencialismo, que focou nos que não tinham opinião formada. E o efeito da campanha publicitária em defesa do presidencialismo foi excepcional: no dia 21 de março de 1993, uma pesquisa do Instituto Datafolha mostrava o presidencialismo já estava muito à frente, com 61% e o parlamentarismo com 25%. (revelando que praticamente conquistou quase todos os indecisos). Santa Rita diz que “Jamais assisti a um crescimento de intenção de voto tão grande como o que aconteceu com o presidencialismo, invertendo a situação em apenas duas semanas” e atribui à campanha do parlamentarismo como “o maior conjunto de erros que vi em toda minha vida”. E diz: “No fundo, os dois “produtos” tinham similaridades intrínsecas. A diferença foi que, apesar do nosso ser cheio de defeitos, conseguimos fazer prevalecer às vantagens dele”. O resultado revelou que os que votaram majoritariamente no presidencialismo o fez muito mais em função da eficiente propaganda do que resultado de informações qualificadas quanto ao seu histórico no país, características, diferenças e vantagens em relação ao parlamentarismo. Venceu quem fez melhor propaganda.
Parlamentarismo no Brasil só tem sentido se inserido em um conjunto mais amplo de reformas, que possam fortalecer os partidos e ampliar a participação popular e reformas que visem à melhoria da qualidade da representação têm sido sistematicamente inviabilizadas no Congresso Nacional. Não tem sentido um parlamentarismo num congresso desmoralizado, com altíssimos índices de rejeição, muito fragmentado, com partidos fracos (a maioria meras legendas de aluguel) servindo apenas para viabilizar candidaturas. O parlamentarismo, neste momento, é pretexto para impedir que Lula, que lidera todas as pesquisas, seja eleito e governe de fato. Em curto prazo, a tentativa é a de inviabilizar sua candidatura pela via judicial. Conseguindo, o tema provavelmente sairá de pauta. Não conseguindo, os golpistas e seus aliados, dentro e fora do Congresso, tentarão ou inviabilizar as eleições do próximo ano ou aprovar o parlamentarismo.
Leia o artigo A recusa da política, do mesmo autor
Homero de Oliveira Costa
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