Estudo aponta que país vive atualmente o ciclo mais longo de aumento da desigualdade de sua história
(Homero Costa)
No dia 15 de agosto de 2019 foi divulgado o estudo ‘A Escalada da Desigualdade’, pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, o FGV Social. Os dados mostram uma escalada da desigualdade social nos últimos 4 anos e que o país vive hoje o ciclo mais longo de aumento da desigualdade de sua história.
Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social, a concentração de renda cresce no país há 17 trimestres. Segundo ele, na introdução do estudo “Nem mesmo em 1989, que constitui o nosso pico histórico de desigualdade brasileira, houve um movimento de concentração de renda por tantos períodos consecutivos. Neste aspecto, a pesquisa mostra que depois de quatro anos de alta ininterrupta a desigualdade de renda sofre o menor aumento desde o primeiro trimestre de 2015, quando comparado ao mesmo semestre de 2014. É um aumento modesto que não interrompe um longo período de aumento de concentração de renda de trabalho, mas mostra desaceleração do aumento da desigualdade constituindo um décimo do aumento observado seis meses antes”.
Entre os fatores explicativos da piora na desigualdade, segundo ele, em entrevista para o repórter Gabriel Martins do jornal o Globo em 16 de agosto de 2019, é o aumento do desemprego que atinge mais de 12 milhões de pessoas “quando o desemprego aumenta, o mercado de trabalho tende a diferenciar ainda mais os trabalhadores de acordo com o grau de instrução. Os mais capacitados têm mais chance do que os de baixa escolaridade”.
Na pesquisa foi utilizado (e os dados constam em dois gráficos) O “Coeficiente de Gini” (no caso da pesquisa, evolução do índice de Gini) que tem sido utilizado para mensurar o nível de desigualdade dos países segundo renda, pobreza e educação. Os índices variam de zero a 1. Quanto mais próximo de 1, mais desigual é a distribuição de renda. No Brasil, Segundo os dados da pesquisa, o indicador segue tendência de alta desde o quarto trimestre de 2014, quando estava em 0,6003, até o segundo trimestre de 2019, quando alcançou 0,6291.
Além do índice de Gini Foram utilizados e analisados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), feita pelo IBGE.
Outro indicador em relação à desigualdade diz respeito ao comportamento dos rendimentos do trabalho de acordo com a faixa de renda (No estudo são chamados de “Crescimento por grupos de renda” e “Crescimento da renda do trabalho por faixa de 2014 a 2019”) e revelou que período de 2014 a 2019, a renda dos mais pobres caiu 17,1%, enquanto, a renda dos 10% mais ricos aumentou 2,55% e 10,11% do 1% mais rico.
O levantamento tem como base a renda do trabalho per capita familiar, considerando os trabalhos de todos os integrantes da família, divididos pelo número de pessoas do domicílio. Além dos mais pobres, que diminuíram a renda, os com idade de 20 a 24 anos, também tiveram uma queda de 17,7%.
No dia 18 de agosto de 2019, o jornal o Estado de S. Paulo publicou no “Notas e Informações” intitulado Desempregados crônicos, no qual comentam os dados sobre o desemprego divulgados pelo IBGE e afirma que “Não há muito o que comemorar” e que “As estatísticas do segundo trimestre indicam que o desemprego e o subemprego estão se transformando em condição permanente para uma parcela cada vez maior da população. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral do IBGE do segundo trimestre revela que 26,2% dos desempregados estão procurando emprego há pelo menos dois anos. Em números absolutos, são 3,3 milhões de brasileiros que não conseguem ocupação embora queiram trabalhar. É o maior contingente desde 2012 – de lá para cá, esse exército de desempregados crônicos cresceu nada menos que 120%, segundo as contas do IBGE”.
Comenta também sobre a pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que “com base em dados de emprego e renda do primeiro trimestre constatou que em 22,7% dos domicílios no País não há um único morador com renda gerada pelo trabalho. Eram 19% no início de 2014, e a tendência é de que a alta continue”.
O que diversos estudos mostram como, entre outros, Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos, Editora UNESP, 2015 (uma coletânea de quatorze estudos, escritos por 28 autores de várias instituições e coordenados pela professora titular de ciência política da USP, Marta Arretch), é que o Brasil tem índices de desigualdades históricas, desde o período colonial e que, pela sua complexidade, não serão facilmente resolvidas, mesmo quando há governos empenhados nesse sentido.
Um estudo publicado no inicio de 2018 pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IPC-IG/PNUD) dos pesquisadores Pedro Herculano Guimarães e Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA), no qual foram analisados dados de 29 países — entre desenvolvidos e em desenvolvimento — mostrou que o Brasil está entre os cinco países mais desiguais do mundo, ou seja, o grupo de países em que a parcela mais rica da população recebe mais de 15% da renda nacional “O 1% mais rico do Brasil concentra entre 22% e 23% do total da renda do país, nível bem acima da média internacional”.
O tema da desigualdade voltou a ser discutido com a publicação do livro Historia da Desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil (editora Hucitec/Anpocs, 2019). Trata-se da tese de doutorado de sociologia defendida em 2016 na Universidade de Brasília com o título “A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013” por Pedro Herculano Guimarães Ferreira de Souza. A tese foi premiada pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e analisa, com amplos e consistentes dados, a concentração de renda no Brasil de 1926 a 2013.
O objetivo central da tese é o de “analisar empiricamente a concentração de renda no topo nas últimas nove décadas no Brasil com base em tabulações publicamente disponíveis do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF) e apresenta estimativas para a desigualdade de renda de 1926 a 2013, o que representa a mais longa e completa série histórica para o Brasil até o momento”. A tese mostra uma estabilidade na fração da renda controlada pelo 1% da população mais rica.
Entre outros aspectos, analisando dados de diversos países e as perspectivas futuras da concentração de renda no Brasil, afirma que “Empiricamente, a experiência internacional reforça o ceticismo sobre a dinâmica futura da concentração de renda no Brasil. Não há casos bem conhecidos de países que tenham saído de um patamar alto como o brasileiro e progredido de forma gradual e determinada, sem convulsões ou tragédias, até os níveis verificados nos países ricos depois da 2ª Guerra. Como ninguém deseja passar por choques violentos, cabe ao Brasil então o desafio de inventar uma receita inédita caso a redução da desigualdade para níveis moderados seja realmente uma prioridade política”.
Como ele mostra, o traço distintivo da distribuição de renda no país é a concentração no topo e que mudança nesse sentido só poderá ocorrer “se, em algum momento, políticas redistributivas forem capazes de impor perdas absolutas ou relativas aos mais ricos”. Para ele, “se quisermos romper com essa sina, teremos que encarar uma tarefa inédita, que exigirá reformas em muitas frentes e disputas políticas agudas. Não há motivos para sermos otimistas nem alternativas mais fáceis. Esperar que o crescimento puro e simples resolva nossa questão distributiva não funcionou no passado e dificilmente funcionará no futuro”.
No momento em que a reforma da previdência, tramita no Senado, para muitos analistas, uma das conseqüências de sua aprovação pode ser o aumento da desigualdade social e de renda no Brasil. É o caso do economista Eduardo Fagnani que no livro Previdência: o debate desonesto mostra como a reforma da previdência aprovada na Câmara dos Deputados e se for aprovada do jeito que está no Senado, vai prejudicar os trabalhadores mais pobres e, consequentemente, aumentar a concentração de renda e a desigualdade social. Para ele, a reforma não vai resolver nem os graves problemas das desigualdades sociais e muito menos diminuir a concentração de renda e será mais um passo para “o desmonte do Estado social pactuado na Constituição de 1988”.
O que está para ser aprovado vai diminuir o valor de aposentadorias e pensões, aumentar o tempo para aposentadorias, ou seja, as mudanças previdenciárias previstas podem ocasionar grande retrocesso social, ou seja, o entendimento é o de que a reforma defendida pelo governo vai, entre outras conseqüências, desmontar a já precária assistência social no país que como diz Fagnani é o principal mecanismo de transferência de renda, de diminuição da desigualdade.
Leia outro artigo do mesmo autor:
Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Homero de Oliveira Costa