Os engenheiros do caos Artigos

sábado, 21 dezembro 2019

Uma análise sobre como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo usados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições

Por Homero Costa

O livro Os engenheiros do caos, do cientista político italiano Giuliano Da Empoli (Editora Vestígio, 2019), entre outros aspectos relevantes, faz uma análise sobre como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo usados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, cujas campanhas cada vez mais se tornam verdadeiras guerras entre softwares.

No caso de eleições, o algoritmo é programado para oferecer ao usuário conteúdos que os leva a aderir a determinados candidatos e partidos “não importa que posição, razoável ou absurda, realista ou intergaláctica” desde que saiba como interpretar suas aspirações e principalmente o medo dos eleitores.

Os engenheiros do título é o nome que ele dá aos tecnólogos, estrategistas, cientistas de dados e especialistas em big data que usam algoritmos em eleições, direcionando conteúdos, usando as redes sociais e que foram fundamentais para impulsionar a onda populista, tornando possível a ascensão de líderes populistas de  extrema-direita. E este é o foco central de sua análise:  a relação entre as redes sociais e a ascensão da extrema direita populista na Itália, Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, Hungria e Turquia.

Trata-se de uma investigação mais ampla sobre a vitória eleitoral da extrema-direita nesses países e mostra a emergência de uma nova forma política moldada pela internet e as novas tecnologias, fundados não em ideias, mas em algoritmos disponibilizados pelos “engenheiros do caos”.

Livro do cientista político italiano Giuliano Da Empoli.

O uso de algoritmos tem um papel fundamental nesse processo. Como diz Ryan Broderick “influenciadores de extrema-direita começam a aparecer, auxiliados por algoritmos que recomendam conteúdo que captura o usuário online por mais tempo. Eles usarão o Facebook, o Twitter e o YouTube para transmitir e amplificar o conteúdo e organizar campanhas de assédio e intimidação”.

Um dos aspectos relevantes é mostrar como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições e como o engajamento nas redes se sobrepôs à do engajamento político tradicional. Nas redes “o que fundamenta o engajamento é, o medo, o escândalo e a superexcitação permanentes, não importando se o conteúdo que circula é verdadeiro ou falso”, ou seja, não buscam produzir consensos, mas a polarização, explorando a raiva, a cólera e o medo de cada um.

O fato é que estes especialistas compreenderam o papel fundamental da internet, revolucionando a política, decidindo eleições.

O autor se refere, entre outros exemplos, ao Movimento 5 Estrelas da Itália , no qual o comediante Beppe Grillo foi considerado como “o primeiro avatar de carne e osso de um partido-algorítmo”. O partido foi fundado basicamente pela internet, coletando dados de eleitores e dirigindo sua propaganda com base nesses dados, visando satisfazer suas demandas, independente de qualquer base ideológica.

Entre alguns personagens importantes do livro estão Steve Bannon – que teve contribuição decisiva com o uso dos dados de Cambridge Analytica para a vitória de Donald Trump em novembro de 2016 nos Estados Unidos e também contribuiu nas eleições de 2018 no Brasil para a campanha de Jair Bolsonaro: “Ele financiou think tanks, grupos de pesquisas destinados a estudar os malefícios do establishment, mobilizar bloqueiros e trolls para dominar o debate nas redes sociais”. Nesse sentido, teve êxito, tanto nos Estados Unidos como no Brasil.

Outro citado é Arthur Finkelstein “um judeu homossexual de Nova York que se tornou o mais eficaz conselheiro de Viktor Orban, o porta-estandarte da Europa reacionária, engajado no combate impiedoso em defesa dos valores tradicionais na Hungria”.

Certamente a defesa de tais “valores tradicionais” na Hungria e outros lugares, como no Brasil, é pura hipocrisia, uma forma de enganar, de dirigir discursos para determinados públicos e assim conseguir sua adesão.

Numa eleição, o objetivo é o de atingir eleitores indecisos e dirigir a eles mensagens que precisavam receber no momento e fazem isso cultivando a cólera, polarizando, defendendo tais valores “ameaçados” pela esquerda, os comunistas etc. A propaganda, os discursos, não tem por objetivo unir em torno de um denominador comum, mas de inflamar paixões no maior número possível de pessoas para em seguida adicioná-las em seus grupos para dirigir mensagens, mesmo à revelia. A defesa dos “valores tradicionais” é apenas estratégica. O que estão pensando e querendo (e conseguindo) é o poder.

Para isso é necessário, entre outras ferramentas, o uso sistemático de propaganda que, como diz Empoli, se alimenta fundamentalmente de emoções negativas porque estas garantem maior participação “daí o sucesso das fake news e das teorias da conspiração”. Ele cita uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts demonstrado que uma falsa informação tem, em média, 70% a mais de probabilidade de ser compartilhada na internet.

O uso sistemático de mentiras e fake news é de fundamental importância.  São muitos os estudos que analisam seus usos em eleições, como A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump de Michiko Kakutani (Editora Intríseca, 2018) especialmente no capítulo 8, Propaganda e fake news.

As mentiras nas redes sociais e seu uso nas eleições estão inseridas numa narrativa política que capta os temores e as aspirações dos eleitores, enquanto os que as combatem as inserem em um discurso que não é tido como verdadeiro.  A verdade não conta: o que é verdadeiro é a mensagem que corresponde aos sentimentos dos seus seguidores, os quais são percebidos, analisados e manipulados pelos “engenheiros do caos”.

Outro aspecto relevante é a compreensão de que a raiva, o ressentimento e desconfiança do eleitorado é uma fonte de energia colossal e que é possível explorá-la eleitoralmente (contra os partidos, os políticos, a corrupção, o sistema etc.) e que isso ocorre não apenas para ser eleito, mas também para se manter no poder depois de eleito. As armas mais importantes desses populistas é a desinformação, a ignorância, o uso sistemático de mentiras. Seus estrategistas sabem usar as redes sociais, as plataformas da internet, manipulando para conseguir o necessário e permanente engajamento de seus usuários.

Por isso, combater tais procedimentos é difícil. Não se faz isso com dados, contestando as fake news ou apenas com o uso da razão, da lógica, da sensatez. Para combater a grande onda populista, como diz o autor, é preciso primeiro, compreendê-la e não se limitar a condená-la ou liquidá-la como uma nova “idade da desrazão”. É também é fundamental compreender que todo “o maquinário hiperpotente das redes sociais, suspenso sobre as molas mais primárias da psicologia humana, não foi concebido para nos confrontar”, pelo contrário, veio à luz para manter seus usuários num estado de incertezas e de carências permanentes.

Uma questão fundamental é saber se  esses líderes, cujo estilo político é feito de ameaças, insultos, mensagens racistas, mentiras deliberadas, raivosa, infensa à convivência com diferentes visões de mundo, pode frustrar as demandas que os geraram e perderem o consenso dos eleitores que os elegeram.  Será possível se contrapor aos “engenheiros do caos” que fazem propaganda adaptada à era dos selfies e das redes sociais, e como conseqüência, com capacidade ou possibilidade de transformar a própria natureza do jogo democrático? Como fazê-lo? Trata-se de um grande e inadiável desafio.

Referência:

Jornal GGN 

Leia outro artigo do mesmo autor:

Estado de pobreza no Brasil

Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Homero Costa

Uma resposta para “Os engenheiros do caos”

  1. Qualquer semelhança com a situação do país ….

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