Onze supremos e muitas sentenças Artigos

domingo, 1 julho 2018
(Foto: Google)

É cada vez mais frequente que ministros do STF emitam opiniões sobre os assuntos mais diversos da vida política nacional. Essas condutas contrariam a liturgia do cargo

Uma decisão recente do ministro Edson Fachin de retirada de pauta do Habeas Corpus de Lula no julgamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, foi considerada pelo jornalista Luis Nassif como que tenha sido tomada “de forma canhestramente combinada com o TRF4”. O fato é que gerou controvérsias e para muitos, suspeitas de intenções políticas por trás desse tipo de decisão e não apenas desta, como de outras decisões de ministros do STF.

Como afirma Luiz Moreira, doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Conselheiro Nacional do Ministério Público e professor de Direito Constitucional, no artigo “O século do Poder Judiciário”, o STF fundamentalmente possui três tarefas: (I) funcionar com última instância recursal do judiciário brasileiro; (II) exercer jurisdição nas ações que lá se originam; e (III) exercer o papel de Tribunal Constitucional.

No entanto, diz Moreira “é cada vez mais frequente que ministros do STF emitam opiniões sobre os assuntos mais diversos da vida política nacional. Não raro essas opiniões expressam críticas a poderes, censuras a instituições ou contêm até mesmo prognósticos políticos. Essas condutas não são ortodoxas, contrariam não apenas a tradição judiciária segundo a qual ao juiz compete uma atuação reservada aos feitos judiciais sob seus cuidados. É o que comumente se chama de liturgia do cargo. A fim de se manter equidistante das disputas, o magistrado não disputa a hegemonia política, não cria narrativas para que, assim, possa desfrutar do prestígio que a função de magistrado angariou”.

(Foto: Carlos Humberto)

A decisão do ministro Edson Fachin, para Nassif, associa-se a outras, como o pedido de vista do julgamento de José Dirceu depois que a maioria dos ministros do STF havia decidido por sua libertação; o fato de ter votado a  favor da decisão de um juiz de 1ª Instância, de ordenar busca e apreensão no apartamento funcional da senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT. Para ele “A suscetibilidade de um Ministro de STF é infinitamente maior do que de cidadãos comuns atingidos por medidas suas (…) e que

de qualquer modo, tem-se uma certeza e uma incógnita. A certeza é quanto ao suicídio de sua reputação e a incógnita é quanto aos motivos”.

Numa entrevista ao jornal GGN sobre o caso, o deputado federal Wadih Damou (PT/RJ) considerou o comportamento do ministro como “inacreditável” e que “ele não tem mais qualquer pudor em mostrar sua parcialidade” e pergunta: “A que pressões foi submetido Fachin para se tornar uma figura tão patética, trêfega na condução da Lava Jato?” O deputado acha que a defesa de Lula deveria pedir a suspeição do ministro, por considerar que ele vem manobrando para garantir a permanência de sua prisão

O fato é que não são apenas decisões de um ministro, mas é o Supremo Tribunal Federal que está como nunca esteve no centro da vida política brasileira. Todas as decisões importantes, como o impeachment de Dilma Rousseff em agosto de 2016, reformas de grande impacto como a trabalhista, as ações e desdobramentos da Operação Lava Jato, por exemplo, tiveram a participação decisiva do STF.

Embora haja a possibilidade de acompanhar algumas de suas decisões sintonizando as sessões da TV Justiça, há pouca análise sobre os seus fundamentos. Uma contribuição nesse sentido é o livro Onze Supremos: o supremo em 2016, organizado por Joaquim Falcão, Diego Werneck Arguelhes e Felipe Recondo. São 94 artigos, divididos por temas: Retrospectivas (2 artigos); Desafios institucionais (17 artigos); A crise econômica (6 artigos); A formação da jurisprudência (9 artigos); Os três poderes: separação, conflito, confusão (17 artigos); Eleições e reforma política (7 artigos); Direitos fundamentais: ativismos e omissões (11 artigos); Os caminhos do impeachment (15 artigos) e Operação Lava Jato (10 artigos). O livro tenta responder perguntas como: “Quais os casos que o tribunal deveria ter decidido, mas não o fez? Quais as implicações políticas de um pedido de vista, de uma mudança de pauta, ou de uma decisão individual liminar? E, fora do tribunal, como as estratégias de diferentes atores têm moldado a pauta e as decisões do Supremo? Quais os efeitos políticos mais amplos de uma mudança aparentemente pequena no regimento interno do tribunal? Quais os outros fatores e preocupações – políticas, sociais, econômicas – estão por trás dos argumentos constitucionais feitos no Supremo Tribunal Federal?”.

Compreender o papel e as decisões do STF é complexo e especialmente tentar fazer isso em poucas linhas, mas é fato que há um inegável desgaste da imagem do STF em função, entre outras coisas, de decisões como a que afastou o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, só depois da abertura do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff. Se havia provas contra ele – que teve um papel fundamental nesse processo – por que não o afastou antes? Outras foram decisões monocráticas como a do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff usando como argumento o fato de que o objetivo da nomeação seria o de impedir que ele fosse julgado pelo juiz Sergio Moro, baseando-se em conversas telefônicas que foram gravadas e tornadas públicas entre a presidenta e o ex-presidente Lula. Ocorre que a conversa foi anulada pelo ministro Teori Zavascki e sua divulgação foi considerada “um erro precoce e pelo menos parcialmente equivocada a decisão que adiantou juízos de validade das interceptações”. O juiz Sergio Moro reconheceu o erro e pediu desculpas ao STF, mas de nada adiantou. Lula não foi nomeado. No entanto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello decidiu pela nomeação de Moreira Franco para o mesmo cargo, mesmo tendo sido citado 34 vezes na delação premiada do ex-executivo da Odebrecht Cláudio Mello Filho (tinha o codinome de “Angorá”) e passou a gozar de foro privilegiado. Por que sua situação foi distinta da de Lula, que teve sua nomeação barrada pelo STF?

Para Luiz Moreira, no citado artigo “a tarefa do Judiciário em uma democracia constitucional, exige das instituições uma rigorosa justificação de suas funções. Assim, não se atribui ao Poder Judiciário “fazer” justiça, pois o voluntarismo ou o decisionismo judicial cede lugar a uma atuação institucional em que o “fazer justiça” significa o cumprimento correto dos procedimentos estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Portanto, fazer justiça é o desincumbir-se de uma correção procedimental em que há uma sucessão lógica de acontecimentos, não sujeita a humores, a arbitrariedades ou a caprichos. Desse modo, aliando-se um sistema coerente de direitos a uma lógica piramidal judiciária, com primazia das decisões colegiadas sobre as individuais, em que juízes mais experientes, reunidos em um colegiado, controlam as decisões dos demais juízes, há a institucionalização do judiciário como garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos.

E é exatamente isso que todos que defendem a democracia e a imparcialidade do poder judiciário pretendem. O que se espera da mais alta corte judicial do país é uma postura neutra, isenção em seus julgamentos, o papel de moderador e/ou mediador de conflitos e disputas entre os poderes. A questão é: tem sido assim ou se tornaram atores políticos com questionamentos quanto ao papel de árbitros e com decisões que contribuem mais para provocar crises e insegurança jurídica do que o contrário?

O jornalista Janio de Freitas no artigo “Esperar e receber” publicado no dia 28 de junho de 2018 no jornal Folha de S. Paulo, afirma que o STF (Supremo Tribunal Federal) vai para as ‘férias escolares’ de julho com muitos deveres inacabados e que “com isso, deixam também incertezas e inseguranças cujo efeito é submeter o país ao que no tribunal mesmo chamam de ‘instabilidade jurídica’”.

Leia outro artigo do mesmo autor: Ditadura e corrupção

Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

 

Homero de Oliveira Costa

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