Análise das votações nominais de 2019 revela significativo apoio do Congresso Nacional ao governo federal.
(Homero Costa)
O primeiro semestre de 2019 foi considerado como o mais produtivo desde 1994 no Congresso Nacional. Foram aprovados entre outras leis, o aumento da punição para o transporte pirata – infração gravíssima, com multa (multiplicada por cinco, no caso do transporte escolar) e perda de sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação, a Lei nº 13.834 sobre calúnia nas eleições tipificando o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, estabelecendo que a condenação poderá ser aumentada em um sexto caso o acusado se esconda por trás de anonimato ou nome falso
Outras leis aprovadas foram a sobre o chamado cadastro positivo. Pelo texto, será automática a adesão de consumidores e empresas aos cadastros positivos de crédito; a lei 13.812, sobre desaparecidos (A Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas), estabelecendo que o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas terá um banco de informações públicas (de livre acesso por meio da internet) sobre a pessoa desaparecida; e dois bancos de informações sigilosas, um com dados sobre a pessoa o outro com informações genéticas da pessoa desaparecida e de seus familiares.
Em relação à violência doméstica foi aprovada a lei nº 13.836, que obriga o registro nos boletins de ocorrência e também determina que o registro policial informe se o ato de violência resultar em sequelas ou em agravamentos de deficiências preexistente (a Câmara aprovou projetos como o que permite ao juiz ordenar a apreensão de arma de fogo registrada em nome do agressor e o que concede prioridade de matrícula a filhos de mulheres que sofrem violência doméstica).
Foi aprovada também a Lei nº 13.828, que garante o cancelamento de serviços de TV por assinatura por telefone ou pela internet, como direito dos assinantes; a Lei 13.847 dispensando de reavaliação pericial pessoas com HIV/AIDS aposentadas por invalidez.
Também a lei 13.831, que muda regras referentes à prestação de contas dos partidos políticos. Proíbe a rejeição de contas e garante anistia de multa às agremiações que não gastaram a cota mínima de 5% de recursos com programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, desde que tenham direcionado algum dinheiro para candidaturas femininas.
Além disso, a exemplo das legislaturas anteriores, foram aprovadas leis que não contrariam interesses e é apenas para fazer homenagens, como a aprovação de leis que dão nomes a BRs – como a BR 369, que passou a se chamar “Rodovia Zilda Arns Neumann” e a BR-280 em Santa Catarina, passou a se chamar Senador Luiz Henrique da Silveira. (Lei 13.849), da mesma forma, com os chamados heróis da pátria, tendo sido aprovados os nomes de Ulisses Guimarães, Dandara dos Palmares e Luiza Mahin (que lutaram pela libertação dos escravos), Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel) e Nelson Carneiro, autor da lei do divórcio e ex-presidente do senado
Houve ainda leis sobre a abertura do setor de aviação ao capital estrangeiro, regras de tramitação de medidas provisórias e medidas com o objetivo de combater fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Lei da Liberdade Econômica, (Lei 13.874/19) que, entre outros aspectos, flexibiliza regras trabalhistas, como dispensa de registro de ponto para empresas com até 20 empregados.
No artigo 2019: como foi a produção legislativa para os trabalhadores, publicado no dia 27 Dezembro 2019, André Santos e Neuriberg Dias afirmam que “a produção legislativa, compreendida pela aprovação de proposições legislativas no Congresso Nacional (Câmara e Senado) e a transformação dessas em normas legais, em 2019 foi péssima para os trabalhadores e a sociedade em geral”. No levantamento que realizaram, foram aprovadas e sancionadas 178 leis ordinárias, 6 leis complementares e 6 emendas à Constituição. Das leis ordinárias, 105 foram de iniciativa parlamentar, sendo 74 da Câmara dos Deputados e 31 do Senado Federal, sendo que 79 foram do Poder Executivo, sendo 52 projetos de lei do Congresso Nacional (matéria orçamentária), 20 oriundas de medidas provisórias e 7 de projetos de lei e uma foi originária do Poder Judiciário”.
A que foi considerada como mais importante foi a Reforma da Previdência, promulgada pelo Congresso Nacional no dia 12 de novembro de 2019, com novas regras para aposentaria dos trabalhadores do setor privado e dos funcionários públicos.
O que explica a aprovação destas leis? Como se comportou o congresso nestas votações? No dia 29 de janeiro de 2020, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) publicou os resultados de uma pesquisa relativa às votações nominais no Congresso Nacional em 2019. Conforme seu site o observatório “combina expertise acadêmica e ferramentas de análise de dados para acompanhar e avaliar o comportamento dos parlamentares no Congresso Nacional” (ele é resultado da colaboração entre o Núcleo de Estudos sobre o Congresso e o Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública, ambos do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O OLB mediu e analisou as taxas de governismo dos parlamentares em 2019 e mostrou que apesar da falta de articulação entre Executivo e Legislativo, uma ampla maioria governista dominou as votações nominais, ou seja, a maioria votou de forma consistente com a agenda do governo.
Para medir o nível de governismo foi usado um algoritmo que diferencia votos e votações por ordem de importância “o resultado é um ranking que permite posicionar os parlamentares numa escala que varia de 0 a 10. Notas próximas de 10 indicam atuação mais favorável à posição governista, as próximas de 0, uma atuação mais oposicionista”.
Para isso foram coletadas informações sobre todas as votações nominais 252 e votações na Câmara e 28 no Senado e depois excluídas votações que não tiveram conflito (as que não houve nem 2% que votaram contrários à maioria).
A constatação é que, a exemplo dos governos anteriores (exceção do segundo mandato inconcluso de Dilma Rousseff) o governismo prevaleceu. Na Câmara, dos 534 Deputados e Deputadas Federais que tiveram votos nominais registrados, incluindo suplentes que assumiram mandatos, 73.4% tiveram notas maiores que 7. No Senado, o governismo também foi alto. Quase 50% dos 85 senadores que tiveram votos nominais registrados com notas 9 ou 10.
Sobre o comportamento dos partidos nas votações, os dados indicam uma distinção entre três grupos: partidos mais governistas, como PSL e o Novo; partidos mais oposicionistas, como PSOL e PT e um grande número de partidos que manifestam um grau considerável de governismo nas votações (embora menor do que o de partidos do primeiro grupo).
Na Câmara dos Deputados, conforme os dados da pesquisa, apenas o PSL “atingiu um nível de disciplina elevado no quesito governismo, a despeito dos conflitos internos pelos quais o partido passou ao longo do ano. Já o principal partido de oposição, o PT, que manifesta comportamento geral decididamente contrário à agenda governista, apresenta um grau menor de coesão partidária, com parlamentares que vão da oposição moderada à mais radical”.
O fundamental é que a análise das votações nominais de 2019 revela significativo apoio do Congresso Nacional ao governo federal. Embora seja fácil constatar a frágil articulação do Executivo no parlamento, uma explicação possível para este êxito é a “existência de coalizões legislativas organizadas em torno de uma agenda comum entre Legislativo e Executivo”.
O que o relatório considera como desafios para o governo, especialmente na Câmara dos Deputados, é que apenas PSL e Novo foram “absolutamente leais ao Planalto”, no entanto, houve um racha no PSL e não se sabe como será seu comportamento com a possível saída de diversos parlamentares para outro partido, a Aliança pelo Brasil e ainda partidos que apoiaram as votações do governo, mas que são “marcados por grau moderado de governismo, mais sensíveis à influência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e que apresentam comportamento mais independente e, portanto, mais imprevisível”.
A convergência mais relevante na relação do Executivo com o Legislativo é a pauta econômica, cujos interesses em sua aprovação vão muito além do Executivo e do Congresso Nacional e nesse sentido, convergindo interesses, tendência é que não haja alterações substanciais do comportamento do Congresso nas votações nominais, considerando que no primeiro ano de governo Bolsonaro houve “considerável vantagem para os blocos alinhados com o governo, que formam maioria clara nas duas casas legislativas”.
Em 2020 estão previstas votações de reformas importantes como a Administrativa e Tributária, da Medida Provisória (nº 905/19), que aprofunda a Reforma Trabalhista, introduzindo normas temporárias para geração do 1º emprego para jovens, os Projetos de Lei nº 6.159/19, que desobriga empresas de adotarem política de cotas para pessoas com deficiência ou reabilitadas e o 191/2020 que pretende transformar terras indígenas em parques industriais, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 245/19, que regulamenta a aposentadoria por periculosidade, e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 438/18, que cria gatilhos para redução de jornada e de salário dos servidores públicos.
A considerar o que ocorreu no Congresso Nacional em 2019 e mesmo considerando que as matérias encaminhadas pelo Executivo passaram por modificações no Congresso, como alguns pontos da Reforma da Previdência e o pacote anticrime (sancionada pelo Presidente da República no dia 24 de dezembro de 2019 com 25 vetos ao que foi aprovado pelo Congresso, entre elas o aumento da pena para alguns crimes como casos de violência ou grave ameaça com emprego de armas brancas,veto ao que previa o aumento da pena por crime de homicídio com uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Os trechos vetados voltam para a análise do Congresso Nacional). No entanto, é preciso considerar que mesmo com a revogação de decretos ou a sua retirada, a composição do Congresso é majoritariamente conservadora e de direita e sem uma oposição com votos suficientes que possa alterar os rumos das votações e considerando também o silêncio nas ruas, como ocorreu com a aprovação da reforma da previdência e mesmo a ausência de uma coalizão parlamentar sólida governista, não deverá haver alterações substanciais nas votações e a pauta governista deverá prevalecer. A conferir.
Referências
https://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/29219-2019-como-foi-a-producao-legislativa-para-os-trabalhadores
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Homero de Oliveira Costa
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