O perigo do fascismo no Brasil Artigos

sexta-feira, 31 março 2017

Artigo de Homero de Oliveira Costa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

No dia 17 de abril de 2016, na votação na Câmara dos deputados, para a admissibilidade da aceitação do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, um dos votos pelo sim chamou a atenção, com destaque inclusive na imprensa internacional: a do deputado Jair Bolsonaro (PSC/RJ) que aproveitou a ocasião para fazer uma homenagem a um torturador e também “Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas”. Como a imensa maioria dos votos do sim, sem qualquer referência ao fato que deveria ser o foco da discussão, ou seja, o crime de responsabilidade atribuída a presidente.  Apenas insultos, orações, referências a Deus, familiares etc. Os insultos do deputado antecedeu seu voto. “Foram inúmeras, como, em outro momento afirmar que “O grande erro da ditadura foi não matar vagabundos e canalhas como Fernando Henrique”;” O erro da ditadura foi torturar e não matar!”e ainda sobraram elogios a ditador Augusto Pinochet que, segundo o parlamentar “devia ter matado mais gente.” (Estas frases e outras estão neste site).

Perspectivas de reforma política no Governo Temer  

Para mim, a questão não são apenas os discursos e em particular o proferido no dia 17/4/2016 e sua repercussão. Foi ter sido algo pensado, que tinha um alvo e um público determinado. É possível que alguns dos 464.572 eleitores que votaram nele em 2014 (maior votação para deputado Federal no Rio de Janeiro, mais de 100 mil à frente do segundo colocado), não concordem inteiramente com algumas de suas frases e de seu comportamento na Câmara dos Deputados, mas certamente a maioria o apoia. E não apenas seus eleitores do Rio de Janeiro.  Não deve ser por acaso que na pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha nos dias 7 e 8 de abril, numa simulação com Lula, Marina e Aécio, na qual foi incluído o nome dele, teve 8% das intenções de voto, que corresponde a mais de 10 milhões de eleitores (para um eleitorado de pouco mais de 142 milhões).  O percentual é o dobro do que o deputado registrava em dezembro de 2014, portanto, o clima criado em 2016 ajudou para o crescimento das intenções de voto nele. No inicio de 2017 foi divulgada uma nova pesquisa do Instituto DataFolha e Bolsonaro ficou em segundo lugar nas intenções de votos (Lula lidera em todos os cenários).

Quais mudanças a reforma constitucional ora proposta pode trazer à sociedade brasileira? 

No artigo “A arca dos vencedores” de 23/4/2016(Folha de S. Paulo) o cientista político André Singer, ao analisar os votos dos deputados no dia 17 de abril se refere caráter despolitizado de muitos sufrágios e que “a fala propositadamente radical do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), ao enaltecer famoso torturador, dialoga com o conservadorismo difuso em setores da sociedade (…). Com 8% das intenções de voto para presidente da República (…) o ex-militar carioca encontra-se em quarto lugar na preferência do eleitorado e nada menos que 20% dos entrevistados com renda acima de 10 salários mínimos familiares mensais declararam adesão a ele”.

São necessariamente fascistas? É provável que não. Nem todos que votaram nele devem ser fascistas, mas certamente os fascistas devem ter votado nele. O fascismo na Itália, com se sabe, se nutriu do ódio e da intolerância e de uma “massa de manobra” que incluiu expressivos setores das classes médias.  Mas, o que é mesmo o fascismo? Há uma extensa bibliografia sobre o assunto, estudos aprofundados para sua compreensão como “Anatomia do fascismo” de Robert Owen Paxton (Paz e Terra), “As Origens do fascismo” de Robert Paris (Perspectiva), “Do fascismo à democracia” (conjunto de 12 ensaios de) Norberto Bobbio (Campus Elsevier), “Fascistas”, de Michael Mann (Record) que talvez ajudem a entender um pouco a gênese do fascismo, seu real significado e principalmente perceber que os sinais de fascismos ainda são evidentes em várias partes do mundo, como o fascismo islâmico , o crescimento da extrema direita na Europa, com partidos xenófobos, nacionalistas e neofascistas. A Frente Nacional na França, por exemplo, sob a liderança da ultradireitista Marine Le Pen, teve 25,2% nas eleições administrativas de 2015. A coalizão com a Liga Norte, que se tornou um dos principais partidos da direita italiana nos últimos anos, resultou no nascimento de um grupo chamado “Europa das Nações e da Liberdade”, que se afirmou como uma das forças da extrema direita que ingressaram no Europarlamento (com sede em Bruxelas), junto com outras legendas consolidadas em outros países, que defendem, entre outras coisas,  a revisão dos tratados sobre imigração. Entre esses grupos, os mais representativos são o Partido da Liberdade, da Áustria – que conseguiu 20,5% nas eleições gerais de 2013 – e o Partido pela Liberdade, da Holanda – que conseguiu 13,3% nas eleições europeias. Esses dois partidos juntos se tornaram a terceira força política em seus respectivos países.

Estado de exceção e resistência 

Mas, o fascismo, como o nazismo, precisa de um ambiente propício para aparecer e crescer. O clássico filme de Ingmar Bergman O Ovo da Serpente (1977), ambientado na Alemanha no início dos anos 1920, mostra os conflitos e a desordem que antecederam a ascensão do nazismo. O filme é tido como a melhor reprodução cinematográfica da República de Weimar e do surgimento do nazismo na Alemanha. Com a queda da monarquia na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, a cidade de Weimar que depois do Tratado de Versalhes se tornou a sede do novo governo, assistiu a inúmeros atentados à liberdade, aos discursos de ódios, intolerância, como o antissemitismo e xenofobia e até a ascensão de Hitler em 1933, a Alemanha passou por um período de profunda crise política, com inflação descontrolada, tentativas de golpe de Estado e o crescimento do fanatismo político.

É descabida qualquer comparação com o que ocorreu na Alemanha nos anos 1920, mas muitos têm alertado para a gestação de um embrião fascista no Brasil. Um deles é o ex-presidente do PSB e cientista político Roberto Amaral que no livro “A serpente sem casca. Da crise à Frente Popular” (Altadena Editorial) faz um alerta nesse sentido. O título é uma metáfora para falar da atualidade brasileira e “a possibilidade de enxergamos a gestação de um embrião fascista no Brasil”. Para ele “O fascismo não começa pela sua exasperação, ele começa lento, com ofensas verbais, e depois evolui para agressões físicas e coletivas. Esse conservadorismo é tão mais perigoso na medida em que ele está presente em todos os meios de comunicação e é destilado dia e noite junto à população”.

No artigo “O Reich tropical: a onda fascista no Brasil” publicado na edição de 13/10/2014 na revista Carta Capital, Rosana Pinheiro Machado diz: “A história do início do século 21 parece repetir a do século 20”. De um lado, insurgências populares eclodem aqui e acolá. De outro, há o claro crescimento da extrema direita conservadora. Mas há uma diferença significativa, e profundamente preocupante, entre o passado e o presente. Desencantada de sua história e imersa em pequenos conflitos que causam grandes desgastes, a esquerda hoje está muito mais fraca do que há cem anos. O desequilíbrio entre uma esquerda enfraquecida e uma direita que detém o monopólio do capital financeiro e informacional, sem sombra de dúvidas, pesa para um único lado”(…) Controlando os aparatos hegemônicos da mídia e disseminando mentiras, os grupos dominantes elegeram a mais conservadora bancada de sua história – ato que não poderia ter sido plenamente realizado sem a eclosão incontrolável de ofensas criminosas aos nordestinos. O fascismo brasileiro é mais complexo do que o italiano ou o nazismo alemão. Ele é mais difícil de identificar, possui um ódio mais pulverizado direcionado uma massa ampla e difusa. É animado por uma mídia suja, uma polícia violenta, um movimento religioso fanático e uma elite sui generis que, na teoria, defende o liberalismo, mas na prática age para defender privilégios. Contra a onda fascista, a esquerda precisa se fortalecer, se entender, reconhecer suas fragilidades”.

Creio que o ambiente de polarização vivido hoje na sociedade brasileira explique, em parte, a ascensão da direita e de setores claramente fascistas nas ruas e redes sociais, e talvez aí resida o perigo: a forma como os discursos de intolerância, ódios e ressentimentos são aceitos por parcelas consideráveis da sociedade. É uma porta aberta para o fascismo. É um ambiente que nutre analfabetos políticos (que, aliás, opinam sobre tudo, potencializado com as redes sociais, com toda sorte de imbecilidades e a certeza dos ignorantes).

No livro “Como conversar com um fascista” (Record) a filósofa Márcia Tiburi afirma que fascista é um tipo psicopolítico bastante comum. Sua característica “é ser politicamente pobre”. “O empobrecimento do qual ele é portador se deu pela perda da dimensão do diálogo e” o diálogo se torna impossível quando se perde a dimensão do outro”. Para ela, “O fascista não consegue relacionar-se com outras dimensões que ultrapassem as verdades absolutas  nas quais ele firmou seu modo de ser. Sua falta de abertura, fácil de reconhecer no dia a dia, corresponde a um ponto de vista fixo que lhe serve de certeza contra pessoas que não correspondem à sua visão de mundo pré-estabelecida,  alguém que não se dispõe a escutar, que não fala para dialogar , mas apenas para mandar e dominar”.

Ela se remete ao que chama de “personalidade autoritária do microfascismo do dia a dia”. Há o pressuposto de que vivemos numa sociedade de tradição autoritária, que torna possível a existência de “fascistas em potencial”. 

Mas, afinal, o que querem os fascistas?  Rubens R.R. Casara na apresentação do livro “Como conversar com um fascista” diz “os fascistas talvez não saibam o que querem, mas sabem bem o que não suportam”. Não suportam a democracia, entendida como a concretização dos direitos fundamentais de todos, como processo de educação para a liberdade, de governos através de consensos, de limites ao exercício do poder e de substituição da força pela persuasão e sugere “confrontar o fascista, desvelar sua ignorância, fornecer informação/conhecimento, levar esse interlocutor à contradição, descontruindo suas certezas, forçando-o a admitir que seu conhecimento é limitado, fazem parte de um empreendimento ético-político (…).

Numa sociedade de larga tradição autoritária, com parcas experiências de governos democráticos, lutar pela democracia e contra as tentações autoritárias, deve ser mais do que uma obrigação: é a única possibilidade de ampliarmos nossa capacidade de convivência e fazermos jus àquilo que chamamos de razão. Talvez uma das consequências dessa onda conservadora e autoritária seja a unificação da esquerda e dos setores progressistas da sociedade. Há uma necessidade imperiosa de fortalecer a formação de uma frente ampla, popular que reúna os setores progressistas e democráticos do País para enfrentar a ameaça fascista e os golpistas, que ajudam a criar um ambiente favorável à sua expansão.

Homero de Oliveira Costa é professor titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).


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