O jornalista Cássio Leite Vieira mostra como a divulgação científica brasileira pode ser menos mundial e mais regional
Até a década de 1980, a vida de um jornalista na redação de um jornal não era das mais fáceis quando o assunto era obter informações. Pode soar estranho para as novas gerações, mas já houve um mundo sem internet, correio eletrônico e páginas www.
Por vezes, obter a nacionalidade de um cientista ou (pior) os anos de nascimento e morte dele – caso a tal personagem não fosse um luminar da ciência – era empreitada para, pelo menos, uma hora no banco de dados do jornal. E encontrar uma boa foto para a reportagem? “Céus, por que estou sendo punido?”, era a pergunta que muitos jornalistas devem ter feito a si mesmos.
Dava para ser pior? Sim. Os textos eram escritos em máquina de escrever e folhas padronizadas de papel (as tais laudas). Isso obrigava, de certa forma, o jornalista a, mais ou menos, ter o roteiro do texto por completo na cabeça. Atenção, jovens: máquinas de escrever não tinham a tecla ‘delete’. As correções tinham que ser feitas à mão – daí a tal lauda ter espaço ‘dois’ entre as linhas.
E o que tudo isso tem a ver com o competente portal de divulgação científica ‘Nossa Ciência’?
Muito, na verdade. Fique comigo, leitor(a).
Hoje, a quantidade de informação disponível é tamanha que pode dar a impressão de que um jornalista vive num tipo de paraíso. Google, Facebook, YouTube, Twitter, Instagram, Wikipédia etc. Informação a granel. E, às vezes, em quantidades muito maiores do que as necessárias e desejáveis. E em fração de segundos.
Paraíso! Melhor seria perguntar: Paraíso?
Essa comodidade tem seu preço – já dizia o economista que não há “almoço grátis”. Em um mundo globalizado – e monopolizado por conglomerados de mídias sociais que parecem atuar como o ‘Grande Irmão’ de Orwell –, quem dará destaque a fatos regionais?
Ou você acredita que, para competir com essas megacorporações, ‘jornalões’ e revistas semanas – os quais, em alcance planetário, com boa aceleração, minguam em número de páginas – continuarão a dar importânciaàquele fato regional, mesmo que ele tenha apelo para público?
Sem hipocrisia, a resposta é não.
O mundo será aquilo que esses gigantes midiáticos quiserem que ele seja – e não adianta vituperar. Vejamos o caso do jornalismo sobre ciência. O noticiário mundial é praticamente dominado pelo material disponível para jornalistas em duas páginas: EurekAlert e Nature Research Press Site.
O que era o ‘Paraíso!’ (comodidade), aos poucos, foi ganhando o perfil de ‘Paraíso?’ (preguiça).
Hoje, um bom editor (seja de ciência, seja de qualquer outra área) irá mandar seus repórteres procurarem pelo diverso, pelo ‘não esmagadoramente mundial’, para que seu noticiário ganhe personalidade.
E aí que entra o regional.
Questão de ordem: mas como enfrentar os Golias desse ringue planetário? Ora, sendo o David regional. E a estratégia é a da guerrilha, persistência. A de caçar a notícia que está ali, em sua cidade, seu estado, sua região.
O portal ‘Nossa Ciência’ é um tipo de David disposto a brigar em defesa da boa ciência que o Nordeste vem produzindo há décadas – e que, injustamente, tende a ficar fora do jornalismo que se faz no eixo Rio-São Paulo.
‘Nossa Ciência’ está à frente. Razão: personaliza um tipo de estratégia que todos – governos, prefeituras, empresas, universidades, centros de pesquisa, fundações de amparo à pesquisa etc. – deveriam apoiar para que as notícias de C&T da região nordeste cheguem ao grande público, usando – e aqui vem a ironia da coisa – as armas de Golias: a web.
‘Nossa Ciência’ é o futuro. Porque este – pelo menos, em termos de divulgação científica – terá que ser necessariamente regional.
Parabéns pelo primeiro ano de vida.
Cássio Leite Vieira é jornalista do Instituto Ciência Hoje (ICH),editor da área de internacional e também de forma e linguagem da revista Ciência Hoje. É autor de vários artigos e cerca de 10 livros sobre jornalismo científico, divulgação científica e história da Física, entre eles o Pequeno manual de divulgação científica; Einstein (O reformulador do Universo) e a coletânea História da Física.
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