Artigo de Homero Costa, professor de Ciência Política da UFRN, para o Nossa Ciência
O Tribunal Tiradentes foi criado em São Paulo no início dos anos 1980 e se espelha na estrutura de um tribunal, com presidente, acusador, defensor, testemunhas, jurados e observadores. A sua constituição no Brasil inspirou-se no Tribunal Russell, (homenagem ao filósofo Bertrand Russell), constituído em 1966 para condenar (simbolicamente) os crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos no Vietnã.
Desde sua criação em 1983 foram realizadas quatro sessões de julgamentos, todos com a iniciativa da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, com apoio de entidades da sociedade civil e movimentos sociais. A primeira sessão foi o julgamento da Lei de Segurança Nacional, em 1983. A segunda foi do Colégio Eleitoral (1984), a terceira, da Lei de Anistia (2014) e a quarta no dia 25 de setembro de 2017, o Congresso Nacional. Todos condenados.
Para o julgamento do Congresso partiu-se do entendimento de que ele vem aprovando leis que atendem aos interesses de uma minoria da sociedade, com reformas impostas e não discutidas e desconstruindo direitos estabelecidos pela Constituição de 1988. O objetivo seria não o de condenar previamente o parlamento, mas o de “contribuir para o resgate da função do Poder Legislativo, denunciando as práticas espúrias que pautam hoje o funcionamento do Congresso brasileiro e o impedem de cumprir seu papel essencial à democracia, na medida em que desvirtuam o procedimento democrático de tomada de decisões; apequenam o Congresso, reduzindo-o à função de homologador da vontade do Executivo; falseiam sua representatividade; desacreditam a instituição parlamentar e a própria atividade política; deslegitimam as decisões, uma vez que são tomadas por maiorias constituídas por meios inidôneos”.
O presidente do Júri do IV Tribunal Tiradentes foi o jurista Antonio Carlos Malheiros, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e pró-reitor de Cultura e Relações Comunitárias da PUC/SP. O jornalista Fernando Moraes fez a acusação e o advogado de defesa foi o sociólogo e ex-vereador Chico Whitaker. E teve como testemunhas os economistas Marcio Pochmann e Ladislau Dowbor, o jornalista Alceu Luiz Castilho e a cartunista Laerte Coutinho.
Fernando Moraes fez seu papel, condenando o Congresso. Marcio Pochmann condenou não apenas o Congresso como a reforma trabalhista e o projeto de terceirização. A reforma trabalhista também foi condenada pelo presidente do Tribunal para quem, além de constituir grave retrocesso de direitos, estaria eivada do vício da inconstitucionalidade, de acordo com o relatório elaborado pelo Ministério Público do Trabalho.
Alceu Castilho, jornalista e autor do livro “Partido da terra: como os políticos conquistam o território brasileiro” (Editora Contexto, 2012) também participou como jurado e analisou a atuação da bancada ruralista. Para ele os projetos de lei apresentados no Congresso Nacional contribuem para o quadro de desmoralização do Congresso, como o que prevê a venda de terras a investidores estrangeiros. Destacou ainda o poder da Frente Parlamentar Agropecuária, cujo presidente, Nilson Leitão (PSDB-MT), é um dos deputados com maior número de processos no Supremo Tribunal Federal. A frente tem 216 deputados e 17 senadores.
Os dados mostram que em torno de 50% dos votos a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi de integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, como também, na mesma proporção, os que negaram as investigações de Michel Temer na Câmara dos Deputados por corrupção passiva.
Francisco Whitaker atuou como defensor do Congresso Nacional. Não deste Congresso, mas da importância do Poder Legislativo. Para ele este atual Congresso “virou um cartório homologador das vontades do Executivo, respondendo ao comando da oligarquia que faz parte do País”.
As críticas ao parlamento, não significa que não deve existir o congresso, e partidos e assim justificar os saudosos e defensores da ditadura (civis e militares) o fechamento do congresso. Ele tem um papel fundamental a cumprir numa democracia. O que existe é um déficit democrático ao não possibilitar participação popular em suas decisões e o que deve ser feito é melhorar a qualidade da representação e não sua extinção. Segundo uma pesquisa da Datafolha de dezembro de 2016, quase 60% dos entrevistados avalia como ruim ou péssimo o trabalho dos parlamentares. Esse resultado é o pior desde 1993, quando a taxa chegou a 56%. Apenas para 7% ele é bom ou ótimo.
A intenção do Tribunal é contribuir para o resgate da função do Poder Legislativo, analisar (e denunciar) práticas que ajudam a desqualificá-lo, a falta de legitimidade das decisões, o desvirtuamento de procedimentos democráticos, que leva ao descrédito da instituição e da atividade parlamentar e que contribuem de forma decisiva para a crise política que o país atravessa.
Homero de Oliveira Costa é professor titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Homero de Oliveira Costa
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